15 Agosto 2014
No fim de maio, a bióloga Concetta Castilletti abraçou os dois filhos adolescentes, cumprimentou os colegas do hospital romano Spallanzani e partir para ir ao encontro do ebola. Dois aviões de linha e um Piper instável a levaram até Guéckédougou, na Guiné, o primeiro e mais letal foco da epidemia, o coração das trevas: naquele dia, já havia 241 mortos contabilizados.
A reportagem é de Michele Concina, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 11-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Guéckédougou é uma cidade muito pobre, cercada pelas florestas, a um passo da fronteira com a Libéria e Serra Leoa. Foi a sua posição que fez dela o terreno de cultivo e de difusão ideal para todo tipo de bacilo e vírus. As guerras civis nos dois países adjacentes, além de deixar ao menos 500 mil mortos, puseram em fuga 2,5 milhões de refugiados.
Um rio incontrolável de humanidade maltrapilha que passa, repassa e muitas vezes para naquela expansão de barracos sem eletricidade, sem água corrente, sem esgotos. Em menos de 20 anos, a população triplicou, superando os 220 mil habitantes. E Guéckédougou tornou-se um dos lugares mais nocivos do mundo; antes do ebola, o lugar já estava na lista negra por causa da tuberculose.
Lá foi enviado com urgência, com a eclosão da epidemia, um dos três EML, os laboratórios móveis europeus desenvolvidos pelos maiores hospitais da União especializados em doenças infecciosas. Acompanhado por uma equipe composta por franceses, alemães, britânicos e italianos.
Dos cinco convocados no Spallanzani, ninguém disse "não" aos turnos solicitados, um mês cada um. "Chegamos e nos estabelecemos em um lugar chamado de hotel. Muito básico, digamos: água quase nunca, luz apenas algumas horas à noite, graças a um gerador".
Não se tratou de uma surpresa: em Mônaco, os especialistas europeus haviam sido treinados em um quartel abandonado, sem portas, sem janelas, sem banheiros. Coisa de tropas especiais. Em Guéckédougou, a tarefa do laboratório europeu é verificar, examinando as amostras, os diagnósticos de pacientes internados no hospital de campanha montado pelos Médicos Sem Fronteiras.
No coração da emergência
"Medo? Não, nunca. Quem se assustou um pouco foram alguns colegas dos turnos anteriores, que tiveram disenteria. É uma doença muito comum dos ocidentais na África, mas também é um dos sintomas do ebola." Para Castilletti, no entanto, ficaram no coração os rostos dos pacientes, que, assim que melhoravam, se assomavam para agradecer: "O mais gratificante de toda a missão".
No entanto, boa parte da população continua desconfiada, se não hostil, aos tratamentos dos ocidentais. Esconde os pacientes para ajudá-los com métodos ancestrais e mais ainda os cadáveres, para os quais a tradição prescreve uma quantidade de lavagens e manipulações. Isso significa que o ebola afeta desproporcionalmente as mulheres, às quais cabe acudir os vivos e os mortos. Isso também significa que as suas vítimas são, na realidade, muito mais numerosas: "Se não houver um diagnóstico, as pessoas morrem e não sabem por quê".
No fim de junho, uma massacrante viagem de 14 horas levou os técnicos europeus a Conakry e de lá para a casa. Castilletti teria preferido ficar: "Em Guéckédougou, eu me sentia útil, via com os meus olhos que as pessoas precisavam do nosso trabalho". Diante de uma epidemia em "aceleração aparentemente incontrolável".
A Organização Mundial da Saúde divulga a cada três dias um boletim com os últimos números. Uma leitura que nos deixa sem fôlego. Entre os dias 2 e 4 de agosto, por exemplo, nos quatro países em questão (Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria) foram confirmados 45 mortes e 108 novos casos; perfazendo um total de 1.711 pacientes diagnosticados, dos quais 932 já morreram. E quando estas linhas estiverem nas bancas, os números já estarão abundantemente superados.
Em poucos meses, a epidemia atual superou quatro vezes, em termos de vítimas e de contagiados, a mais grave das anteriores, aquela que, entre 2000 e 2001, teve como epicentro a Uganda. No entanto, o mundo, distraído por outros massacres, concedeu um pouco de atenção ao ebola só quando contagiou ocidentais, um médico e um higienista norte-americanos e um missionário espanhol.
Todos os três trabalhavam na Libéria, onde o vírus, enquanto isso, tinha matado nada menos do que 18 pessoas entre médicos e enfermeiros. O governo dos EUA se apressou para anunciar o envio à África, nos frontes do ebola, de outros 50 especialistas. Até agora, haviam concedido apenas 12.
Na realidade, o ebola é uma doença dos pobres, um mal da ignorância e da sujeira. Não há vacinas nem tratamentos, é verdade. Mas o vírus, embora letal, não é particularmente agressivo; não circula no ar pronto para matar quem passa. Para ser infectado, é preciso um contato físico não casual com um doente ou com os seus fluidos corporais. Para prevenir a infecção é suficiente a observância de normas de higiene básicas e um mínimo de conhecimento sobre os mecanismos de contágio. Por isso, os epidemiologistas não incluem o ebola na lista das catástrofes que podem chegar à Itália ou ao continente europeu.
"A palavra nunca é pronunciável, naturalmente. Mas as probabilidades de que a epidemia se estenda para a Europa são extremamente remotas, quase inexistentes", explica Giuseppe Ippolito. Ele é o diretor científico do Spallanzani, que é o Instituto Nacional de Doenças Infecciosas, o observatório mais avançado à disposição do país. Se a Itália tivesse que se envolver em uma guerra bacteriológica, seria o hospital umbertino, não muito longe do Trastevere, que serviria como quartel general.
Ippolito descarta completamente que o ebola desembarque em Lampedusa por meio dos refugiados. "Nenhum doente poderia sobreviver a uma viagem desse tipo." Porém, a guerra contra o vírus, como qualquer outra, tem os seus pequenos aproveitadores, os seus mercadores ilegais. Matteo Salvini, secretário da Liga, tuitou assim a notícia do repatriamento do missionário: "Doente de ebola chega à Espanha, é o primeiro caso na Europa. Por que Renzi e Alfano continuam com o suicídio do Mare Nostrum?".
Problema de pobres
Especulações políticas à parte, o ebola continuará sendo um problema africano, uma das pragas de um continente em que os gastos com saúde pública, em quase toda a parte, estão abaixo dos 100 dólares por ano por habitante, em comparação com os 8.000 dos Estados Unidos. De um lugar em que, dizem os voluntários do Médicos Sem Fronteiras, se você convencer um doente a se tratar, você quase já ganhou a batalha.
Mas é preciso não se equivocar, no entanto. O ebola não é uma doença que os africanos vão procurar, talvez porque, na ausência de outra coisa, continuam caçando e comendo morcegos-das-frutas, o maior incubador animal do vírus. O ebola é uma "doença negligenciada": uma daquelas nas quais as empresas farmacêuticas não investem, porque há pouco ou nada a ganhar.
No ranking mundial de investimentos do setor, as pesquisas sobre o ebola são muito, muito menos do que as sobre a calvície.
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Bióloga: ''Queridos filhos, adeus, vou curar o ebola'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU