17 Mai 2014
Após os três domingos que nos mostraram os retratos do Ressuscitado (2º, 3º e 4º), temos agora três domingos para as despedidas (5º, 6º e Ascensão), referindo-se todos à hora em que Jesus deixa este mundo e vai para o Pai… O Cristo dá aos discípulos as suas últimas recomendações.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 5º Domingo do Tempo de Páscoa. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Atos 6,1-7
2ª leitura: 1 Pedro 2,4-9
Evangelho: João 14,1-12
Palavras desconcertantes
Ao discurso de Jesus, após a sua última ceia, escutamos em geral cheios de boa vontade, sem que nos coloquemos muitos problemas. São, contudo, palavras muito desconcertantes. A princípio, se alguém viesse nos dizer que vê-lo equivale a ver Deus, não hesitaríamos em considerá-lo doente mental. Mas será que Jesus disse de fato isto, ou teria sido João quem o fez dizer? A questão se põe, pois os evangelistas, e João em particular, com facilidade põem na boca do Cristo palavras que expressam uma verdade que só será totalmente descoberta à luz da Ressurreição e do nascimento da Igreja. Como o que se descobriu agora já era verdadeiro no tempo em que Jesus estava aqui, só que de modo escondido, por que não fazê-lo dizer? Isso explica as diferenças entre os quatro evangelistas e põe em evidência a distância que separa a nossa concepção de história e a deles. Mas, então, por que confiar neles? Por que tomar as palavras de Jesus como se ele as houvesse dito tais como nos são contadas? Porque os primeiros cristãos, principais testemunhas da vida de Jesus, reconheceram nelas a expressão da sua fé e a revelação exata do que se deu com Jesus. Eliminaram da sua lista os livros que não concordavam com a verdade da qual somente a comunidade deixada pelo Cristo era portadora. Mas, então, por que tantas diferenças nas palavras «reconstituídas»? É que a verdade, que é o próprio Cristo, é rica de múltiplos aspectos e palavra humana alguma pode exprimi-la totalmente.
"Mostra-nos o Pai"
É, portanto, o Espírito do Pai e do Filho que nos irá introduzir na verdade total (João 14,26 e 16,12-13). Este Espírito que presidiu a obra dos evangelistas, fazendo-os captar o que havia em Jesus, também deve nos guiar na leitura destes escritos e permitir que captemos progressivamente as suas múltiplas significações. Daí vem a abundância dos diversos comentários, que irão progredir enquanto houver Igreja. O Cristo permanece para nós um mistério a se descobrir sempre. Demoremo-nos um pouco na resposta dada por Jesus à pergunta de Felipe! «Tu não me conheces, Felipe? Quem me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: "Mostra-nos o Pai"?» Por um lado, somos levados a reconhecer que Deus é imperceptível, é Todo Outro e não podemos nem nomeá-lo nem descrevê-lo. Por outro lado, somos convidados a ver no Cristo a imagem perfeita do Deus invisível (Colossenses 1,15), quer dizer, o homem completo, perfeito em humanidade. Está bem: no entanto, é preciso repetir, o Cristo não pode ser contido em nossas categorias racionais. Nem mesmo os apóstolos que conviveram com ele não o compreenderam muito bem, tendo-se enganado totalmente a respeito da sua missão até a vinda do dom do Espírito (ver Atos 1,6). Compreendamos que não temos nenhum outro documento sobre Deus senão Jesus Cristo, para quem toda a Escritura se encaminha.
O caminho para o Pai
E eis que encontramos em nosso evangelho uma espécie de contradição que vem confirmar o que dissemos mais acima. Jesus, nos versículos 9 e 10, diz que «Quem me viu, viu o Pai: Eu estou no Pai e o Pai está em mim.» E acrescenta que nem as suas palavras nem os seus atos são dele, mas do Pai que está nele. Ora, no conjunto do discurso, Jesus não para de repetir que irá deixar os seus discípulos e que vai para o Pai. Mas como pode ir para o Pai, se o Pai já está nele? A resposta pede prudência e deve permanecer aberta a ulteriores leituras. Digamos que o Filho está numa situação de violência e de contradição desde que esposou a condição do homem pecador e assumiu o mal do mundo. Por ele e nele, o próprio Deus é que se encontra, de qualquer forma, dilacerado. Mas poderia ser diferente? Sendo amor, poderia Deus deixar sozinho o homem, prisioneiro de suas fraquezas e misérias? Sendo Amor, poderia Ele, em sua liberdade, não escolher compartilhar o nosso mal? O Cristo Jesus é, de qualquer forma, Deus exilado. A Páscoa será a uma só vez o paroxismo desta «alienação» e o caminho de volta à condição divina (ler Filipenses 2,5-11). Neste retorno de Deus para si mesmo, o Cristo carrega consigo a nossa humanidade e, por isso, é bom para nós que ele vá (16,7). Torna-se o caminho para a vida, pelo qual podemos e devemos passar. Ele é a nossa Passagem.
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