Por: Jonas | 18 Julho 2014
O cotidiano duro e sem solução das grandes cidades brasileiras é uma evidência da crise de representação política que alimenta manifestações desde junho de 2013. A avaliação é do urbanista Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor da UFRJ que coordena o Observatório das Metrópoles, uma rede de 159 pesquisadores em todo o país que se dedica ao que eles chamam de “problema metropolitano”: a dificuldade de gerar infraestrutura e serviços públicos capazes de imprimir qualidade de vida ao modelo de urbanização que o Brasil escolheu.
A entrevista é de Alexandre Rodrigues, publicada pelo jornal O Globo e reproduzida pelo Observatório das Metrópoles, 17-07-2014.
Eis a entrevista.
A insatisfação dos brasileiros com os serviços públicos é um problema das cidades?
Todos os problemas sociais no Brasil de hoje têm relação direta ou indireta com a questão urbana. Além de ter mais de 80% da população vivendo nas cidades, o Brasil é um país de metrópoles. São pelo menos 15 grandes arranjos urbanos que têm um contexto muito diferente de uma grande cidade convencional. Até mesmo o funcionamento das escolas sofre impacto das condições urbanas. Apesar desse Brasil da distribuição de renda e do consumo, há uma insatisfação geral que está ligada ao cotidiano pesado das grandes cidades.
A satisfação pessoal com o emprego e o aumento da renda perdem impacto sem bem-estar coletivo?
Todos os bens duráveis que antes eram apenas da classe média chegaram às classes populares. Mas isso não produz bem-estar de fato porque se insere em condições de vida muito ruins. Mais gente tem automóvel, mas ninguém consegue se movimentar na cidade. Há mais acesso a moradia, mas o saneamento em volta é precário. Não adianta mais consumo se as pessoas correm riscos como a violência ou não são capacitadas pela educação para ter autonomia. As pessoas não moram mais em barracos de madeira nas favelas, mas vivem num meio ambiente insano pela intensidade da ocupação. Muita gente vive cercada de bens de consumo, mas pode perdê-los na enchente, no esgoto que volta para dentro de casa. Não basta ter renda sem os serviços públicos adequados ao modelo urbano de grande cidade que produzimos.
Por que o Brasil vive o chamado “problema metropolitano”?
Nosso processo de urbanização foi marcado pela explosão demográfica da migração do campo para a cidade numa velocidade maior que a da construção de um sistema de equipamentos e serviços. Mas isso valeu como explicação até o início dos anos 80. De lá para cá, as cidades tiveram crescimento moderado.
Qual é o problema hoje?
Essas metrópoles são aglomerações de vários municípios numa única realidade urbana, econômica e cultural. No entanto, as ações governamentais são fragmentadas. Falta uma política capaz de dar soluções numa escala metropolitana. Nenhum problema como transporte, saneamento, saúde ou habitação pode ser resolvido por um só município isoladamente. Não adianta o Rio, por exemplo, ter um plano de mobilidade sem considerar que há 700 mil pessoas que entram na cidade diariamente só para trabalhar. A outra causa é a herança de precariedade que demanda hoje um investimento de grande soma em pouco tempo. Mas isso encontra grande dificuldade de ser viabilizado politicamente. Ao investir de forma molecular, só adiamos o problema.
A dificuldade é orçamentária ou de ter um plano, uma estratégia?
O difícil é a estratégia, a articulação de interesses em torno do problema metropolitano. O sistema político brasileiro é muito municipalista. Interessa ao político reivindicar aquelas necessidades de uma população específica de um município, às vezes de um bairro, por causa da lógica eleitoral baseada nessa relação direta, clientelista. E o tema metropolitano é coletivo. Beneficia todo mundo sem beneficiar ninguém em particular. Há uma incompatibilidade entre a escala metropolitana dos problemas sociais e o sistema de representação política.
Por isso vemos emendas de parlamentares no orçamento federal para pontes, saneamento, ambulâncias em projetos locais isolados?
Exatamente. Apesar de muito relevante econômica e socialmente, a região metropolitana não encontra um sistema de representação que una interesses.
A solução seria um nível intermediário de poder entre o estado e a cidade, inclusive com representantes eleitos?
Essa é uma das soluções discutidas em nível internacional. Há também a fusão de municípios, linha que adotou o Canadá, ou ainda outras possibilidades de arranjos institucionais que criem essa autoridade metropolitana. Esse é um problema de todos os países. A diferença, é que todos estão tentando algo. Nós não estamos.
Qual é o papel do governo federal no bem-estar das cidades?
Acaba sendo total. Em tese, o município tem a atribuição dos serviços urbanos, mas não a autonomia financeira, política. Passa a depender da relação com outros níveis de governo. O governo estadual, que na maioria das vezes também é esvaziado de poder, acaba dependendo do governo federal, que tem capacidade financeira para os grandes investimentos. Assim, no nível federal são tomadas decisões que deveriam ser locais.
A concessão à iniciativa privada é a saída para melhorar serviços ruins?
Transformar o serviço público em negócio, especialmente num país como o nosso, não é solução. Pode trazer eficiência, mas não a democratização do serviço. Os planos de saúde são um bom exemplo. Uns funcionam e outros não. Quem não tem dinheiro para pagar mais, tem um serviço pior.
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Para professor da UFRJ,‘renda não é suficiente sem serviços públicos’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU