Por: Jonas | 25 Agosto 2014
A matéria de África Pineda relaciona a problemática do Ebola com a crise sistêmica do capitalismo, que não consegue “sair do atoleiro para continuar com o controle de recursos essenciais como o energético, assim como de matérias-primas básicas para a alimentação e produção industrial, entre outros”. O texto é publicado por Rebelión, 21-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Falar da epidemia do Ebola é falar de uma epidemia como outras que surgiram, surgem e surgirão por motivos universais. Ainda que suas origens adquiram uma importância qualitativamente maior após a revolução neolítica, devido ao assentamento das populações humanas e sua maior concentração e convivência com animais e cultivos, fatos que mudam os nichos ecológicos que fazem emergir, desde então, zoonoses e diversas epidemias em humanos.
A análise de uma epidemia, seja qual for, requer considerar todos os contextos internos e externos do problema. Não é objetivo deste escrito o detalhamento das causas que fizeram aumentar a epidemia que estamos tratando, uma infecção emergente (o primeiro caso notificado foi em 1976, na República Democrática do Congo, em uma época convulsa pelas tentativas de independência real da região), em que o reservatório animal (várias espécies de morcegos frugívoros) se encontra em determinados habitats da África ocidental (em selvas e regiões arborizadas) e que tem sido capaz de saltar entre as espécies, sendo transmitida aos seres humanos. Sua gravidade depende de dois fatores fundamentais: a agressividade do vírus, sua capacidade virulenta em afetar a coagulação do sangue, provocando hemorragias generalizadas e disfunção renal; e a capacidade de defesa do hóspede, sua imunidade que ao ser mais ou menos resistente provoca uma gravidade, e letalidade, variável.
Às características do germe (neste caso um vírus) e da resistência do hóspede humano se une o mecanismo de transmissão. O mecanismo de transmissão são os meios a partir do qual a infecção do vírus se propaga de algumas pessoas para outras (fômites ou produtos biológicos – ou não biológicos – do enfermo; o contato direto com a pessoa enferma através de vias respiratórias, cutânea, etc.).
Uma vez que o germe afete a seres humanos, as medidas fundamentais e urgentes, quando se constata que a gravidade e propagação da infecção são altas, é cortar os mecanismos de transmissão e reforçar a imunidade da população. Isto se consegue, dito muito sinteticamente, com um bom suporte vital dos sintomas mais graves, para evitar que a enfermidade se agrave e a morte da pessoa que sofre a infecção, e com o isolamento dos cuidadores e agentes de saúde (mediante o uso de roupões, luvas, máscaras, óculos, correta eliminação de fômites ou material descartável, etc.), para cortar este primeiro problema (cortar a via de transmissão). E, para intervir sobre o segundo problema, é necessário reforçar os cuidados alimentares e higiênicos da população da área afetada. Ao ler estas linhas, podemos estar nos questionando, pois países tão empobrecidos como os afetados pela epidemia do Ebola (Guiné Conacri, Libéria, Serra Leoa e, agora, Nigéria) não podem dispor dos meios necessários para implementar todas estas medidas. Nestes casos, como em outras emergências sanitárias, as organizações internacionais de saúde, e para mencionar a mais conhecida e a que se arroga a autoridade mundial nestes temas, a Organização Mundial de Saúde (OMS), possuem a máxima responsabilidade de realizá-las em coordenação com os governos dos países afetados.
A questão é: o que foi feito quando foram detectados os primeiros casos? Como foram coordenadas as intervenções de todas as partes afetadas com as organizações de saúde internacionais? Enquanto não nos responderem estas perguntas essenciais, com o detalhe que se merece, em razão da gravidade dos acontecimentos, não temos outro remédio a não ser duvidar de que estas medidas urgentes e necessárias foram realizadas. A epidemia foi declarada, ao menos oficialmente pelos meios de comunicação, em fevereiro de 2014, ao inaceitável tempo de seis meses, já que o alerta internacional foi declarado pela OMS no último dia 7 de agosto.
Porém, para além dos contextos internos que dizem respeito à epidemia, a chamada cadeia epidemiológica composta pelos traços clássicos: germe-hóspede-mecanismo de transmissão, temos que levar em conta que esta cadeia epidemiológica está sempre em íntima relação com outros contextos mais externos, que no momento político atual assumem grande importância na análise.
O primeiro, uma crise do sistema capitalista que quer – e não pode – sair do atoleiro para continuar com o controle de recursos essenciais como o energético, assim como de matérias-primas básicas para a alimentação e produção industrial, entre outros. Um controle que consegue ou tenta conseguir mediante a submissão dos países e regiões geoestratégicas, por meio da violência visível ou invisível (descarada ou hipócrita) necessária. O segundo, uma crise de credibilidade em aspectos fundamentais como a coerência em suas declarações e ações, o conhecimento científico ou a ética frente às populações em nível mundial.
E a epidemia do Ebola é mais uma amostra desta grave crise mundial. Apresentamos três exemplos significativos e dramáticos de suma atualidade:
1) O genocídio sobre o povo palestino pelo estado de Israel, com a conivência das potências capitalistas mais ricas, como a União Europeia com os Estados Unidos na liderança;
2) Estas mesmas potências criam “monstros” que se voltam contra elas, como os terroristas que assolam o Iraque, que foram armados e apoiados para derrotar infrutuosamente o governo Sírio;
3) A derrubada ilegal do governo ucraniano por um regime neonazista – apoiados pelos mesmos países já nomeados – que está massacrando a população do leste do país, que não aceita continuar sob o jugo de um governo títere das potências imperialistas. Isso sem citar outros exemplos como Colômbia, Afeganistão, Líbia, etc. A verdade é que estes governos, os mais reacionários do mundo, estão sofrendo não apenas derrotas militares e políticas, mas também uma falta de credibilidade que é primordial para sua subsistência.
Somente quando a epidemia coloca em perigo os interesses e pessoas destes países é que aparecem novos medicamentos e vacinas, que rapidamente estão sendo pesquisadas para impedir o problema em seus blindados territórios e, claro, para tirar suculentos benefícios econômicos da epidemia. Não devemos esquecer a “pandemia” da gripe suína, o novo vírus que se originou em uma multinacional suína estadunidense, em solo mexicano, que foi o que originou o novo lado do vírus gripal e que foi aproveitado para que um antivírus (Tamiflu) fosse divulgado para a sua administração massiva, com poucos efeitos benéficos para a saúde e grandes benefícios para os interesses econômicos.
Isso não quer dizer que todas as medidas não devam ser tomadas, incluindo a pesquisa de medicamentos e vacinas adequadas, mas em um contexto que inclua as medidas urgentes e necessárias que foram comentadas e que no fundamental são semelhantes em qualquer tipo de epidemia. Recentemente, foi publicado um escrito intitulado “A verdade é sempre revolucionária”, célebre frase popularizada pelo excepcional comunista italiano Antonio Gramsci. Porque a verdade, ou melhor, a busca da verdade até as suas últimas consequências é o melhor ato de honestidade que podemos praticar em qualquer um dos “terrenos que pisarmos”. E o do conhecimento é, e não pouco importante, um deles. Porque chegar à raiz do problema é analisar sem medo todas as contradições que se dão em seu interior e todos os fatores externos que continuamente influenciam para o bem ou para o mal da questão. Analisar sem medo e atuar com a agilidade que o problema requer e sem limites. É isso o que devemos fazer em assuntos como a epidemia que estamos comentando e outras que possam surgir no futuro.
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Ebola: mais uma amostra da crise sistêmica do capital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU