09 Julho 2014
"Hoje está claro que a reforma do sistema político brasileiro é condição prévia para as reformas estruturais: do Estado, Agrária e Fiscal com auditoria da dívida pública. Não está claro, contudo, como ela deve ser encaminhada. Enquanto a Plenária Nacional dos Movimentos Sociais Brasileiros organiza o plebiscito popular em favor da convocação de uma Constituinte exclusiva, a Coalizão pela Reforma Democrática e Eleições Limpas promove a coleta de assinaturas em favor do projeto de Lei de Iniciativa Popular. Essas duas iniciativas da sociedade civil são de grande valor, desde que uma não anule a outra. O problema é que a diferença entre as duas propostas está se transformando em divergência que as enfraquece. Quero defender aqui a tese de que não há contradição entre elas, pois podem se reforçar mutuamente", escreve Pedro A. Ribeiro de Oliveira, consultor de ISER/Assessoria.
Eis o artigo.
Pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra que a maioria da população (89%) é favorável à Reforma Política e que 75% a consideram “muito importante”. Mostra também que falta clareza “técnico-política”: as respostas referem-se a combate à corrupção (15%) e privilégios (26%), mais controle social e melhor escolha de representantes (27%); outras referem-se a melhores políticas de saúde, segurança, salarial, educacional, etc . Essa confusão pode ser observada até mesmo entre lideranças de movimentos sociais, que pensam que mais de 1,5 milhão de assinaturas tornam obrigatório o resultado do plebiscito popular. Diante dessa desinformação, é preciso ter claro o que busca cada proposta.
Projeto da Coalizão Democrática
O Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política, nasceu do convite da CNBB a entidades da sociedade civil que hoje chegam a quase 100. Para agregar tantas entidades, a proposta teve que limitar-se a pontos consensuais e não proíbe coligações em eleições proporcionais, como é desejo de muitos. Em compensação traz pelo menos uma inovação de grande importância: a regulamentação das doações para campanhas eleitorais. Vejamos rapidamente o conjunto de propostas desse projeto de lei :
a. Proibição do financiamento de campanha por empresa. Instauração do financiamento democrático de campanha, constituído do financiamento público e de contribuição de pessoa física limitada a R$ 700,00.
b. Adoção do sistema de “voto transparente” pela introdução de dois turnos de votação também nas eleições proporcionais (deputados e vereadores): o eleitor vota primeiramente no partido e depois escolhe um dos nomes da lista;
c. Alternância de gênero nas listas de candidatos do item anterior;
d. Regulamentação dos instrumentos da Democracia Participativa, reduzindo-se as exigências para a sua realização e facilitando-se sua tramitação no Congresso;
e. Fortalecimento e democratização dos partidos, para impor programas partidários efetivos e vinculantes;
f. Aumento da participação política de afrodescendentes e indígenas;
g. Criação de instrumentos que assegurem equilíbrio do pleito entre todos os partidos e candidatos.
Merece especial atenção a proposta de regulamentação das doações.
Na atual situação, qualquer empresa pode contribuir financeiramente para custear campanhas eleitorais. Torna-se um bom negócio para a empresa ajudar candidatos que depois de eleitos vão lhe prestar serviços dentro do governo ou defender seus interesses no Parlamento. Basta lembrar a liberação de agrotóxicos, de mineração e de remédios, a especulação urbana, a isenção fiscal ao agronegócio, o favorecimento a empreiteiras de obras públicas e a política de juros altos. Por isso se diz que empresário não faz doações, faz investimentos. Essa promiscuidade entre o interesse público e interesses privados é imoral e tende a descambar para a corrupção.
Além disso, o financiamento das campanhas por empresas eleva muito o seu custo, porque o dinheiro sai do caixa da empresa e não do bolso do empresário. A revista Carta capital de 22/03/2014 traz o exemplo da Oi. Entre seus acionistas está, além de fundos estatais como BNDESPar, Previ e Funcef, a Andrade Gutierrez (representada pela AG Telecom), umas das empreiteiras que mais faz doação de campanha. Para se ter uma ideia dos valores envolvidos, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a construtora doou para campanhas do PMDB de Eduardo Cunha (que puxou a oposição ao marco civil da internet) um total de R$ 20,6 milhões em 2010 e R$ 14,8 milhões em 2012.
Há então flagrante contradição: pessoas jurídicas, que não têm direito a voto, de fato influem muito mais no resultado das eleições do que quem, ao votar, exerce o direito de cidadania. Essa contradição foi levada ao Supremo Tribunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil sob a forma de ação direta de inconstitucionalidade. No dia 2 de abril o STF julgou a ação. Vale a pena transcrever parte do voto do ministro Marco Aurélio:
“Segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições de 2010, um deputado federal gastou, em média, R$ 1,1 milhão, um senador, R$ 4,5 milhões, e um governador, R$ 23,1 milhões. A campanha presidencial custou mais de R$ 336 milhões. Nas eleições municipais de 2012, segundo recente contabilização do Tribunal, teriam sido gastos incríveis 6 bilhões de reais. Apontou-se que os maiores financiadores são empresas que possuem contratos com órgãos públicos. O setor líder é o da construção civil, tendo contribuído com R$ 638,5 milhões, seguido da indústria de transformação, com R$ 329,8 milhões, e do comércio, com R$ 311,7 milhões.”
Embora a votação tenha sido suspensa por interferência do juiz Gilmar Mendes, o resultado já está definido: a maioria do STF (os 6 votos já proferidos) são pela inconstitucionalidade das doações de empresas. A notícia é ótima mas ainda não significa a vitória final da proposta, porque já corre no Congresso um movimento para mudar a Constituição e tornar legal aquela prática. Nesse contexto, o projeto de Lei de Iniciativa Popular torna-se ainda mais importante, porque impedirá essa tentativa de retrocesso legal.
A proposta de plebiscito popular
A proposta da Plenária Nacional dos Movimentos Sociais Brasileiros visa realizar um plebiscito popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusivamente para fazer a Reforma Política. Embora não tenha valor jurídico, por não ser reconhecido oficialmente, o plebiscito tem força moral quando recolhe um número significativo de votos. Basta lembrar o resultado positivo dos plebiscitos populares sobre a Dívida Externa e sobre a ALCA, que se converteram em força de pressão da sociedade sobre o governo. Também este poderá ser um valioso instrumento em favor da convocação de uma Assembleia Constituinte capaz de fazer a Reforma Política sem submeter-se aos interesses corporativos dos membros do Congresso Nacional .
Além disso, a mobilização para o Plebiscito Popular é uma excelente oportunidade para fazer-se o trabalho de educação política de massa, esclarecendo à população como funciona o Congresso, como se dá o processo eleitoral, para que servem os partidos políticos, e outros temas relevantes. Até a semana do 7 de setembro esse trabalho educativo deve mobilizar os Movimentos Sociais, de modo a obter um bom resultado em termos de votos.
Conclusão
As duas propostas se complementam. A primeira busca efetividade, pois projeto de lei de iniciativa popular respaldado por quase 2 milhões de assinaturas tem muito peso no Congresso. A segunda promove a conscientização política, trazendo para toda a sociedade o debate de questões que a mídia insiste em esconder ou deturpar. Se não há contradição entre elas, a hora é de unir forças e evitar qualquer desqualificação dessas propostas.
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Reforma Política: somar, não dividir! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU