21 Agosto 2014
James Foley, jornalista americano, trabalhando na Síria, foi sequestrado e decapitado pelo Estado Islâmico - ISIS nesta semana, escreveu o seguinte depoimento para Marquette Magazine, e reproduzido pelo edição eletrônica, 20-08-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
James Foley, repórter fotográfico, sempre atuou em frentes de guerra. Assim trabalhou na Líbia onde foi sequestrado e depois libertado. Atualmente trabalhava na Síria.
Eis o depoimento.
A Universidade Marquette sempre foi uma amiga para mim. Do tipo que nos desafia a fazer mais e melhor e que, no final, dá forma a quem nos tornamos.
Junto à Marquette, participei de viagens com voluntários à Dakota do Sul e ao Mississippi e aprendi que eu era uma criança que tinha tudo num mundo que possuía graves problemas. Conheci jovens que queriam dar seus corações aos outros. Mais tarde, trabalhei como voluntário numa escola de ensino médio em Milwaukee próximo da universidade, ocasião em que tive a inspiração para me tornar um professor. Mas a Universidade Marquette talvez nunca foi uma amiga maior para mim do que quando estive preso.
Eu e duas colegas tínhamos sido capturados e levados para um centro de detenção militar em Tripoli. Cada dia que se passava aumentava a preocupação de que nossas mães começariam a entrar em pânico. Clare, uma das minhas colegas, deveria ligar para sua mãe no dia em que esta ia fazer aniversário, que foi logo o primeiro dos 44 em que ficamos presos.
A mim mesmo, eu ainda não tinha admitido por completo que minha mãe soubesse do que estava acontecendo. Mas continuava dizendo a Clare que a minha mãe tinha uma fé muito forte.
Rezava para que ela soubesse que eu estava bem. Rezei para que pudesse me comunicar através de algum meio cósmico do universo com ela.
Comecei a rezar o rosário. Seria o que minha mãe e minha avó teriam feito. Rezava 10 ave-marias entre cada Pai Nosso. Isso tomava bastante tempo, quase uma hora para contar 10 ave-marias em meus dedos. Isso ajudou a manter minha mente focada.
Clare e eu rezávamos juntos em voz alta. Parecia energizante falar de nossas fraquezas e esperanças juntos, como se estivéssemos num diálogo com Deus, em lugar de silêncio e sozinhos.
Mais tarde fomos levados para outra prisão onde o regime mantinha centenas de prisioneiros políticos. Fui rapidamente acolhido pelos demais prisioneiros e fui bem tratado.
Certa noite, no 18º dia de cativeiro, alguns guardas me trouxeram para fora da cela. No corredor vi Manu, outra colega, pela primeira vez em uma semana. Estávamos abatidos porém felizes por vermos um ao outro. No andar de cima, no escritório do diretor geral, um homem distinto vestindo terno de pé falou: “Achamos que vocês querem telefonar para suas famílias”.
Fiz uma oração final e disquei os números. Minha mãe atendeu o telefone. “Mãe, mãe, sou eu, Jim”.
“Jimmy, onde você está?”
“Ainda estou na Líbia, mãe. Me desculpa por isso. Me desculpa”.
“Não precisa se desculpar, Jim”, ela implorou. “Ah, seu pai recém saiu. Ele queria tanto falar com você. Como você está?”
Disse-lhe que estava sendo alimentado, que estava tendo a melhor cama e que estava sendo tratado como um convidado.
“Eles estão lhe forçando dizer estas coisas, Jim?”
“Não, os líbios são pessoas ótimas”, disse a ela. “Venho rezando para que vocês saibam que estou bem”, acrescentei. “Vocês perceberam as minhas orações?”
“Ah, meu filho, muitas pessoas estão rezando por você. Todos os seus amigos, Donnie, Michael Joyce, Dan Hanrahan, Suree, Tom Durkin, Sarah Fang estão tentando lhe telefonar. O seu irmão Michael gosta muito de você”.
E então ela começou a chorar.
“A embaixada da Turquia está tentando ver você e também o pessoal da ONG Human Rights Watch. Eles conseguiram?”.
Eu disse que não.
“Seus amigos estão fazendo uma vigília de oração por você na Universidade Marquette. Você sente as nossas orações?”, ela perguntou.
“Sim, mãe, eu as sinto sim”, e então fiquei pensando sobre isso por uns instantes.
Talvez fossem as orações das outras pessoas o que me fortalecia, o que me mantinha de pé.
O policial fez um movimento. Quando comecei a me despedir, minha mãe começou a chorar. “Mãe, eu sou forte. Estou bem. Devo estar em casa para a formatura da Katie”, que faltava um mês para acontecer.
“Nós o amamos, Jim!”, disse ela.
Em seguida, desliguei o telefone.
Refiz este diálogo centenas de vezes em minha cabeça – a voz da minha mãe, os nomes de meus amigos, o conhecimento dela de nossa situação, a sua crença absoluta no poder da oração. Ela me contou que meus amigos tinham se juntado para fazerem tudo o que estivesse ao alcance para me ajudar. Eu sabia que não estava só.
Tive meu primeiro acesso à internet na minha última noite em Tripoli, no 44º dia. Pude ouvir o discurso que Tom Durkin fez para mim durante a vigília na Marquette. Perante uma igreja repleta de amigos, ex-alunos, alunos, padres e professores, assisti à melhor fala que um irmão poderia dar a outro irmão. Um grande elogio, era o que parecia. Nesta fala percebi um coração enorme, e ela era apenas um punhado de todos os esforços e orações que as pessoas estavam fazendo. Rezar foi a liga que permitiu a minha liberdade, uma liberdade interior primeiramente e, mais tarde, o milagre de ser libertado durante uma guerra na qual o regime não teve nenhum incentivo para nos soltar. Isso não fazia sentido, mas a fé sim.
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James Foley escreve sobre o poder da oração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU