Por: Jonas | 25 Agosto 2014
As médicas da cidade iraquiana de Mosul estão sendo testemunhas, em primeira mão, das práticas do Estado Islâmico (antigo Estado Islâmico do Iraque e do Levante). Vendo-se na obrigação de manter um contato mais estreito com eles, as professoras dos colégios e as empregadas do governo decidiram ficar em casa, diante do temor do sequestro ou do estupro.
A reportagem é de Mohammed Abboud, publicada por Rebelión, 21-08-2014. A tradução é do Cepat.
Há mais ou menos três anos, o movimento civil iraquiano adotou a consigna: “Bagdá não é Candaar”. Em seguida, estendeu-se a Mosul e, ali, pôde ser visto letreiros escritos em vermelho brilhante com a frase: “Nínive não é Candaar... salve-nos”, nos muros da cidade.
Esses letreiros diziam respeito à feroz campanha lançada naquele momento pelos militantes do Al-Qaeda, que se dedicavam a matar as mulheres que não usavam véu, mesmo que fossem cristãs ou yazidis.
Atualmente, o pesadelo dos moradores de Mosul se tornou realidade. Sua cidade se transformou em uma nova versão da cidade de Candaar, no Afeganistão. As pessoas estão sendo executadas, estão demolindo as ruínas arqueológicas de antigas civilizações, com milhares de anos, e os grupos religiosos que viveram em paz, durante séculos, estão sendo exterminados.
A expulsão dos habitantes de Mosul para as montanhas e desertos é apenas a ponta do iceberg, porque são contadas dezenas de histórias sobre pessoas que matam sem razão alguma. Muitos falam da barbárie do Estado Islâmico, das fátuas referentes ao recrutamento de meninos, dos impostos exigidos aos comerciantes e de muitas outras práticas depreciáveis, que nem os mongóis cometeram quando invadiram o Iraque, no século XIII antes de Cristo.
Isso inclui a circuncisão feminina [um rumor muito estendido, que não pode ser confirmado] e a manutenção de cativas, segundo as duas médicas de Mossul que conversaram com Al-Akhbar.
As médicas já tornaram pública uma mensagem nas redes sociais, explicando a gravidade da situação e estimulando as pessoas “com consciência” a salvar as mulheres da localidade das “garras” do Estado Islâmico.
Em sua conversa com Al-Akhbar, a doutora Salwa Mohajer disse: “Obrigam-nos a usar burca e niqab. Normalmente, não é permitido que os homens entrem nas salas de parto, mas eles entram com todas as suas pistolas e apetrechos, proclamando que estão ali para controlar o que acontece, incomodando as mulheres e as médicas”.
Mohajer declarou que ela mesma precisa suportar diferentes tipos de incômodos, especialmente da parte dos militantes árabes [*].
“Um homem chamado Abu Mo’men tentou mexer comigo, apesar de saber que sou casada e que tenho filhos”, disse. “Quando disse isso ao meu marido, fiz algumas ligações para pessoas próximas aos combatentes, entretanto, a situação se voltou contra mim, pois, no dia seguinte, Abu Mo’men ameaçou que iria cortar a cabeça de meu marido, caso eu não ficasse calma”.
Mohajer explicou que os “militantes do Estado Islâmico tratam as mulheres em Mossul como se fossem escravas de al-Jahiliyyah (a era pré-islâmica)”, revelando que tinham estuprado algumas médicas e enfermeiras, e que tinham ameaçado matá-las.
Falou de seus dias na cidade, antes que o Estado Islâmico assumisse o controle da mesma, afirmando: “Se um homem nos assaltasse na rua, o que era muito raro em Mossul, o inferno todo recaía sobre ele, mas agora nossa honra está ameaçada e ninguém diz nada”.
A doutora Ansam al-Hamadani, a colega de Mohajer, também conversou com Al-Akhbar, dizendo: “Os militantes proibiram que entrem no hospital todas as doutoras e mulheres que não cubram o seu rosto com véu e suas mãos com luvas”.
Ao lhe perguntar como uma doutora conseguia realizar o seu trabalho e examinar seus pacientes com o rosto e as mãos cobertas, Hamadani disse: “Essas são as normas do Estado Islâmico”.
“São grosseiros o suficiente para perguntar a uma médica se é ou não casada, e alguns chegaram a exigir que as casadas se vistam de preto e as solteiras de branco!”
“Verdadeiramente, vêm nos libertar como proclamam, após ganhar nossa confiança? Possuem realmente valores islâmicos?”, perguntava-se Hamadani.
Hamadani partilhou a história de uma colega especialista em obstetrícia e ginecologia, para quem os militantes do Estado Islâmico negaram a entrada no hospital, quando precisava realizar uma operação cirúrgica, pois não estava com o rosto coberto com um véu. Quando explicou que precisava examinar as pacientes, responderam-lhe ironicamente com o sotaque de Mosul: “Deixe que as pacientes morram, isso não é importante, o que importa é o seu véu”.
Em razão dos crescentes ataques aéreos do exército iraquiano e das forças estadunidenses, a cada dia há mais médicos fugindo da cidade, abandonando seus postos de trabalho. Os responsáveis da saúde em Mossul temem dias muito sombrios, com uma quantidade cada vez maior de feridos comparecendo ao hospital, em meio a uma grave escassez de recursos e pessoal da saúde.
Recentemente, circulou pelas redes sociais uma carta assinada pelas “médicas de Mossul”, na qual faziam um chamado à greve nos hospitais locais, em protesto pelas violações do Estado Islâmico. Diziam que as médicas continuam trabalhando porque a situação humanitária é muito grave, e solicitavam para que a comunidade internacional as salvasse do Estado Islâmico, advertindo acerca de uma crise humanitária em razão da fuga das médicas.
Nota
* Mosul é uma região de população majoritariamente curda.
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Militantes do Estado Islâmico ameaçam duas médicas de Mossul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU