Por: Caroline | 07 Agosto 2014
Beinusz Szmukler (foto) esteve em Gaza há quase três anos, sua viagem era parte da missão da Associação Internacional de Juristas Democratas, diz que é como se a visita tivesse sido feita agora. Por quê? “Porque nada mudou”, disse. Integrou a missão da Associação Internacional dos Juristas Democratas (AIJD), uma ONG de Nações Unidas com status consultivo que, em outubro de 2001, concluiu que “o Estado de Israel viola os direitos humanos e civis do povo palestino e o direito humanitário, em transgressão aos parâmetros internacionais nessa questão e em sua condição de membro da ONU”. Sua voz é uma voz crítica e, principalmente, comprometida e dolorida por sua condição de judeu que, como ele mesmo afirma, reconhece-se em uma história e uma cultura que não é a das bombas.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 04-08-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/maE1lZ |
Eis a entrevista.
Porque acredita que nada mudou desde sua viagem em 2001 até os dias de hoje?
Conceitualmente, nada mudou. O problema se agrava pela mesma linha. Com isto o que quero dizer é que há uma linha coerente em toda essa ordem. Eu lhe diria que é tornar a vida dos palestinos impossível, para retira-los de Israel, algo que é muito complicado porque há cerca de um milhão de árabes vivendo dentro das fronteiras do país. Contra eles há uma discriminação permanente, dificuldades de todo tipo na vida cotidiana. E com aqueles que vivem nesses territórios lhes são controlados a água, a luz, a possibilidade de ter trabalho, a circulação, a relação entre as pessoas que vivem em Gaza e na Cisjordânia, porque não há fronteira comum.
Poderia nos dizer alguns exemplos?
Rapidamente fecham uma de suas ruas e não têm como sair de suas casas. Viver em Gaza e na Cisjordânia é viver em um território ocupado por uma força militar estrangeira. Em uma viagem que fizemos para a Cisjordânia e que deveria ser de 15 minutos, demoramos uma hora porque nos pararam em cinco check points. Estivemos com uma família palestina que, no terraço da casa, tinha instalado alguns colonos israelenses.
As normas jurídicas com as quais os palestino são controlados diariamente, também não foram modificadas?
Não que eu saiba. Inclusive a Corte Suprema israelense havia admitido a tortura com o argumento de que se tratava de evitar atos de terrorismo que podiam significar a perda de vidas humanas. Isto é uma coisa quase exótica. A tortura existe em uma infinidade de países, mas um tribunal de justiça que diga: “ah, não, neste caso pode ser aplicado”, não conheço.
Ao compararmos o relatório de 2001 com um que fosse realizado hoje, o senhor acredita que os dados produzidos seriam quase os mesmos?
Para mim não mudaria nada, ao contrário, cada dia há mais elementos. Este ataque é muito superior aos anteriores. Não sei até onde a comunidade internacional continuará seguindo esta política que diz: protestamos, mas não tomamos nenhuma medida. Fomos nós que assinalamos no relatório cada uma das violações que são cometidas, isto é, as torturas; as execuções sumárias; as detenções ilegais; políticas discriminatórias próprias do apartheid. Há violações aos direitos humanos dentro dos territórios palestinos, cabendo-lhes seguramente a figura do genocídio.
Está mais próximo do que argumentou Marco Aurélio Garcia, o principal assessor em temas internacionais de Dilma Roussef, que definiu a intervenção de Israel como genocídio, do que falou a própria presidenta do Brasil, que falou em massacre?
São duas coisas diferentes. O massacre pode não implicar em uma política global de destruição de um povo. Eu diria que o mais grave é o que se faz à margem das normas e quase lhe poderia dizer que há uma anomia, não há normas.
Parece impossível por fim aos bombardeios indiscriminados sobre a Faixa de Gaza caso a comunidade internacional não decida atuar?
Há uma grande responsabilidade internacional neste tema. Eu sou judeu e a verdade é que me faz sentir muito mal que esta política possa ser identificada como sendo a dos judeus. Porque não tem nada haver com a história de nosso povo, com nossa cultura. No relatório de 2001 há uma parte histórica que relatei e a qual encerro com uma nota escrita por Juan Gelman, em que ele contava como se sentia com esta política do Estado de Israel: que, lamentavelmente, utiliza o Holocausto para aplicar políticas que podem muito bem ser assimiladas com as do nazismo. Esta é a verdade. Há uma ideia de raça superior no governo, porque para conseguir que determinadas pessoas atuem da maneira na qual estão fazendo, como os colonos, as forças armadas e os tribunais israelenses, necessita-se de um convencimento de sua atuação, para fazê-la dessa maneira.
Que papel a ONU deveria cumprir?
Para começar, as Nações Unidas deveriam mandar uma força internacional para o local e ela deveria impedir que isto continuasse. O Conselho de Segurança tem a obrigação de tomar todas as medidas para garantir a segurança e a paz internacional. Além disso, a política de governo de Israel é uma política suicida a longo prazo. Porque gera o ódio de todos os estados que a rodeiam. É como se o senhor, na casa na qual vive, estivesse brigado com todos os vizinhos, o do lado, o do outro lado e o de traz. Por mais que você se cuide, em algum momento eles irão o pegar.
O apoio que os bombardeios sobre a Faixa de Gaza têm em Israel, é consequência de um deslocamento para a direita de sua sociedade, que adota massivamente estas políticas?
Deve-se dizer que o acionar terrorista do Hamas ou de outros grupos é funcional à direita israelense, obviamente. Isso facilita a propaganda para conseguir o objetivo do governo de Netanyahu. Existe uma transformação na sociedade israelense. Houve um período em que as pessoas mais progressistas de Israel eram muito fortes, com mobilizações de dezenas de milhares de pessoas. Tudo isso se deteriorou com a propaganda e com os mísses que caíram sobre o país e que, na realidade, praticamente não causam danos.
Até onde é a responsabilidade dos Estados Unidos, como sócio político de Israel, nas ações que este empreende?
Os mexicanos têm uma frase que diz: aquele que tem o dinheiro escolhe a música. É de se supor que se os Estados Unidos dissessem: se vocês estabelecerem esta política, vamos suspender isto, isto e isto, e acredito que isso teria efeito sobre Israel. A responsabilidade dos Estados Unidos é inegável, pelo peso que têm no mundo, além de tudo.
E para você, o que os países deveriam fazer, como os latino-americanos e a Argentina em particular?
Primeiro, deve-se continuar brigando pelo cumprimento dos princípios e objetivos da ONU. Que é o que há. Mas, além disso, as nações latino-americanas, asiáticas, no mínimo deveriam retirar os embaixadores de Israel, como o Chile acabou de fazer, e considerar a ruptura de relações e a aplicação de sanções como foi praticado no passado com a África do Sul. Deveria fazer sentir o isolamento internacional. Isso não apenas teria efeito no governo israelense, como também sobre a sua sociedade.
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“A política de Israel é suicida a longo prazo”, diz o advogado Szmukler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU