15 Setembro 2014
Pelo fato de o Papa Francisco “ser coerente com aquilo que diz”, como disse o editor associado do sítio Crux, John L. Allen Jr. nesta quinta-feira durante um painel no Boston College, ele acabou conquistando os corações de milhões de católicos. Há, porém, muitos desafios a serem confrontados – desafios com o potencial de moldar a visão de Igreja do pontífice.
A reportagem é de Michael O’Loughlin, publicada por Crux, 12-09-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“O Papa Francisco trouxe esperança às pessoas e fez com que muitas delas olhassem para a Igreja novamente”, disse o cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston e conselheiro pessoal do líder religioso.
O painel, intitulado “Um Papa para o século XXI”, focou-se na popularidade do pontífice e sua visão de Igreja. O evento marcou o lançamento do Crux, novo ambiente na internet que cobre o Vaticano e a Igreja Católica, um projeto do grupo editorial americano The Boston Globe.
O’Malley, ao revelar que se comunica como papa via fax – “o fax vai diretamente para a sua sala, ele responde imediatamente, e não precisamos nos preocupar com a diferença de horário” –, considerou Francisco “como um dos líderes mais extraordinários de nossos dias” e “e um argentino completo: ele gosta de tango, futebol e mate”.
Será que os cardeais sabiam quem estavam escolhendo quando elegeram Francisco? “Bem, ele é um homem de surpresas e tem feito muitas coisas que ninguém poderia ter previsto”, disse O’Malley.
Vários painelistas afirmaram que a ênfase do papa sobre a alegria e misericórdia traz uma oportunidade de cura das divisões na Igreja, mas a eles foram também feitas várias perguntas envolvendo questões candentes, tais como sobre a imigração, a demissão de funcionários homossexuais de instituições católicas, o papel das mulheres e dos leigos na Igreja e o discurso político.
O’Malley disse que a proibição da comunhão para os católicos divorciados e recasados será provavelmente alterada, mas que a preocupação do papa em alcançar, via trabalho pastoral, os católicos que se encontram nesta situação é o que constitui a sua principal inquietação.
“Penso que as preocupações do Santo Padre pelos católicos divorciados e recasados vão ter bastante apoio por parte dos bispos”, falou o cardeal, todavia alertando contra a expectativa exagerada por mudanças. “A prática pastoral deve sempre seguir a nossa teologia e doutrina”.
Várias questões lidaram com as divisões percebidas na Igreja envolvendo católicos liberais e conservadores. Mas um painelista rejeitou esta mesma divisão.
“Creio que o Papa Francisco nos ajuda a explorarmos tais categorias, as quais não acredito serem relevantes aos católicos”, declarou Mary Ann Glendon, professora na Faculdade de Direito de Harvard e ex-embaixadora na Santa Sé.
Hosffman Ospino, professor de teologia na Boston College, disse que a maioria dos católicos se preocupam mais com os assuntos que afetam a vida pessoal religiosa deles, e menos com os debates políticos e eclesiais.
“Estamos prestando atenção à forma como as famílias católicas nos EUA lutam, diariamente, para educar seus filhos na fé? Não vejo uma polarização aqui. Temos paróquias vibrantes?”, indagou.
Um dos ouvintes perguntou se a preocupação pastoral do Papa Francisco pelos católicos homossexuais poderia desacelerar as demissões destes católicos de instituições ligadas à Igreja.
O’Malley, não abordando a questão diretamente, disse que a “noção do papa de misericórdia e inclusão vai fazer grande diferença na forma que a Igreja responde e auxilia as pessoas com orientação homossexual”, mas, assim como em relação à questão do divórcio, a Igreja não necessariamente vai alterar a sua doutrina.
Um painelista sugeriu que, apesar de ser citada pelo presidente Barack Obama, a mensagem do papa sobre o comunitarismo provavelmente não irá ser bem-acolhida nos Estados Unidos.
“Temos visto a ascensão do Tea Party [movimento ultraconservador americano] que se baseia num individualismo radical, e do movimento para a esquerda do Partido Democrata sobre questões sociais, que também tem base no individualismo”, falou Robert Christian, editor do Millennial Journal, sugerindo que a mensagem do papa não agrada a nenhum dos dois partidos.
O’Malley também sublinhou a ideia de comunidade como sendo uma das prioridades do papa. “O papa tem um companheiro verdadeiro em Jesus. Ele é um jesuíta que coloca Cristo no centro de sua vida”, disse. “Em meio a uma cultura que glorifica o individualismo, o papa nos fala sobre a importância do encontro”.
Sobre imigração, O’Malley falou que o papa dá exemplo ao levantar a questão dos sistemas imigratórios injustos, incluindo o dos EUA.
“O fato de haver 11 milhões de pessoas sem documentos vivendo em nosso país mostra o quão falido este sistema está”, disse. “Precisamos dos imigrantes. Nós, como Igreja, somos chamados a estendermos as mãos a eles, ajudá-los”.
Quase todos os painelistas concordaram que o papa está convocando os leigos e leigas a se envolverem mais na Igreja, inclusive na governança central em Roma.
“É uma das coisas mais interessantes que ele fez até agora”, declarou Glendon. “Ele, de fato, está trazendo leigos e leigas para postos que antes jamais haviam ocupado”.
Mas até mesmo isso não passou sem polêmica.
“Ele quer mesmo que os leigos assumam o seu papel na Igreja, sejam discípulos missionários, e começamos a perceber isto”, disse O’Malley. Mas quais das reformas do papa que dependem de especialistas leigos e não de burocratas do Vaticano? “Tem havido muita resistência, porém o Santo Padre vem acompanhando isso durante 100% do tempo”.
Ospino disse que o papa está ajudando ao sacudir a Igreja, algo nem sempre bem-aceito pelos católicos americanos.
“Penso que, de alguma forma, a Igreja em nosso país, nós em geral, estamos, em termos institucionais, demasiados confortáveis com as nossas formas de fazermos as coisas. Não queremos mudanças. Não queremos prestar atenção às novas vozes, às novas inquietações”, falou.
O’Malley, que recentemente foi confirmado como presidente da comissão antiabuso do Vaticano, afirmou que o processo tem disso demorado por causa da necessidade de se encontrar pessoas ao redor do mundo que possam trabalhar na comissão.
“Há continentes inteiros onde a questão não aparece na tela do radar”, falou.
As falas introdutórias no evento focaram o lançamento do Crux, com o editor Brian McGrory, do The Boston Globe, explicando que este grupo editorial “viu a necessidade jornalística de mais reportagens, mais debates sobre a Igreja. O nosso objetivo é ser a melhor organização noticiosa em língua inglesa cobrindo o Vaticano” bem como assuntos importantes para os católicos, incluindo filantropia, guerra e paz, e espiritualidade.
O editor associado John Allen, que cobre o Vaticano, disse que o sítio busca estar livre dos preconceitos ideológicos que colorem grande parte das reportagens sobre religião.
“O que temos a oportunidade de fazer com o Crux é criar um espaço que não pertença a ninguém, que não esteja favorecendo um ou outro grupo”, afirmou. “Como jornalista, quero retratar a história de forma correta. Como católico, quero criar um espaço onde todas estas diferentes tribos possam se tornar amigas”.
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"Este Papa traz esperança" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU