Por: Jonas | 26 Agosto 2014
Eduardo Gudynas (foto) é o que comumente se denomina como um “desmancha-prazeres”. A América Latina vive um período de vacas obesas, já nem sequer gordas, e ele aponta com o dedo para o esterco deixado por seu ruminante passo.
Fonte: http://goo.gl/3zVqlZ |
Gudynas, uruguaio de abundantes dotes didáticos, parece já ter se acostumado a pregar no deserto. Na associação ERBOL (Educação Radiofônica da Bolívia) semeou em terra fértil e foi protagonista do último “Mapamundi” da temporada. Em entrevista, avaliando a postura do presidente do Uruguai, afirma: "O sonho de Mujica é o país das grandes fábricas, com as fileiras de chaminés. Questões ambientais, sociais ou culturais são vistas por ele como secundárias e da elite. O desafio é sair da pobreza, e para sair da pobreza eu tenho que ter um trabalho, e o trabalho tem que ser qualquer um. Depois é que veremos se isso tem impacto no meio ambiente".
A entrevista é de Rafael Archondo, publicada pelo jornal Página Siete, 24-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O Presidente de seu país se tornou um herói para quase todos. Pepe Mujica é a maravilha que parece ser?
Uma questão importante é que no Uruguai a Presidência tem possibilidades muito limitadas. Lá, os partidos governam, sobretudo, a coalizão da Frente Ampla. Também há muitos mecanismos potentes, estabelecidos e formalizados, que condicionam o que o Governo deve ou não fazer. Um exemplo: Várias das leis mais importantes que o governo de Mujica aprovou, nesses anos, foram declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema de Justiça por erros de redação, conflitos com a Constituição, etc. E quando isso ocorre, não acontece nada, não há nenhuma catástrofe política, nem nada, é parte de uma dinâmica aceitável.
Há, então, equilíbrios.
Claro. Por outro lado, também é verdade que a personalidade do Presidente reflete o que você disse. É uma pessoa que demonstra austeridade, ainda que, talvez, tenha sido muito mais eficiente, vivaz e útil, como legislador, graças a sua capacidade de reflexão. Há um slogan muito utilizado, implantado pelo próprio Mujica. Este slogan diz: “Assim como lhe digo uma coisa, digo-lhe outra”. Ele sempre analisa os dois lados de qualquer situação. Porém, ele e o subgrupo dentro da coalizão possuem mais problemas como administradores, como gestores. Não são tão bons, nesse sentido. Então, isso explica algumas das inconstitucionalidades que eu mencionava. Há sérios problemas para levar as ideias à prática.
São um pouco desordenadas?
Sim, esse é seu toque libertário. Não é um presidente opressivo dentro da coalizão do Governo ou frente aos outros partidos políticos. Compreende esses jogos de compensações.
Então, há algumas marchas e contramarchas em questões importantes que não conseguiram resolver. Há dois temas que preocupam muito os cidadãos e que são muito parecidos com os dos países vizinhos. Os dois temas são: a criminalidade e a crise educacional. Em geral, as esquerdas não conseguiram resolver os problemas de criminalidade. Paulatinamente, esta situação piora em todas as cidades. E, depois, há uma importante crise educacional, sobretudo no nível secundário, que não funciona.
Porém, é verdade, Mujica tem essa austeridade republicana que é potente, importante. É reconhecido por isso. Por exemplo, no Uruguai as obras públicas não têm a foto de Mujica. Porém, isso não existe e nem existia, muito menos nos governos anteriores.
O Presidente e seu entorno, outro exemplo, não se intrometem nas eleições municipais. Além disso, tentam políticas de Estado com mecanismos de ajuste com os demais partidos. Por exemplo, todas as empresas estatais têm, em seu diretório, representantes dos partidos de oposição. O mesmo acontece com os bancos estatais. Isso também acontecia com os governos anteriores e se mantém.
De modo que a esquerda não quis alterar a institucionalidade.
Não, não quis e mais, eu acredito que Mujica tem uma marca mais republicana do que o presidente progressista anterior, que era Tabaré Vásquez.
Com qual Uruguai Pepe Mujica sonha?
Seu principal sonho de desenvolvimento, para o fim de seu mandato, é que o Uruguai comece com a megamineração. Em um país onde não existe a grande mineração de ferro a céu aberto. É claro, tem uma oposição muito forte por parte dos agricultores e pecuaristas da região, e também da sociedade civil. O governo de Mujica quer fazer um acordo de investimento com um consórcio da Índia.
Isso me parece conhecido.
Recorda-se do Mutún, não é? Sim, é um consórcio competidor da Jindal, para quem é oferecida a construção de um terminal portuário e certa facilidade para usar energia. O curioso é que a oposição pede para nacionalizar o ferro, e diz que se há mineração, que seja uma empresa estatal, que sejam aplicados os controles ambientais e caso estes não são devidamente atendidos, então, que o projeto não seja aprovado. Ao contrário disso, o presidente Mujica e todo o seu entorno querem pular todos os controles ambientais.
Nasceu uma esquerda neoliberal?
Não. Eu não acredito que seja neoliberalismo. Parece-me que há diferenças substanciais com a ideia neoliberal. Por que os governos progressistas não são neoliberais? Porque eles estimulam o protagonismo do Estado em vários setores da economia.
Além disso, há uma reivindicação por justiça social. Podemos discutir se fazem isso bem, mal ou se são meio desajeitados, mas não são iguais aos governos anteriores.
Apesar disso, antes o principal aliado político das causas ambientais era a esquerda, quando estava na oposição. Entretanto, depois, a esquerda chegou ao Governo, converteu-se em progressismo e nos desanimou no ambiental. Mujica zomba regularmente do tema ambiental. No entanto, vai às Nações Unidas e faz um discurso contra o consumismo, que se tornou muito famoso. Então, é essa a sua particularidade tão estranha: “Assim como lhe digo uma coisa, digo-lhe outra”.
Pensa de forma contraditória, paradoxal, ponderada.
Ele não vê contradições em coisas onde outras pessoas, sim, veriam. Faz-me recordar a geração de meu pai. O sonho de Mujica é o país das grandes fábricas, com as fileiras de chaminés. Questões ambientais, sociais ou culturais são vistas por ele como secundárias e da elite. O desafio é sair da pobreza, e para sair da pobreza eu tenho que ter um trabalho, e o trabalho tem que ser qualquer um. Depois é que veremos se isso tem impacto no meio ambiente.
No entanto, o Uruguai também encanta por ter legalizado a maconha e por ter aceitado o casamento igualitário ou o aborto...
Bom, são esses paradoxos da dinâmica política uruguaia. Não foram criações de Mujica, mas, sim, da Frente Ampla e de outros setores da sociedade e, claro, o Governo as acompanhou. O Uruguai é um país raro, porque em algumas coisas se avança muito e em alguns aspectos é muito conservador. Como dizia Galeano, e me parece que é uma frase extraordinária, somos “anarquistas conservadores”.
Você tem um governo com um ex-guerrilheiro que faz filosofia, libera a maconha, mas quer ser mineiro, apela para o casamento igualitário, mas foi o principal promotor das plantações transgênicas no país, tem uma forma de falar popular, mas, ao mesmo tempo floresce o balé em Montevidéu para a elite cultural. E assim o país está caminhando.
Qual é o seu prognóstico? A Frente Ampla vencerá novamente?
O Uruguai é muito pequenininho. Então, as pesquisas são bastante confiáveis, porque é possível saber o que até o último vizinho opina. Tudo parece indicar que a Frente Ampla não terá a maioria na Assembleia Legislativa e que haverá um segundo turno para decidir quem é o presidente. A Frente Ampla pode vencer, assim como não vencer. Tudo é incerto nesse momento.
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Eduardo Gudynas esfacela o “mito” Pepe Mujica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU