02 Julho 2014
Reformar a Cúria? Uma missão bastante complicada. "Não é uma coisa fácil, porque se dá um passo, mas depois surge que é preciso fazer isto ou aquilo, e, se antes havia um dicastério, depois se tornam quatro." Um pouco como um jogo de tabuleiro. Avança-se duas casas e depois se retrocede o dobro.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada no jornal Il Messaggero, 30-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Bergoglio se deu conta disso enquanto o tempo passava e ganhava corpo o projeto de fazer ajustes substanciais ao aparato administrativo e burocrático do Estado vaticano, do IOR aos Pontifícios Conselhos, segundo um mandato bem preciso recebido pelos cardeais em março de 2013, durante as congregações pré-conclave, ou seja, as longas reuniões realizadas a portas fechadas que precederam o extra omnes e a eleição na Capela Sistina.
As críticas
Por vários dias, duas vezes por dia, os eleitores tiveram a oportunidade de debater sem limites, às vezes duramente, às vezes fazendo vir à tona contrastes e divergências de pontos de vista sobre como, até então, a Cúria Romana era gerida. Centralista demais, excessivamente tendenciosa sobre Roma, incapaz de captar as necessidades periféricas, até mesmo corrupta e atravessada por venenos.
Os denunciantes eram sobretudo os estrangeiros, ainda em estado de choque com os últimos acontecimentos, a renúncia de Josef Ratzinger, a opacidade com a qual a Secretaria de Estado, que à época era presidida pelo cardeal Tarcisio Bertone, tinha governado muitos e muitos escândalos. Eventos internos nunca explicados, objetivamente gravíssimos: prevaricação, peculato, extorsão, suspeita de lavagem de dinheiro no IOR e na Apsa, um mordomo condenado e preso por furtar documentos confidenciais, um policial e um técnico de informática que acabaram mal por tê-lo ajudado, corjas de monsenhores contra outras. E o Papa Ratzinger isolado, quase prisioneiro, no Apartamento do Palácio Apostólico.
Em suma, um panorama bem pouco edificante, inexplicável para muitos dos membros do Colégio Cardinalício, especialmente estrangeiros.
O caminho
O pedido para renovar radicalmente o aparato nasceu justamente da necessidade de transparência, da necessidade de maior escuta e colaboração. Foi justamente nesse período, como lembrou Francisco, entrevistado pelo Il Messaggero, que os cardeais delinearam o caminho que o novo pontífice deveria percorrer.
O primeiro objetivo de todos: rever o mecanismo da Secretaria de Estado, que, de órgão complementar, de apoio ao pontífice, ao longo dos últimos dez anos, ocupou espaços de gestão imprevistos, servindo de tampão para muitas iniciativas, debates internos, propostas periféricas.
Nas congregações gerais, a Secretaria tinha sido descrita como uma espécie de tampão. É por isso que a reforma de um escritório tão importante como esse não podia ser vista como um ponto isolado, mas considerada como uma parte de um processo mais amplo, abrangendo o aparato inteiro, que, por sua vez, deveria ser posto no marco mais geral da mudança da instituição eclesiástica.
Desde o início, não faltaram propostas e ideias. Entre elas, por exemplo, a possível introdução do Moderador Curiae, uma figura nova, sugerida por diversos juristas (incluindo o cardeal Coccopalmerio) com funções de interface entre os diversos órgãos, congregações, conselhos, escritórios para agilizar as práticas, defini-las e direcioná-los aos lugares apropriados.
Uma ideia nova, em uso em algumas dioceses, que, no entanto, assim que o debate continuava, demonstrava-se ineficaz, porque daria origem a um órgão a mais. Assim, ao invés de racionalizar, aumentaria os dicastérios em número. No fim, o Moderador Curiae acabou arquivado.
O papa quis se dotar de uma espécie de conselho da coroa, o Conselho dos oito, uma estrutura finalizada a rever a constituição apostólica Pastor Bonus (que é a que regula a Cúria). O conselho é composto por líderes do clero dos cinco continentes. Bergoglio chamou para fazer parte dele o hondurenho Maradiaga, o italiano Bertello, o chileno Errazuriz Ossa, o indiano Gracias, o alemão Marx, o congolês Pasinya, o estadunidense O'Malley e o australiano Pell, apoiados pelo secretário, o bispo de Albano, Marcello Semeraro.
Eles se veem em uma base trimestral por alguns dias, depois cada um retorna. Até agora, estabeleceram como lidar com as reformas econômicas e como reforçar a prevenção da pedofilia entre os padres.
O australiano
Por sugestão do G8, o papa assinou um motu proprio para a instituição de uma "nova estrutura de coordenação para os assuntos econômicos e administrativos", um superministério vaticano da Economia, liderado pelo cardeal George Pell, 72 anos, arcebispo de Sydney. Um homem de estilo rápido e maleável, encarregado de supervisionar todas as despesas.
O novo "Conselho para a economia" é constituído por oito cardeais ou bispos e sete leigos de várias nacionalidades, com competências financeiras e profissionalismo reconhecido. Outro órgão a mais, que vai se somar aos outros.
Além de racionalização, fusões, simplificações. Encostar em um Pontifício Conselho logo desperta um vespeiro, e assim, em cada reunião, o G8 reconhece a complexidade de um sistema em que até mesmo um grão de areia corre o risco de obstruir todo o mecanismo.
Algum tempo atrás, Francisco explicou que a reforma em curso tem como objetivo "melhor servir a Igreja e a missão de Pedro". O problema é que, "entre as várias administrações, deveria se estabelecer uma nova mentalidade de serviço evangélico".
Tempestade no IOR
O exemplo é o IOR, onde explodiu a liderança para o controle do Instituto, e o assento da presidência confiada por Bertone ao alemão Freyberg oscila, com a hipótese de um aumento dos custos e outros venenos novamente prontos para atingir os adversários.
A renovação não é nada fácil. Em diversos níveis surgem resistências, ouvem-se resmungos, dores de estômago submissas. O caminho da reforma da Cúria "não será simples e requer coragem e determinação. Um desafio notável, que requer fidelidade e prudência", dissera Francisco, prometendo avançar sem medo.
Bergoglio, de fato, irá em frente. O mandato pré-conclave, além disso, foi muito claro. Veremos quem vai levar a melhor.
A morte
Um pontífice tem um "caminho definitivo". O seu fim é "no túmulo". O Papa Francisco disse isso como uma brincadeira, mas a frase é daquelas que geram discussão. Quando ele a disse na noite de sábado nos jardins vaticanos, ele se encontrava na frente da gruta de Lourdes com um grupo de jovens da diocese de Roma, em busca vocacional.
Depois de lhes falar sobre o "sentido do definitivo", obrigatório na escolha de quem quer ser padre e em antítese direta à atual e imperante "cultura do provisório", Bergoglio acrescentou: "Acredito que quem tem mais seguro o seu caminho definitivo é o papa! Porque o papa... aonde o papa vai acabar? Ali naquele túmulo, não?".
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Da Cúria ao IOR, todos os obstáculos que retardam as reformas do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU