Por: Caroline | 30 Abril 2014
“De todo modo, aqueles que queiram justificar a desigualdade não deveriam ignorar que a igualdade humana não é um conceito matemático, nem físico, nem biológico, mas algo antropológico, ético e jurídico. Igualdade é a condição através da qual, todos e todas, são igualmente dignos de direitos enquanto direitos humanos. É inclusive o que, mais ou menos, proclamam todos os candidatos do mundo e o que asseguram todos os presidentes que reinam em seus respectivos países. Também é o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece como norma para todo o mundo. O bom e o ruim disto é que o papel aguenta tudo”. É o que escreve o pedagogo, professor e político, Luis Ulloa Morel, nesse artigo publicado por Rebelión, 28-04-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A desigualdade é a mais infame das criações humanas. Uma dupla criação: o fator radical de tornar apenas alguns os donos e herdeiros de direitos, que vivem às custas dos demais, e de ideologias que fazem da injustiça a condição mais ou menos natural, como uma obra divina e contra a qual ninguém deveria se opor.
Abraham Lincoln disse alguma vez que todos são iguais ao nascer, mas que era a última vez que o seríamos. Nada mais certo. Com isso o venerado presidente ianque admite aquilo que Rousseau havia proclamado apaixonadamente em quase toda a sua obra: “Tudo está bem – escreveu o suíço – ao sair das mãos do autor da natureza, contudo tudo degenera no contato com o homem”. Apenas uma humilde correção: não se trata do homem, em abstrato, mas da sociedade, isto é, dos sistemas sociais concretos...
Aristóteles quis nos convencer do caráter natural da escravidão assim como da condição de livre. Há 2.400 anos dificilmente algum pensador grego poderia escapar de semelhante opinião, ou do prestigio e o peso de Aristóteles aos fatores que durante séculos fixaram a atenção em semelhante suposição. Contudo foi precisamente este peso e este prestigio, hoje reconhecido, que provam que as diversas ideologias da desigualdade não foram criadas para um simples adorno. O holocausto indígena nas Américas, vale a pena dizer, a morte e submissão incontável de dezenas de milhares de seres humanos, contou nada menos do que como um alento aos setores intelectuais que lançaram mão para a teoria aristotélica (e tomista) de outrora, como fundo argumentativo daquilo que foi por eles chamado de “legítima conquista”. Quem eram estes povos, senão aglomerações de “seres inferiores”, “idólatras”, aos que em justiça cabia apenas escravizar? (A histórica e prolongada polêmica de Juan Ginés de Sepúlveda e Bartolomeu de las Casas é bastante ilustrativa).
A ideia de igualdade espanta. Faz muita gente saltar das cadeiras, mas que, em maior ou menor tempo, todavia, sabe ir buscar exemplos contrários na sábia Natureza. É nas mãos daqueles que negam, mais especificamente nos dedos, da onde saem os exemplos, pois, olhe bem, a diferença existente entre esses cinco soldados naturais. A prova não admite ofensas: a desigualdade é ditada pela própria Natureza.
Nessa questão resta apenas um detalhe: que me digam qual, ou quais, dos cindo dedos a mãe Natureza conferiu privilégios especiais e qual deles foi nomeado como escravos ou classes inferiores.
De todo modo, aqueles que buscam justificar a desigualdade não deveriam ignorar que a igualdade humana não é um conceito matemático, nem físico, nem biológico, mas algo antropológico, ético e jurídico. Igualdade é a condição pela qual todos e todas são igualmente dignos de direitos enquanto direitos humanos. É inclusive o que, mais ou menos, proclamam todos os candidatos do mundo e asseguram todos os presidentes que reinam em seus respectivos países. Também é o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece como norma para todo o mundo.
O bom e o ruim disto é que o papel aguenta tudo. Infelizmente se fala e se escreve sobre uma igualdade – justiça social é o sobrenome mais usado – inexistente na maior parte do mundo. Porém. isso significa, por sua vez, que, há um bom tempo, o principal problema já não é mais algo teórico, ao menos como fato público, mas um propósito confessável. Os neoliberais, por exemplo, juram que o livre mercado, se não o atrapalharem, derramará oportunidades e justiça para todos. Assim estaríamos, ao menos parece, num bom momento: não tratar-se-ia de uma questão de fórmulas práticas?
Em todo caso, de fórmulas práticas... ideológicas. Novamente um problema, na verdade, modernamente falando, é aí que começam os verdadeiros problemas. Lembro-me, por exemplo, a pergunta sobre o direito de propriedade privada dos meios de produção: como encarar uma fórmula que conduz a relações igualitárias se, de antemão, assume-se este direito como critério central e “sagrado”? Algum apressado irá pensar que estou disposto a propor o socialismo como a única alternativa. No momento pergunto apenas sobre o lugar de tal direito em um mundo que se pretendia igualitário...
Semelhante sociedade não é tanto aquela que se ocupa de nos igualar, senão principalmente aquela que cria condições que evitam a desigualdade. É passar do reconhecimento verbal de que todos têm direitos por igual, para dispor de mecanismos que suprimam os privilégios de alguns e que, por sua vez, irão se colocar em vantagem, sobre e contra os demais e que, em troca, garantem as oportunidades do universo. Não trata-se da ingênua e vulgar pretensão de que todos tenhamos possibilidades idênticas, roupas, níveis culturais e crenças, estilos de diversão, e idênticas moradias e alimentos, mas que nada possa impedir, a ninguém, de ter a oportunidade efetiva de ter o necessário para uma vida digna.
A dificuldade crucial para tornar realidade semelhante estado de coisas – grosso modo aceitáveis por todo o mundo... no papel – radica na existência de pessoas, classes, “raças”, nações e poderes que se pensam ser muito mais iguais que outros. Qualquer igualdade que parta do reconhecimento que alguns são mais iguais e, sobretudo, a partir do direito de ampliar o abismo entre os mais ou menos “iguais”, como algo concreto, por exemplo, visa o direito a viver do esforço alheio.
Sejamos diretos. A ideologia da desigualdade segue, em seu fundo, a mesma que conduziu, digamos, que um Aristóteles separa-se em livre e escravos aos homens por designo da Natureza ou de algum deus, ainda que tais “designados” não sejam de privações, violências e crimes cometidos uma e outra vez, há muito ou pouco tempo. “Por detrás de toda grande fortuna há um crime”. Sobre esta tendência de Balzac, eu acrescentaria: um crime que está disposto a ser defenddido com outros crimes. Nada é mais violento que a desigualdade feita de interesses e feitos ideológicos. Perder privilégios faz perder composturas. Temo que essa falta de compostura siga gerando violência.
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Igualdade ou desigualdade, essa é a questão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU