27 Mai 2014
Estudioso da filosofia existencialista de Jean Paul Sartre e autodidata aficcionado por macroeconomia, Lawrence Pih, dono de um dos maiores moinhos de trigo do Brasil, o Pacífico, ganhou notoriedade por ter sido um dos primeiros empresários de expressão no país a apoiar publicamente o Partido dos Trabalhadores (PT), ainda na segunda metade dos anos 1980. O partido sequer havia conquistado nas urnas suas primeiras grandes prefeituras, o que aconteceu em 1988 com as vitórias de Luiza Erundina em São Paulo e Olívio Dutra em Porto Alegre, e carregava o estigma de defender causas estritamente operárias, mas Pih já dizia a quem quisesse ouvir que votaria em Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, promessa cumprida em 1989.
A reportagem é de Fabiana Batista, publicada pelo jornal Valor, 26-05-2014.
Se o engajamento do Pih político já não é mais o mesmo, fruto de uma série de desilusões, inclusive com o PT, a rotina do empresário continua a mesma. Aparentando bem menos que seus 72 anos de idade, ele ainda costuma chegar à sede do grupo Pacífico, no Jardim América, em São Paulo, às quatro e meia da manhã. Segue ativo e bem informado sobre o mundo do trigo, mas também acompanha de perto o mercado de capitais, onde investe parte de sua fortuna, que mantém em sigilo. Taxado de excêntrico no passado, em parte por causa das sete Ferraris que tinha na garagem, Pih atualmente prefere se dedicar aos 4,5 mil livros de sua biblioteca pessoal. E a figura que, após se separar da primeira esposa, circulou na "high society" paulistana e carioca nos tempos do "Dancing Days" acompanhado de atrizes como Sandra Bréia e Márcia Mayer, também ficou para trás. Há 14 anos Pih está casado com a decoradora Jussara, de 45 anos.
Na última eleição para a prefeitura de São Paulo, Pih chegou a ser cogitado como vice em uma eventual chapa encabeçada por Marta Suplicy. "Quando meu nome surgiu, informei a Marta que isso não era possível. Além de não ser filiado [ao PT], não acho apropriado um empresário ter um cargo político, pois sempre pode ser acusado de conflito de interesses", disse o empresário ao Valor. Foi mais um passo para longe da política. Na década de 1990, Pih foi vice-presidente do comitê de finanças dos empresários ligados ao PT e, nos anos 2000, fez parte do conselho político do partido, auge de sua influência entre os "companheiros".
Mas, depois de uma década de PT na Presidência da República, Pih afirma que foi excesso de otimismo de sua parte acreditar no partido como uma alternativa de mudança. "Não importa quem esteja lá, negociar com o Congresso tem um custo muito alto. Acho que eu não tinha o entendimento adequado de como funciona a política no Brasil. Houve pequenas mudanças, mas as grandes reformas não foram feitas", lamenta. Nos anos 90, quando presidiu o diretório paulista do PT, Paulo Okamotto, hoje à frente do Instituto Lula, teve algumas poucas conversas com Pih. "Ele era um cara progressista, que tinha uma afinidade com o PT e uma visão mais social. E não estava errado. A inclusão social vende mais pão". Okamotto lembra que havia naquele momento outros empresários, também progressistas, que apoiavam o partido. "Isso ajudou a mudar a imagem do PT e a trazer aos militantes - muitos do movimento sindical - uma imagem menos restrita da iniciativa privada".
Se não pode mais ser considerado um ativista, Pih também está muito longe de ter se alienado. Suas preocupações são as mesmas, e a veia crítica está mais saltada do que nunca. Para ele, nenhum dos três pilares macroeconômicos adotados pelo atual governo - superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante- estão sendo aplicados com rigor. "Apesar de ter reduzido a meta de superávit de 3,1% para 1,9% do PIB, o governo está com uma dificuldade grande de cumpri-lo. A inflação também deve superar o teto de 6,5% neste ano, mesmo com o represamento dos preços dos serviços públicos, energia e combustíveis. Soma-se a isso o fato de o câmbio ser mais administrado pelo Banco Central do que pelas forças do mercado".
Mas é na área social, principal bandeira do governo petista, que Pih faz suas mais duras críticas. De fato, reconhece o empresário, o partido foi fundamental para tirar 30 milhões de pessoas da pobreza e levar parte delas para a classe média. Mas, em sua visão, para uma classe média "modesta", já que a renda per capita mensal de R$ 292 mensais que caracteriza essa categoria equivale a apenas US$ 4,30 por dia. Ele também não acredita que o desemprego no país se limite aos 5,6% calculados pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), restrita a seis regiões metropolitanas. Para Pih, no mínimo a conta precisa ser feita a partir da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) contínua, que abrange 3.464 municípios e já aponta uma taxa de desemprego de 7%. "Se considerarmos a relação entre brasileiros com idade apta para trabalhar (161 milhões de pessoas) e a população economicamente ativa (98 milhões de pessoas), vamos encontrar uma taxa na casa dos 12%", afirma. "Em muitos casos, não compensa entrar no mercado de trabalho, pois isso significaria perder o auxílio do Bolsa Família".
Às vésperas de mais uma eleição, Pih se diz cético sobre o futuro do país, independentemente de quem assumir a presidência a partir de 2015. "A estrutura política existente não abre espaço para reformas". No caso do governo Dilma, diz ele, a grande questão não está na capacidade de gestão da atual presidente, mas na ideologia que defende um Estado grande e interventor. "Faltou uma agenda econômica coerente. Nenhum gestor conseguiria implementar com eficiência um modelo que está, em si, equivocado". O Estado, observa Pih, tem uma carga tributária de 37% que, se somada ao déficit nominal de 4% e à participação estatal no BNDES, na Petrobras e nos fundos de previdência, passa a representar de 42% a 43% do PIB.
E o tamanho do Estado segue crescendo, cenário que contrasta com um grande desperdício de recursos no país. "Se a ideologia de quem está no poder é de que o Estado tem que ser maior, é difícil você apresentar resultados. É um modelo insustentável. Ainda mais com uma política social que é bastante generosa", afirma Pih. Só é possível adotar um modelo como esse, de acordo com o empresário, se o país sabe claramente de onde virão os recursos. "Que governo não quer dar saúde, transporte, habitação, educação, infraestrutura... A questão é: de onde virão os recursos? Por isso, independentemente de quem é o gestor, será difícil esse modelo apresentar resultados eficientes". O retrato é que esse modelo afungenta investidores, e estanca o crescimento do país, na medida em que o Estado desperdiça muito dinheiro público. "A formação bruta de capital fixo é de 18% no país. A maior parte disso, 16%, é setor privado. Como é que um país cujo Estado tem 43% do PIB só consegue investir 2%? Onde estão os recursos?".
O empresário conheceu o Brasil aos oito anos de idade, quando veio com a mãe e as duas irmãs se encontrar com o pai, Pih Hao Ming. Capitalista de Xangai, Ming abandonou os negócios em seu país depois de instalado o regime comunista na China, depois da Segunda Guerra. E não eram poucos negócios. O pai de Pih era dono de indústrias têxteis, armazéns e de uma empresa de importação e exportação de produtos químicos. Seu avô paterno havia inventado a tecnologia de impermeabilização de tecidos, muito demandada para a produção das capas de chuva dos soldados na guerra. Já a família de sua mãe mantinha negócios ligados à manutenção de navios.
Mas todos os bens ficaram em Xangai. A família se mudou, inicialmente para Hong Kong, na época uma colônia inglesa. "A única coisa que me lembro é que tínhamos que nos esconder no porão para não sermos atingidos pelos bombardeios japoneses em Xangai", lembra Pih. Segundo ele, o que preservou algum capital da família na época foi a perspicácia de seu pai de desviar uma das cargas de químicos que atracaria em Xangai para Hong Kong, onde os produtos foram vendidos. Pih Hao Ming tinha amigos americanos que já haviam sugerido que ele investisse fora da China, em ações de empresas dos EUA. "Foi com esse pequeno capital que ele recomeçou".
Mas a retomada não se deu em Hong Kong. "Lá não tinha ambiente para investir. E a proximidade com o território chinês nos mantinha sob constante insegurança", afirma Pih. Por isso, seu pai traçou um roteiro para buscar um novo país para se estabelecer. Começou pelos Estados Unidos, passou pela América Central e, enfim entrou no Brasil, pelo Rio de Janeiro. "Ele não se sentiu muito confortável na cidade. O clima era muito quente e o ritmo de trabalho não era o que ele estava acostumado". Quando chegou a São Paulo, no entanto, se encantou. "Viu o paulistano indo trabalhar às 6 horas da manhã, uma grande diversidade étnica e uma população muito jovem e acolhedora". Interrompeu o roteiro, que ainda incluía Argentina, África, Indonésia e Índia, e decidiu trazer a família para São Paulo.
Quando chegou, Pih se assustou com o quão parecidos eram os paulistanos. "Todos tinham aquele bigodinho na década de 50. Eu me desesperei. Como poderia reconhecer as pessoas?", questionei meu pai. As aulas de português começaram ainda em Hong Kong, quando a família foi avisada da mudança para o Brasil. "Já sabia falar algumas poucas palavras quando cheguei aqui. Mas quando ouvi pela primeira vez um locutor de futebol no rádio, novamente caí em desalento. Jamais conseguiria aprender a falar assim".
Seu pai, logo que se instalou em São Paulo, comprou uma pequena frota de caminhões para transportar produtos agrícolas. Assim, pôde entender o que cada região produz, onde há escassez e em que lugar existe abundância. "Em pouco tempo, ele percebeu que o trigo era para o Brasil o que o arroz era para China: um produto de grande consumo na dieta do povo. Tem margem modesta, mas é um negócio seguro". Assim, em 1955 nasceu o moinho Pacífico, em Santos, em alusão ao oceano que banhava o país de origem da família. "A letra 'P' era também a inicial do nosso sobrenome". Apesar de o processamento de trigo ter se tornado a atividade principal do grupo, os investimentos se expandiram para o mercado de capitais e também ao ramo imobiliário. O estoque de terrenos do grupo no Estado de São Paulo é de 2 milhões de metros quadrados, o equivalente a mais de nove vezes o tamanho do novo estádio do Maracanã.
Pih não revela qual seu patrimônio e nem publica resultados de suas empresas, o que mantém a curiosidade dos concorrentes. Entre os empresários do segmento moageiro, Pih é considerado, no mínimo, polêmico. Suas posições costumam diferir das dos colegas, incômodo que se torna maior por causa das relações políticas do dono do Pacífico ou do espaço que ele costuma ter na imprensa. "Pih defende os pontos de vista dele, não os do segmento", diz um empresário do ramo. De sua parte, Pih afirma manter relações "cordiais" com outros donos de moinhos com os quais têm mais contato. "Refiro-me à Anaconda e à Correcta (Glencore). Trazemos trigo no mesmo navio. Sou amigo do Sérgio Amaral, presidente da Abitrigo", afirma.
Nos bastidores, comenta-se que a divergência entre Pih e seus pares nasceram na época em que o governo controlava, por meio de cotas, a quantidade de trigo que cada moinho processava no país. Um decreto federal, baixado do dia para a noite, limitou drasticamente a cota de trigo a qual o Pacífico tinha direito, ao mesmo tempo em que teria beneficiado largamente alguns de seus concorrentes. "De fato, durante o regime militar, em 1967, o Pacífico teve sua cota reduzida. Acredito que o decreto tenha sido arquitetado por algumas empresas do setor junto com os militares com objetivos inconfessáveis. Mas não foi contra o Pacífico especificamente, pois outras empresas também foram prejudicadas", afirma o empresário.
Depois da liberação do mercado, em 1990, no governo Collor, o Pacífico se tornou a maior unidade moageira de trigo das Américas. Num país altamente dependente de cereal importado como o Brasil, a empresa tem a vantagem de contar com um dos dois únicos berços de atracação para desembarque de trigo no porto de Santos (SP). No mesmo complexo, fica também o moinho e uma estrutura de armazenagem para 200 mil toneladas.
O grupo Pacífico já desenvolveu planos para verticalizar suas operações e produzir massas e, talvez, biscoitos. Mas há alguns anos se convenceu de que industrialização definitivamente não é o foco nacional. "Ser empresário no Brasil é vocação e sacerdócio. A indústria de transformação já foi 29% do PIB em 1995, e hoje é 14%", afirma Pih. Já na área logística, o empresário vê boas oportunidades e se prepara para participar de uma concorrência pública por mais um berço em Santos. "Estou aguardando as regras da licitação para me posicionar". Com um segundo berço, há planos para construir também outro silo, para 240 mil toneladas. Com a ampliação de sua estrutura, o Pacífico poderá, no futuro, até partir para importação e exportação de outros grãos, como soja e milho. Mas não há nada concreto nesse sentido.