Por: Cesar Sanson | 14 Abril 2014
Os garis que, segundo o prefeito Eduardo Paes (PMDB), fizeram um motim, entram em uma disputa pelo controle do sindicato.
Atropelada por uma jovem liderança que se forjou a partir da campanha salarial em janeiro, a diretoria do Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio e Manutenção do município do Rio de Janeiro, que engloba os garis da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb) e trabalhadores de empresas privadas, se vê ameaçada de perder o poder que mantém há mais de duas décadas.
A reportagem é de Marcelo Auler e publicada por CartaCapital, 13-04-2014.
Estes jovens empregados da Comlurb, muitos dos quais só se conheceram na campanha salarial, além de imporem ao prefeito Eduardo Paes (PMDB) uma das suas maiores derrotas políticas – após recusar negociar com o movimento que classificou de motim ele teve que ceder o aumento que recusava dar – agora estão de olho na entidade de classe.
No fim de março, o grupo composto de dez pessoas que liderou na prática a paralisação dos garis deixando a cidade repleta de lixo no carnaval carioca, foi ao sindicato em busca do seu Estatuto. Embora seja um documento que todos deveriam conhecer, ele era guardado a sete chaves. A movimentação deles tem por finalidade as eleições de abril, quando tentarão trocar a diretoria que há mais de vinte anos reveza-se nos cargos, mantendo-se no poder. Hoje, o presidente é Luciano David de Araújo e seu vice, Antônio Carlos da Silva, que antes ocuparam outros cargos.
De olho nas eleições, eles começaram a lutar por postos chaves para a mobilização das chamadas bases. Entraram na disputa pelas vagas nas Comissões Internas de Prevenções de Acidentes (CIPAs) – conquistaram pelo menos 10 das 35 existentes – e, por meio de abaixo-assinados da categoria, cobram eleições para os 35 cargos de delegados sindicais junto às gerências da empresa, hoje ocupados por indicações da diretoria do sindicato. Nos dois casos há estabilidade no emprego, o que facilita a mobilização dos trabalhadores.
Durante duas semanas, CartaCapital procurou o presidente Araújo. Além de não conseguir encontrá-lo no sindicato, não obteve retorno das ligações telefônicas. Quem falou pela entidade foi seu vice, Silva. Ele reconhece que o movimento – por ele classificado de “maluquice que deu certo” – foi vitorioso: 37% de aumento no piso salarial que dos 803 reais pulou para 1,1 mil reais. A reivindicação era de 1,2 mil reais, mas se prevalecesse o acordo assinado por Paes com o sindicato, o reajuste ficaria em 9%, com um piso de 847 reais. Além disso, o tíquete de refeição de 12 reais, que o prefeito quis passar para 16 reais, chegou aos 20 reais.
Mas, Silva aposta que a categoria continuará acreditando nas antigas lideranças, respaldando-se no que chama de importantes conquistas: “de toda a pauta negociada, apenas estes dois itens não estavam no acordo feito pelo sindicato”, afirma.
O que ele e Araújo parecem não enxergar é o sangue novo que surgiu na categoria. Prova disso foi o movimento do último Carnaval que, demonizado pelo prefeito com a ajuda de órgãos de comunicação como a Rede Globo, ganhou apoio popular. O próprio prefeito, conforme relatou um desses líderes, o gari William Rocha de Oliveira, 10 anos de Comlurb, admitiu, na presença dos atuais presidente e vice da entidade, que o “sindicato me ferrou”.
Essa nova liderança, que surpreendeu aos próprios cariocas, tem gente que talvez nem permaneça por muito tempo na empresa de limpeza urbana. São trabalhadores que sonham mais alto e estão prestes a conquistar o diploma universitário. Bruno Lima, 28 anos, solteiro, pai de uma menina, há oito anos como gari, hoje cursa o sétimo período de Serviço Social do Centro Universitário Augusto Mota e divide seu tempo em um estágio atendendo a dependentes químicos. Leonardo Mendes de Magalhães, 28 anos, trocou o Citibank em 2012 pela estabilidade nas cozinhas das escolas municipais na função de Agente de Preparo de Alimentos (APA), que no Rio são contratados pela Comlurb. Casado com uma professora do estado, sem filhos, está concluindo o curso de Ciências Contábeis. Já Wladimir Fonseca frequenta uma Faculdade de Direito.
Embora sejam bastante politizados, a quase totalidade deles foge a qualquer ligação com partidos políticos. A exceção é Célio Viana, 12 anos de Comlurb, filiado ao PR de Anthony Garotinho, pelo qual já concorreu, sem sucesso, a uma vaga de vereador na cidade. “Mas não relaciono a filiação partidária com o movimento”, diz. Os demais evitam contato com os políticos e deixaram sem resposta as mensagens de felicitações de Garotinho, enviadas para seus celulares, durante a greve.
Outro ponto em comum é não aceitarem doações financeiras e ajuda de desconhecidos. Penam fazendo “vaquinhas” entre uma categoria que ganha mal e tem pouca politização. Na paralisação, só admitiram a verba do Sindicato dos Petroleiros, gasta na compra de quentinhas e de garrafas de água, necessárias nas mobilizações realizadas nas ruas da cidade. Do Sindicato dos Trabalhadores em Universidades Federais – Sintuf, contaram com a ajuda do carro de som. De outras entidades, aceitaram apenas a impressão de panfletos e boletins distribuídos entre os colegas.
Para desespero da atual diretoria, essa nova liderança se mostra disposta a desvendar as possíveis relações esdrúxulas de alguns diretores sindicais com a empresa de limpeza urbana do município ou mesmo a prefeitura. Falam em possíveis verbas que o sindicato receberia. Mas não só isso. Viana, no fim de março, registrou queixa de ameaça, na 18ª Delegacia, contra o vice-presidente do sindicato.
A ameaça teria surgido após questioná-lo sobre o emprego do filho, há 12 anos, em um cargo de confiança – portanto, sem concurso – na Comlurb. “Isso é nepotismo da diretoria do sindicato”, denunciou. Silva, a CartaCapital, admitiu que o filho tem esse emprego, mas considera que isso não é uma tentativa da empresa em cooptá-lo: “se fosse esse o caso, eu teria a minha família toda na Comlurb. Não é por aí”, esbravejou.
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No Rio, os garis “amotinados” iniciam nova luta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU