09 Setembro 2014
Em vez do centralismo romano, a Igreja precisa de uma maior colegialidade entre os bispos e o papa: essa é a conclusão à que chega o bispo belga Bonny a partir dos ensinamentos e das atitudes dos católicos sobre matrimônio e família. O jornalista e teólogo alemão Daniel Deckers esclarece o pano de fundo, a partir dos debates teológicos que precedem o Sínodo dos Bispos sobre a família.
A reportagem é de Matthias Peter, publicada no sítio Domradio.de, 04-09-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que o bispo belga Bonny quer dizer exatamente?
O bispo Bonny não é nem um "cabeça quente" nem uma pessoa de pouco peso no contexto teológico. É um homem prudente e teologicamente muito culto. Ele sintetiza a posição que surgiu a partir de sérios debates teológicos sobre a origem e sobre a história dos efeitos da Humanae vitae. O Papa Paulo VI se comportou de forma surpreendentemente distante do modo em que, durante o Concílio, haviam sido tomadas as decisões relativas aos documentos do próprio Concílio. Ele decidiu em sentido oposto a qualquer conselho, mesmo ao da comissão instituída por ele mesmo. Fortalecendo-se com o primado do bispo de Roma, ele decidira estabelecer algo contra o sensus fidei dos fiéis e contra o voto que deveria resultar da colegialidade do colégio episcopal e do bispo de Roma.
Mas um papa certamente não pode pedir permissão para cada bispo para um documento magisterial.
E, com efeito, não o fez. O antecedente da Humanae vitae é que Paulo VI recebeu do Concílio a indicação de como a Igreja deveria se comportar sobre esses temas. Era um assunto muito importante, que não podia ser discutido apenas com o olhar do mundo ocidental. Havia o problema do crescimento demográfico, pense-se no Clube de Roma. Muitos países do Terceiro Mundo, diante de qualquer tentativa de limitar o crescimento demográfico, se sentiam naturalmente expostos a um neocolonialismo. Portanto, não se tratou de levar em consideração apenas um pequeno grupo de católicos no mundo, mas de avaliar todos os aspectos do problema.
Justamente a esse objetivo, Paulo VI tinha chamado, como continuação daquilo que havia acontecido no Concílio, grupos de bispos e de cardeais que deviam expressar um voto. No fundo, era uma continuação do "método conciliar". Por isso, não se tratou de agradar a alguém, mas de continuar em um marco mais reduzido aquilo que o Concílio, em uma situação excepcional, havia praticado por nada menos do que três anos. O Sínodo dos Bispos também é um produto do Concílio, que foi realizado depois por Paulo VI. Francisco agora diz que o Sínodo dos Bispos é o verdadeiro órgão deliberativo, em que devem ser decididas as coisas importantes de competência da Igreja universal. É muito clara a tarefa de Francisco de reavaliar a colegialidade dos bispos. Ele também escreveu isso na Evangelii gaudium.
Nisso, Bonny está absolutamente em sintonia com a reconstrução da história recente da Igreja, do Concílio Vaticano II, do Sínodo dos Bispos, do pontificado de Paulo VI e da Humanae vitae. Ele também está em sintonia com o que Francisco, no seu documento programático Evangelii gaudium, pretende apresentar à sua Igreja para o seu pontificado. Não se trata aqui de "bispo contra papa" ou de "Europa ocidental contra Vaticano". Trata-se verdadeiramente de acolher também as indicações que o Colégio dos Cardeais deu a Francisco e que Francisco tenta realizar na Igreja. E esse texto de Bonny é um eco disso.
Qual é a probabilidade de que o Sínodo leve a um afastamento significativo da Humanae vitae?
É impossível dizer. Ninguém é capaz hoje de avaliar a dinâmica das consultas desse primeiro sínodo extraordinário de outubro e do sínodo ordinário do próximo ano. Francisco quer um debate aberto. Ele indicou o cardeal Kasper para o discurso de introdução e elogiou a sua teologia. Ele a define como uma "teologia de joelhos". Não se trata de discutir posições acadêmicas. Trata-se de abordar temas que tocam o coração da Igreja e da fé.
Em outubro, portanto, o presidente das conferências episcopais vão se reunir em uma comissão, o que nunca acontece, razão pela qual não se sabe o que vai sair daí. Depois, haverá discussão nas conferências episcopais individuais. E também nas igrejas locais. Até mesmo o cardeal Marx disse que as Igrejas locais alemãs têm que se envolver mais fortemente nessa discussão. Nesse ponto, vai depender de como esse debate vai ocorrer entre outubro de 2014 e outubro de 2015, e de como, depois, ele vai entrar nas decisões do Sínodo dos Bispos com todos os cardeais e a Cúria. É uma dinâmica que ninguém pode prognosticar. Será um dos momentos mais apaixonantes da história da Igreja dos últimos anos.
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