13 Agosto 2014
A preocupação com o destino da comunidade cristã no Iraque, ameaçada pelo avanço do Isis, levou o Vaticano a promover uma virada política.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no jornal Pagina 99, 11-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"É necessária uma ação militar neste momento." São palavras inequívocas pronunciadas por Dom Silvano Maria Tomasi, observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas, em Genebra, sobre a crise iraquiana. "É evidente – disse ainda o diplomata do papa, especificando a linha do Vaticano – que há a urgência de defender também fisicamente os cristãos no norte do Iraque, fornecendo ajuda humanitária, água, alimentos, porque as crianças estão morrendo, os idosos estão morrendo por falta de ajudas alimentares. É preciso intervir agora, antes que seja tarde demais."
Portanto, se a guerra continua sendo "um inútil massacre", como repetiu o papa durante o Ângelus do dia 27 de julho passado, nesse cenário, existe agora uma exceção importante: do Vaticano veio a luz verde para a intervenção militar norte-americana.
Naquele dia, o papa se referia, na sua clara rejeição de toda forma de conflito armado, "a três áreas de crise: a do Oriente Médio, o do Iraque e a da Ucrânia". "Tudo se perde com a guerra, nada se perde com a paz", reafirmou o Papa Francisco. Mas a fuga dos cristãos da planície de Nínive, no Iraque, as notícias de agressões e de massacres contra a minoria Yazidi levaram o Vaticano a uma virada política extremamente pesada e cheia de consequências: trata-se do retorno à doutrina da intervenção humanitária ou da guerra justa, da ação de polícia internacional para salvar civis inocentes promovida por João Paulo II diante das crises humanitárias na Somália e na Bósnia, e depois, de fato, abandonada ou posta de lado pela Igreja de Roma.
As palavras de Dom Tomasi representam a inversão ideológica de uma posição que Bergoglio também tinha tomado: a da total rejeição da guerra como instrumento a se recorrer em circunstâncias particularmente dramáticas no contexto internacional. Só em setembro passado, Francisco lançou um dia de jejum contra a hipótese de uma intervenção norte-americana na Síria depois da divulgação de notícias sobre o uso de armas químicas pelo regime de Assad contra os rebeldes.
Na época, a comunidade internacional não estava compacta sobre a questão, e o próprio Obama pareceu muito relutante desde o início. É possível que nesta circunstância, ao contrário, seja aprovada uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para garantir algum tipo de cobertura moral à operação, mas a verdade é que, para a Santa Sé, o Oriente Médio está se transformando em um cenário que corre o risco de se transformar em um atoleiro.
O pacifismo do Papa Francisco talvez também seja alimentado por uma certa desconfiança "sul-americana" em relação às ações militares promovidas pela Casa Branca no mundo; no entanto, a ferida infligida na presença cristã no Iraque pelo Isis, a milícia fundamentalista que está desarticulando o sistema dos Estados Árabes, levou o Vaticano a fazer uma escolha.
Não se deve esquecer, nesse contexto, que o patriarca de Bagdá, Louis Sako, homem que acredita no diálogo e na convivência entre as diversas religiões, falou de um risco de "genocídio". A Santa Sé, por isso, deu a sua aval aos ataques com base em uma ameaça específica, a contra os cristãos. Assim, diante de graves violações, decidiu correr um risco, ou seja, estabelecer uma espécie de hierarquia étnica ou religiosa entre as vítimas que precisam de ajuda nos conflitos do Oriente Médio.
No entanto, quem falou de intervenção militar oportuna também foi o núncio em Bagdá, Dom Giorgio Lingua, personalidade que nunca olhou para a crise no Oriente Médio desses anos com os olhos de qualquer ideologismo cristão. O núncio, no entanto, também levantou outras duas questões: a primeira se relaciona à origem das armas desses "grupos considerados terroristas". "Não são produtores de armas – disse –, portanto, de algum lugar elas devem chegar. Acredito que, acima de tudo, é um fracasso da inteligência – esse é o ponto principal. É preciso parar ou controlar melhor esse aspecto, caso contrário nunca se acabará".
A outra questão é a da urgência de dar início no Iraque a "um governo inclusivo", porque "a democracia não é a ditadura da maioria, mas deve também levar em conta as minorias". A referência, transparente, é ao atual primeiro-ministro, Al Maliki, expressão do componente xiita do Iraque, apoiado por Teerã, que excluiu os sunitas do governo do país.
Também é significativo o pensamento de outro diplomata vaticano, o representante do papa em Damasco, na Síria – onde o Isis fez a sua aparição no conflito em curso –, Dom Mario Zenari. Este coloca com precisão temporal o aparecimento dos promotores do Califado em cena: "Como eu lembrei outras vezes – disse ele recentemente –, durante o primeiro ano dessa revolta (na Síria), não se viam problemas particulares. Os problemas chegaram no ano seguinte e o terceiro ano, com a vinda de elementos extremistas ultrarradicais de fora". Zenari afirmou que os defensores do Estado Islâmico não estão apenas perseguindo os cristãos, mas também explodindo "algumas mesquitas".
Francisco decidiu agora enviar um representante seu a Bagdá, o cardeal Fernando Filoni – núncio apostólico na capital iraquiana nos tempos da Guerra do Golfo – e está tentando lançar uma nova iniciativa diplomática para setembro próximo. A realidade dos fatos está escanteando a posição do "não" à guerra para forçar a Igreja a assumir uma leitura mais concreta e talvez menos profética e mais institucional da crise que está se desenvolvendo no Oriente Médio.
Por outro lado, depois da queda do Muro de Berlim, a definição de guerra como instrumento "contrário à razão" (João XXIII) e o "jamais plus la guerre" de Paulo VI também parecem mostrar os seus limites no caos da nova desordem mundial. Foi João Paulo II que colocou a questão em termos novos diante dos massacres a que os bórnios eram submetidos (em grande parte muçulmanos) no conflito dos Bálcãs do início dos anos 1990 (a intervenção humanitária); a doutrina do uso da força segundo o direito internacional foi depois inserida na mensagem para a paz de 1º de janeiro de 2000. O Papa Francisco ainda não proferiu pessoalmente palavras tão explícitas, mas fez com que fossem ditas pelos seus mais altos representantes.
No domingo, no entanto, ele chegou muito perto disso, quando, no Angelus, pediu que se encontre uma solução política e diplomática para a crise para "parar esses crimes e restabelecer o direito".
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Iraque, o Vaticano volta à guerra humanitária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU