07 Julho 2014
A decisão proferida segunda-feira pela Suprema Corte americana foi uma vitória para a Hobby Lobby, e uma faca de dois gumes para os bispos.
A Hobby Lobby [cadeia nacional de venda de artesanato que é propriedade de cristãos evangélicos] conseguiu o que queria. Os proprietários não mais terão de pagar pela cobertura de nos planos de saúde para os dois anticoncepcionais (DIU e Plano B) que consideram abortivos. Os bispos tiveram uma interpretação demasiado ampla da Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, porém o debate sobre a decisão do acordo concedido às organizações religiosas será difícil por parte dos bispos.
A reportagem é de Thomas Reese, publicada pela National Catholic Reporter, 03-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A decisão vale apenas em nível federal e não altera em nada as coberturas em níveis estaduais.
A maioria no tribunal julgou que “os indivíduos” com crenças religiosas protegidas pela Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, de 1993, incluem empresas “fechadas” (aquelas definidas pela Receita Federal como tendo 50% de seus estoques nas mãos de 5 pessoas ou menos.) Isso significa que se o governo federal quiser forçar tais empresas a fazer algo contrário às suas crenças religiosas, então terá uma série de obstáculos legais a superar.
A Lei de Restauração da Liberdade Religiosa (ou RFRA, na sigla em inglês) proíbe o governo de onerar, substantivamente, o exercício individual da religião, mesmo se o encargo resultar de uma regra de aplicabilidade geral, ao menos que ele (o governo) “demonstre que a aplicabilidade do encargo à pessoa: (1) esteja a favor de um interesse governamental convincente; e (2) que seja o meio menos restritivo de promover esse interesse governamental convincente”.
Alguns argumentam que a RFRA simplesmente anulou o caso conhecido como “Employment Division versus Smith”, de 1990, que tornou as coisas mais fáceis para os governos imporem encargos sobre os fiéis através de leis de aplicabilidade geral. Todavia, na decisão de segunda-feira o tribunal interpretou a lei como se estivesse concedendo proteção ainda maior aos fiéis. A juíza Ruth Bader Ginsburg, em sua alocução, considerou o caso “uma decisão de alcance surpreendente”. E esta foi uma boa notícia para os bispos.
A maioria no tribunal decidiu que a emenda sobre os anticoncepcionais era um encargo substancial para a Hobby Lobby por causa das crenças religiosas dos proprietários contra os métodos anticoncepcionais específicos. A maioria também considerou que o governo teve um interesse convincente ao disponibilizar métodos contraceptivos às mulheres.
Porém a maior parte dos juízes sustentou que a emenda não era o meio menos restritivo de promover este interesse. Apontou para o acordo feito pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos com organizações religiosas filantrópicas, que permitiu a estas optarem por ter ou não cobertura para tratamentos com anticoncepcionais enquanto, ao mesmo tempo, exige das empresas seguradoras que os forneçam independentemente. O tribunal não viu motivos para que o mesmo acordo não fosse oferecido a empresas com fins lucrativos.
É aqui onde a decisão se torna problemática para os bispos que dizem não ser bom o suficiente o acordo, a conciliação, feio pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos. As igrejas e as dioceses estão completamente isentas da emenda relacionada aos anticoncepcionais. Com algumas outras organizações religiosas sem fins lucrativos houve uma conciliação especial por meio da qual, caso se opuserem aos anticoncepcionais, não iriam precisar pagar por eles em seus programas de seguro. No entanto, suas empresas seguradoras teriam de fornecer estes serviços de alguma forma.
Os bispos perceberam que o acordo não estava certo. Em primeiro lugar, perceberam que as empresas seguradoras iriam encontrar alguma maneira para repassar o custo dos anticoncepcionais às organizações sem fins lucrativos. Em segundo lugar, perceberam que participar do processo, mesmo apenas preenchendo formulários dizendo-se que se opõem à emenda em específico, iria violar as suas consciências.
O tribunal aceitou o argumento do Departamento de Saúde e Serviços Humanos segundo o qual, visto ser mais barato para as empresas seguradoras pagar pelos serviços contraceptivos do que para os serviços de parto, não haveria custo algum para repassar às empresas.
O tribunal igualmente considerou a conciliação com as organizações sem fins lucrativos como um modelo de como respeitar a liberdade religiosa da Hobby Lobby, de uma forma menos restritiva do que a emenda. Poderá o tribunal voltar atrás e decidir a favor dos bispos, dizendo que esta solução exemplar não é boa depois de dizer que ela era maravilhosa?
Por fim, insistir que inexiste diferença entre uma organização sem fins lucrativos e uma empresa que visa lucros pode ter um efeito negativo na concessão de acordos e isenções com organizações religiosas sem fins lucrativos no futuro. Qualquer acordo, não importa o quão estreitamente escrito, pode se expandir pelos tribunais para incluir organizações com fins lucrativos.
A Hobby Lobby ganhou claramente este caso. Se, após a decisão do tribunal, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos oferecer a empresas o mesmo acordo que ofereceu a organizações religiosas sem fins lucrativos, então os empregados da Hobby Lobby irão ter, de qualquer forma, seus serviços de métodos contraceptivos, exceto que a empresa seguradora terá de pagar por eles.
Os bispos estão comemorando esta decisão como uma vitória para a liberdade religiosa, porém ela pode ser usada contra eles por tribunais inferiores para dizer que o acordo do Departamento de Saúde e Serviços Humanos é justo. Isso também pode tornar as coisas mais difíceis para eles convencerem os legisladores e reguladores a esculpirem isenções e acordos especiais para organizações religiosas no futuro, já que estas podem acabar sendo usadas por empresas com fins lucrativos.
Alguns especialistas veem esta decisão como um motivo convidativo para outros desafios judiciais com base nas objeções religiosas dos indivíduos a leis particulares; outros acreditam que a decisão esteve tão estreitamente focada que outras disputas serão difíceis. Levarão anos antes que possamos ver todas as implicações deste julgamento.
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Hobby Lobby ganha e bispos perdem em decisão da Suprema Corte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU