Por: Cesar Sanson | 09 Junho 2014
A cidade sofre com recordes de congestionamento em meio à ansiedade com o começo da Copa. A greve de metroviários e dependência da cidade em relação ao carro agravam o problema.
Congestionamento na Avenida 23 de Maio, importante via paulistana, no segundo dia da paralisação dos metroviários. / Nelson Antoine (AP)
A reportagem é de Camila Moraes e publicada pelo jornal El País, 06-06-2014.
A menos de uma semana do início da Copa do Mundo, o clima no Brasil está marcado pela ansiedade de ser o hóspede do torneio de 2014. A tensão é crescente e não se deve somente ao fato de que várias seleções já se encontram no país, assim como o presidente da FIFA Joseph Blatter e outros dirigentes da instituição – que se esforçam para criar um ambiente positivo. Pelo menos para quem está em São Paulo, um fator agravante é o caos gerado na cidade pelo colapso permanente do trânsito.
A greve dos metroviários, iniciada nesta quinta-feira e que continua nesta sexta, ocupa o centro do debate sobre os recordes de congestionamento que complicam a vida dos paulistanos. São Paulo, já tão acostumada a exagerados índices de engarrafamento, alcançou hoje um novo patamar no ano: 239 quilômetros de filas registrados às 10h da manhã, segundo o controle da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Em um dia normal, costuma registrar de 75 a 105 quilômetros truncados. O congestionamento do dia é o terceiro pior registrado numa manhã desde que a CET iniciou suas medições, em 1994. O primeiro foi de 249 quilômetros, em maio de 2012, ocasião em que também houve greve do metrô.
Complicando o cenário, o dia foi de chuva na cidade, que normalmente já tem as vias mais travadas de carros às sextas-feiras.
No metrô, as três principais linhas operam parcialmente, e duas outras linhas (privadas) operam normalmente com todas as estações abertas e lotadas. Para apoiar a mobilidade dos cidadãos, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) voltou a aumentar a quantidade de trens em circulação, a São Paulo Transporte (SPTrans), que gerencia os ônibus de São Paulo, anunciou um esquema especial para aumentar a frota e criar linhas especiais, e o rodízio de automóveis foi suspenso para que as pessoas possam tirar seus carros da garagem livremente.
Vulneráveis
Enquanto isso, o cidadão sofre, já que fica claro o colapso iminente do sistema de transportes de São Paulo – com ou sem Copa do Mundo.
Muita gente foi obrigada a buscar alternativas de horário para chegar e sair do trabalho. “Saí de casa mais tarde, e as reuniões do dia, às quais costumo ir de carro, foram canceladas. Tenho flexibilidade de horário, mas muitas pessoas no escritório tiveram que pegar carona ou faltaram”, explica Eduardo Alves, executivo de negócios da Kinomaxx – onde todos foram liberados hoje às 15h, já que a empresa fica próxima ao estádio do Morumbi, onde acontece hoje o amistoso da seleção brasileira contra a Sérvia, às 16h.
Quem depende diretamente do metrô, como Rosemeire Pereira de Andrade, teve que buscar alternativas para chegar ao trabalho, ainda que elas representem no mínimo o dobro de tempo de deslocamento. “Meu marido me levou de carro a um terminal de ônibus perto de casa. De lá, peguei dois ônibus e ainda tive que caminhar um bom pedaço. Não sei o que vou fazer pra voltar pra casa”, diz a consultora de vendas que vive na zona leste da cidade e trabalha na zona sul – trajeto de uma hora e meia que faz diariamente de metrô e que hoje levou três horas.
Diante da situação, os ônibus estão circulando além do limite de sua capacidade. Normalmente, eles já suprem a necessidade de trabalhadores dos bairros mais afastados, onde as linhas do metrô paulistano não chegam. É o que comprova Marcos Juhasz, proprietário de um restaurante que fica a poucos quarteirões da estação Faria Lima do metrô. “A maioria dos meus funcionários vive em lugares onde só há ônibus. Mesmo com o transporte coletivo cheio, felizmente todo mundo veio trabalhar hoje”, esclarece.
O princípio do fim?
Para muitos, tirar o próprio carro da garagem pode ser uma solução imediata, mas, na verdade, essa atitude está no cerne do problema que acomete São Paulo.
Pesquisas constantes sobre a circulação de automóveis nas vias paulistanas revelam que, em média, 70% dos carros levam apenas uma pessoa ao seu destino final. E a frota aumenta a cada ano, graças, em parte, às reduções de impostos, como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), praticadas constantemente pelo Governo para estimular a indústria automobilística. No entanto, não há mais espaço físico para eles na cidade.
“Um dia como hoje é a prova cabal de que, sem um melhor transporte público, o carro levará São Paulo ao colapso. Cerca de 70% dos usuários da linha 1 do metrô têm carro. Quando há greve, claro que esses cidadãos, em meio a uma situação desesperadora, colocam seus carros na rua. Mas nossas vias nunca vão comportar esse contingente. Estamos no limite e não podemos nos dar ao luxo de dar mais espaço ao automóvel”, conclui o consultor Horácio Augusto Figueira, especializado em transporte de pessoas.
Uma discussão acalorada
A principal demanda dos grevistas é um reajuste salarial de 12,2%, a que o Metrô responde com uma contraproposta de 8,7%, mais benefícios de vale alimentação e vale refeição – o que, segundo a empresa, totaliza um aumento de mais de 13% na remuneração dos metroviários. O sindicato dos metroviários não aceita.
O caso está em dissídio no Tribunal Regional do Trabalho, que fará um novo julgamento neste sábado, 7 de junho, para decidir os rumos da paralisação e dos funcionários envolvidos. Em uma reunião entre os grevistas e o Governo, que terminou no final da tarde desta sexta, não se chegou a um acordo. À noite haveria uma nova assembleia do sindicato para decidir os rumos da greve.
Se o clima pesado persistir, deverá haver represálias. Desde cedo, as reações para conter a ação dos metroviários nas estações do metrô é forte. A Polícia Militar entrou em confronto com os grevistas em distintas ocasiões, usando balas de borracha e cassetetes. Na estação Ana Rosa, de manhã, foram usadas bombas de gás para retirar os manifestantes.
O governo alega uma “clara conotação política” na greve, que gira ao redor da pauta salarial. Para Geraldo Alckmin, o governador do Estado, o calendário eleitoral motivou a categoria, que replicou com a proposta de liberar as catracas e trabalhar de graça (com descontos nos pagamentos durante os dias parados) – mas o Metrô recusou, dizendo que não abrirá mão dessa receita. O Secretário Estadual dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, declarou que não descarta demissões aos que aderirem às paralisações.
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