25 Agosto 2014
Quando se trata de uso da força militar, os americanos tendem a se dividir em dois grupos: aqueles que querem usar uma força esmagadora para derrotar os inimigos e aqueles que se opõem ao uso da força por alguma ou outra razão.
Os beligerantes conservadores e Hollywood estão no primeiro grupo – quanto maiores forem as bombas, melhor. Estes apoiariam o pedido do presidente Franklin D. Roosevelt por uma rendição incondicional durante a Segunda Guerra Mundial.
No segundo grupo estão os que se opõem a qualquer ação militar (os pacifistas) e os que acham que nenhum americano deveria morrer ajudando algum país estrangeiro (os isolacionistas). Os dois não acham que o governo faça um bom uso da força.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista e padre jesuíta, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 22-08-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O uso limitado da força é evitado por ambos os lados. Os realistas da política externa, por outro lado, consideram a força militar como simplesmente uma entre muitas ferramentas de se fazer política. Portanto, o presidente John F. Kennedy poderia ameaçar os russos durante a crise dos mísseis cubana a partir da Turquia em troca da retirada dos mísseis russos do país caribenho.
Os beligerantes criticaram o presidente George H.W. Bush, outro realista, por não permitir que nossas tropas tomassem Bagdá. Queriam a vitória total, enquanto que os pacifistas se oponham a toda violência. Bush, por outro lado, tinha objetivos limitados: desfazer as intenções do Iraque quanto ao Kuwait.
O uso limitado da força é uma venda forçada dentro da democracia. As pessoas não querem que seus filhos morram por objetivos limitados de política externa. Estas mortes só têm significado se as pessoas estiverem defendendo o nosso país ou morrendo por princípios nobres (liberdade, etc.).
Os franceses resolveram este problema ao ter a Legião Estrangeira Francesa, um exército composto de estrangeiros dispensáveis. Os EUA tentaram uma solução para este problema enchendo o exército com pobres e minorias com baixa escolaridade.
É este contexto o que torna tão difícil para os americanos compreenderem a posição do Vaticano sobre o uso da força militar, que se baseia na teoria da guerra justa.
O Vaticano parte de uma pressuposição a respeito da guerra: a guerra só pode ser o último recurso, depois que todas as outras possibilidades se esgotaram. Primeiro deve-se tentar a diplomacia e reconciliação. Mas o “último recurso” não significa “nunca”.
Fazer guerra exige uma causa justa, tal como defender-se ou defender alguém de uma agressão injusta. Mas nem toda a causa justa é desculpa para o uso do poder militar. Além de uma causa justa, a intervenção militar deve causar menos danos do que uma não intervenção. Não devemos destruir uma aldeia para salvá-la. O uso da força militar deve ser proporcional, e todo o possível deve ser feito para evitar casualidades civis.
Os papas João Paulo II e Bento XVI se opuseram às duas guerras do Golfo, e o Papa Francisco se opôs a qualquer intervenção americana na Síria porque não acharam que estas ações preenchiam os critérios exigidos pela doutrina da guerra justa. Pediram um cessar fogo, negociações, diplomacia e reconciliação. Os papas acreditavam que a intervenção militar iria apenas tornar as coisas piores do que já estavam.
Os papas estavam claramente certos com relação à invasão do Iraque. É difícil sustentar que as milhares de mortes e os bilhões de dólares gastos tornaram este país melhor.
Quanto à Síria, Hillary Clinton, ex-secretária de Estado, diz que teria dado mais apoio aos “moderados” do que deu o presidente Barack Obama, enquanto o papa se opôs a qualquer intervenção militar. Concordo com o papa e com Obama. Não há prova alguma de que faremos algo melhor na Síria do que fizemos no Iraque, especialmente com um investimento muito menor de recursos. Os moderados iriam fracassar, independentemente de quantas armas lhes déssemos.
A teoria da guerra justa diz que não devemos promover uma guerra que não possamos vencer.
Pelo fato de que os papas e o Vaticano se colocavam contra a guerra de forma tão firme, muitos se surpreenderam quando o Vaticano apoiou uma intervenção para deter o abate de minorias religiosas pelo Estado Islâmico. Estas pessoas não deveriam se surpreender. O Vaticano igualmente apoiou uma intervenção internacional no começo da década de 1990 para parar com a limpeza étnica na Bósnia-Herzegovina.
Na semana passada o Catholic News Service informou que Dom Giorgio Lingua, núncio apostólico no Iraque, disse à Rádio Vaticano quando lhe perguntaram sobre os ataques aéreos militares americanos: “Isso é algo que precisou ser feito, de outro modo [o Estado Islâmico] não poderia ser parado”.
Nesse sentido, Dom Silvano Tomasi, representante vaticano nas agências da ONU em Genebra, disse: “Quando todos os outros meios se esgotarem, a comunidade internacional deve agir a fim de salvar a vida de seres humanos. Isso pode incluir o desarmamento de um agressor”.
Para Tomasi, este foi o caso da “intervenção humanitária”, porém ela deveria ser feita pela comunidade internacional – e não de forma unilateral de um único país.
O papa disse algo semelhante durante a sua coletiva de imprensa no caminho de volta da Coreia do Sul. Em resposta a uma pergunta de um jornalista, ele falou:
“Nesses casos, em que há uma agressão injusta, só posso dizer o seguinte: é lícito deter o agressor. Ressalto o verbo ‘deter’. Eu não estou dizendo ‘bombardeiem’ ou ‘façam a guerra’, mas apenas ‘detenham’. E os meios que podem ser usados para detê-los devem ser avaliados. Deter o agressor injusto é lícito, mas precisamos, todavia, nos lembrar de quantas vezes, usando a desculpa de parar um agressor injusto, os países poderosos dominaram outros povos, fizeram uma verdadeira guerra de conquista. Um único país não pode julgar como deter um agressor. Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiu a ideia das Nações Unidas. É aqui onde devemos debater: ‘Há um agressor injusto? Parece que sim. Como podemos detê-lo?’ Mas somente isso e nada mais”.
Francisco foi bastante cuidadoso no que disse e no que não disse. Ao falar que “é lícito deter o agressor injusto”, disse deter, e não destruir, conquistar ou derrotar. Deter, “somente isso e nada mais”. Este objetivo limitado não irá satisfazer os beligerantes.
Tampouco o papa disse como deter um agressor injusto: “Eu não estou dizendo bombardeiem ou façam a guerra, mas apenas detenham”. Para isso, “os meios que podem ser usados para detê-los devem ser avaliados”. E, assim como Tomasi, o papa defende que esta decisão deveria ser feita pela comunidade internacional, ou seja, as Nações Unidas.
Aqui, os realistas das políticas externas vão dizer que o papa está sendo ingênuo. A única forma de parar o Estado Islâmico é com o uso da força, incluindo bombardeios. E se tivéssemos esperado até que a ONU agisse, seria tarde demais para salvar a vida de alguém.
Eu diria que os diplomatas do papa (Lingua e Tomasi) estão articulando a posição do Vaticano de forma mais incisiva do que ele mesmo. O papa está sendo extremamente cauteloso porque não quer que os beligerantes americanos digam que ele está abençoando a intervenção militar americana para uma destruição do Estado Islâmico. Tampouco quer que extremistas islâmicos digam que ele está convocando uma cruzada contra o Islã. De forma prudente, acerta ao ser cauteloso deixando que seus diplomatas completem com o que for preciso.
O que o papa realmente fez em sua coletiva de imprensa foi enfatizar a palavra “deter”. O pontífice não está dando aos militares americanos um cheque em branco. Deter o avanço do Estado Islâmico permite que a diplomacia e as negociações aconteçam. O papa compreende que o uso do poderio americano para retomar o controle da cidade de Mosul seria um desastre. Foguetes e bombas só podem libertar uma cidade destruindo-a.
Do ponto de vista do presidente Obama, a intervenção militar limitada dá tempo para que o novo governo iraquiano entre junto na ação, especialmente trazendo sunitas a bordo. Obama compreende, e isso não acontece com os beligerantes, que não há solução militar americana alguma para o conflito no Iraque. Somente os sunitas podem derrotar o Estado Islâmico. Afinal de contas, foi o despertar dos sunitas o que derrotou a al-Qaeda, e não a presença americana.
Neste sentido, o papa e o presidente americano concordam: somente as negociações e o comprometimento do Iraque podem trazer paz ao seu povo.
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Por que o Papa Francisco apoia uma intervenção limitada contra o Estado Islâmico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU