18 Agosto 2014
Os vilarejos curdos são patrulhados por grupos de voluntários armados durante as horas da noite. Controlam as ruas, se posicionam nos bairros que se voltam para o sul. Depois das 22 horas até a primeira luz do amanhecer, o tráfego é praticamente nulo.
A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 13-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"As vanguardas das milícias islâmicas estão aqui perto, talvez a apenas 10 quilômetros. Não sabemos com precisão onde se encontram as suas posições, elas mudam constantemente. E é preciso estar alerta, elas preferem agir no escuro. O momento mais tranquilo é de manhã cedo", dizem em alguns postos de bloqueio peshmerga situados não muito longe dos vilarejos recém-conquistados pelos inimigos.
Viajando em plena noite entre Erbil, a capital da zona autônoma curda, e a cidadezinha de Dahuk, na estrada que leva à Turquia, salta aos olhos como a situação é precária. Onde ainda no fim de julho a ameaça da invasão islâmica parecia remota e, em todo caso, sob controle, agora vigora a incerteza.
Grandes fatias de território são tomados e perdidos em operações com duração de poucas horas. "Estamos plenamente conscientes do fato de que, apesar da intervenção militar norte-americana, as forças do Califado ainda poderiam atacar e pôr em dúvida a própria existência das áreas autônomas curdas", admite Fuad Hussein, chefe de gabinete do presidente da província autônoma do Curdistão iraquiano, Massoud Barzani.
"Por isso, agradecemos aos Estados Unidos pelo prolongamento das suas blitzes e pedimos que a comunidade internacional nos forneça qualquer apoio militar possível", acrescenta.
Na origem da aparente confusão entre os curdos e os seus pedidos de ajuda está o total efeito-surpresa causado pela ofensiva lançada pelas brigadas islâmicas no início de agosto. É como se o velho mito dos indomáveis guerrilheiros curdos sempre alerta nas montanhas estivesse um pouco oxidado.
Os jovens são menos propensos ao sacrifício. O bem-estar dos últimos anos os distrai. E os heróis das guerras contra Saddam Hussein estão aposentados. No entanto, muitos deles respondem à mobilização, mesmo com bigodes grisalhos e a "barriguinha". "Sinceramente, eu não esperava que os radicais sunitas pudessem atacar tão rapidamente. Eles haviam tentado isso em junho, e nós os havíamos derrotado. Depois, eles concentraram os seus esforços para a conquista de Bagdá. Mesmo agora custamos a entender a sua lógica. Em poucas horas, eles desviaram homens e meios do seu objetivo principal para lançá-los em direção ao norte", diz o general Helgurd Hikmet Mela Ali, responsável pela comunicação dos peshmerga.
A explicação mais adequada, no entanto, vem do exame dos arsenais de tanques, veículos blindados, artilharia, metralhadoras e munições de todos os calibres capturados pelas brigadas islâmicas do exército regular iraquiano durante a sua tomada de Mosul e a impressionante série de vitórias no centro-norte do país no início de junho.
Então, nada menos do que seis divisões regulares iraquianas armadas e equipadas de todos os pontos levantaram as mãos e se lançaram à fuga praticamente sem combater. "A partir daquele momento, as ainda desorganizadas e mal armadas milícias islâmicas sofreram uma transformação radical. De talvez 30 mil guerrilheiros mais ou menos improvisados, tornaram-se um verdadeiro exército de mais de 100 mil soldados dotados de armas e meios muito mais sofisticados do que os nossos. Nós ainda usamos as armas tomadas do exército de Saddam Hussein, derrotado pelos norte-americanos em 2003. Eles possuem o melhor da tecnologia bélica made in USA. Sabemos que, em duas grandes bases em Mosul e uma ainda mais extensa em Beiji, estavam estocadas centenas de jipes blindados do último modelo, baterias de 150 milímetros capazes de atirar a mais de 30 quilômetros de distância, além de imensos depósitos de munições de todos os calibres e tipos. Agora, o Califado é um Estado, uma entidade territorial organizada que controla uma armada superequipada e com ótimos soldados treinados nos campos de batalha, especialmente os da Síria dos últimos três anos", explica ainda Hussein.
Não é de se admirar que os primeiros ataques dos EUA atingiram algumas baterias de canhões que estavam prestes a atirar contra Erbil e o seu aeroporto internacional. Circulam rumores de que os islâmicos também possuem mísseis terra-ar, mas não há confirmações.
"Os nossos peshmerga logo se deram conta de que as suas bazucas antitanques eram impotentes diante das blindagens dos meios nas mãos do inimigo. Na planície de Nínive, ao redor dos vilarejos cristãos, a única escolha possível era a retirada."
O mesmo aconteceu com as unidades atestadas em torno da barragem que forma o gigantesco reservatório hídrico de Mosul. Os comandos curdos não acreditam agora que os líderes do Califado pretendam destruí-la.
"Se o fizessem, toda a cidade de Mosul e parte da de Kirkuk, junto com diversos poços de petróleo, desapareceriam debaixo de 11 metros de água. Mas quem pagaria o preço seria também o Califado, já que, justamente em Mosul, está localizado o seu quartel-general. Eles usam a barragem para nos chantagear: se tivéssemos que tentar retomá-la e eles se sentissem ameaçados, então sim poderiam destruí-la", diz Hikmet.
Um cenário diferente, ao invés, é apresentado pela região de montanha de Sinjar, nas regiões ocidentais na fronteira com a Síria, onde ainda agora estão presos milhares de yazidi.
"Essa região é complicada. Ao seu redor, vivem tribos árabes sunitas, que passaram para as fileiras do Califado, especialmente depois da sua captura da cidade de Tel Afar. Isso torna muito difíceis os movimentos dos peshmerga. As colunas islâmicas tomaram os vilarejos um por um, causando a fuga em massa das populações. Os nossos soldados acorreram para salvar as suas famílias e se uniram ao êxodo dos refugiados", lembra Hussein.
A presença maciça de voluntários locais deu uma importante vantagem para os islâmicos: o conhecimento do terreno. Os comandantes curdos olham preocupados para a mistura entre jihadistas fanáticos que chegaram do exterior (falam de tchetchenos, líbios, afegãos, chineses, mas também de holandeses, franceses, ingleses) e grupos guerrilheiros sunitas locais.
Para combatê-los, pedem tanques, modernas armas antitanques, aviões, helicópteros, munições. Hussein conclui: "Nós não podemos fazer isso sozinhos. Vocês, europeus, têm que entender que a nossa batalha é a batalha de vocês. Depois de Erbil, o Califado mirará em Roma, Londres, Paris".
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Com os peshmerga na linha de frente do Oriente Médio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU