Por: Jonas | 15 Julho 2014
Marcelo Daniel Colombo (foto), 53 anos, advogado pela Universidade Nacional de Buenos Aires, não exerceu sua profissão porque a vocação o levou para outros rumos, mas admite que teria gostado. E algo do que estudou nessa época lhe ficou no sangue. Nota-se na precisão em que escolhe os termos exatos que correspondem ao âmbito de um tribunal. Nossa conversa se refere a um processo judicial, o que condenou à prisão perpétua dois ex-militares pelo assassinato de dom Angelelli, seu antecessor em La Rioja, província do noroeste argentino e terra natal dos presidentes Isabel Martínez de Perón e, em tempos mais recentes, Carlos Saúl Menem. Uma sentença e, presume-se, uma verdade que muitos esperavam e que demorou quase quarenta anos.
Fonte: http://goo.gl/rDd8Ur |
A entrevista é de Alver Metalli, publicada por Vatican Insider, 13-07-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Isso não significa que também houve omissão na Igreja?
Certamente, nem todos estavam de acordo com sua pastoral, muito comprometida a partir de uma Igreja comunhão, bem encarnada na realidade, com uma compreensão precisa, doída, mas esperançada, do momento histórico. A versão do “acidente” se estendeu muito e ainda hoje existem pessoas na Igreja que assim explicam a morte de dom Angelelli. Curiosa e “casual” maneira de morrer os bispos de então!
Por que os bispos?
Porque dessa mesma forma morreria, um ano depois, dom Ponce de León, bispo de San Nicolás. E, por esses anos, também dom Zaspe, arcebispo de Santa Fé, sofreria um “acidente” dessa natureza, sem morrer, mas ficando gravemente afetado fisicamente. Apesar disso, há pessoas que nunca estiveram convencidas de que tivesse sido um acidente.
Você pode dar nomes?
Os que em 1983 pediram publicamente a investigação da causa da morte de dom Angelelli. Refiro-me a quatro bispos muito reconhecidos por seu compromisso com os direitos humanos: dom De Nevares (Neuquén), Novak (Quilmes), Hesayne (Viedma) e Mendiharat (Salto, Uruguai). Eles expressaram, mas não foram os únicos, o que muitos pensavam e diziam em La Rioja, desde o primeiro momento: “Mataram Angelelli” Principalmente, se você leva em consideração que sua morte foi a última de um série de mortes ocorridas nos dias imediatos anteriores, refiro-me aos sacerdotes Carlos Murias e Gabriel Longueville e o leigo Wenceslao Pedernera.
E assim chegamos a 2006...
... Quando a Conferência Episcopal Argentina encomendou a dom Carmelo Giaquinta uma investigação sobre a morte de dom Angelelli, a qual conduziu com uma seriedade admirável. Meu predecessor em La Rioja, dom Rodríguez, apresentou-se como querelante, dando impulso à causa penal...
E você, a quem Bergoglio nomeou há um ano...
Desde que assumi esta responsabilidade pastoral, quis dar toda minha colaboração e sempre encontrei na máxima condução da Conferência Episcopal Argentina uma grande sensibilidade e interesse pela causa Angelelli. É correto, trinta e oito anos é muito tempo, mas é preferível alcançar a verdade do que esmorecê-la para sempre e não poder encontrá-la.
Quem é Angelelli para você?
Um exemplo de bispo, que compreendeu o Concílio Vaticano II e não parou nas mudanças litúrgicas, como se isso fosse a única contribuição deste Pentecostes que a Igreja contemporânea viveu. Angelelli entendeu que o Concílio deveria ser aplicado de uma maneira consequente, sobretudo animando a participação de todos na reflexão da pastoral. Era um homem que valorizava muitíssimo a religiosidade popular e via o potencial evangelizador que ela tinha. Previu com muita antecipação o que Aparecida chamaria, trinta anos depois, a conversão pastoral das estruturas da Igreja. Era um homem para quem todos, especialmente os mais pobres, os últimos, contavam, eram valiosos. Inclusive, seus detratores, porque Angelelli não guardava rancor em relação a ninguém. Queria entranhadamente aos sacerdotes e religiosas de sua diocese e gerava vida de comunidade com pequenos e grandes gestos para reuni-los, visitá-los e animá-los no caminho de uma Igreja comunhão.
Que peso teve o material que o Papa lhe enviou do Vaticano para que o Tribunal chegasse à sentença de culpabilidade de Menéndez e Estrella, emitida na sexta-feira, 4 de julho?
Ainda não conhecemos os fundamentos da sentença. Serão conhecidos no dia 12 de setembro. Porém, claramente um dos escritos expressava, sem meio termo, o estado de perseguição que a Igreja vivia em La Rioja e as ameaças de morte que Angelelli havia recebido.
O que lhe disse ou perguntou o Papa nas duas chamadas telefônicas que lhe fez? Em alguma outra oportunidade o Papa havia se interessado pelo caso Angelelli?
É sabido que o Papa conheceu dom Angelelli. Como provincial jesuíta, durante aqueles anos, visitou a diocese onde trabalhavam alguns sacerdotes de sua ordem, alguns dos quais inclusive haviam sofrido a perseguição e a prisão naqueles dias. Em 2006, por ocasião do 30º aniversário do assassinato de Angelelli, Bergoglio encabeçou as celebrações com a participação de numerosos bispos e sacerdotes. Foi eloquente sua homilia de então. Todos a recordam com emoção. Como presidente da Conferência Episcopal Argentina, decretou a criação da comissão investigadora ad hoc, presidida por dom Giaquinta.
Confirma a intenção de iniciar o processo de beatificação de dom Angelelli, em nível diocesano?
Estamos levando adiante a causa dos padres Longueville e Murias e do leigo Pedernera. Está na etapa final diocesana e logo a apresentaremos em Roma. Assim que pudermos completar alguns passos preliminares requeridos, com absoluto respeito às normas da Igreja e com todas as provas que temos, apresentaremos a solicitação de abertura da causa de dom Angelelli, testemunho exemplar de bispo, servidor abnegado de seu povo, que não vacila em dar sua vida por amor.
Todavia, restam sombras, coisas que se deve esclarecer, ou agora que aconteceu o julgamento e foi ditada a sentença tudo é de público conhecimento e tudo está claro?
Considero que a Justiça conseguiu reunir uma grande quantidade de informação. E em função disso agiu com total objetividade, em serviço da verdade. Podem restar aspectos secundários sem se elucidar, como pode acontecer em uma causa destas características. Contudo, não restam dúvidas de que esta Igreja particular viveu um período de perseguição muito forte que cobrou vidas: Enrique, Carlos, Gabriel e Wenceslao. Como costumamos dizer, não há pior cego do que aquele que não quer ver. Há pessoas, dentro e fora da Igreja, que não quer ver na vida e na morte de dom Enrique Angelelli um sinal eloquente e heróico de Deus para seu povo. Rezemos por eles.
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Processo Angelelli. E agora? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU