Por: André | 11 Abril 2014
“A leitura de tudo isto é clara: um acordo deste tipo pode, sem dúvida, limitar a capacidade dos governos de regular o desenvolvimento e a expansão do fracking e, a partir de uma perspectiva mais ampla, pode socavar e condicionar as medidas dos governos para lutar contra a mudança climática e proteger a população e o meio ambiente. Além disso, estes acordos saltam e ignoram a vontade popular”. A reflexão é de Samuel Martín Sosa e Hector de Prado e publicada no sítio espanhol La Marea, 08-04-2014. A tradução é de André Langer.
Samuel Martín Sosa é responsável Internacional da Ecologistas en Acción e Hector de Prado é responsável por Clima e Energia da Amigos de la Tierra.
Eis o artigo.
Os direitos abusivos previstos para outorgar às corporações ao calor dos tratados que, atualmente, a União Europeia negocia com o continente norte-americano poderão levar a uma expansão em massa do fracking e a um ponto de não retorno no caminho para o suicídio climático e ambiental europeu.
O quadro geral da energia e do clima
Quando a Comissão Europeia anunciou, em janeiro deste ano, sua proposta climática para o ano de 2030, estava fazendo uma declaração política e enviando sinais nítidos ao Canadá e aos Estados Unidos. Com eles está negociando diversos acordos bilaterais de comércio e investimentos que buscam principalmente eliminar barreiras “não alfandegárias”: ou seja, perseguem acometer uma homologação de legislações para baixo, também em matéria ambiental, para facilitar o desembarque de investimentos agroalimentares, energéticos, etc.
Os sinais da Comissão diziam: “Calma, nós vamos estabelecer objetivos mínimos de redução do CO2 e dos renováveis e não vamos impor restrições ao fracking, para assim abrir o caminho para os vossos combustíveis fósseis não convencionais no continente europeu”. Falavam de combustíveis como as areias betuminosas do Canadá ou do gás de xisto, de grande impacto climático e ambiental. Ambos inviáveis em uma Europa com objetivos estritos de redução de emissões ou desafios autênticos de avanço rumo à mudança de modelo energético.
Mecanismo coercitivo e dissuasório
Pode um árbitro com conflitos de interesses, agindo em um tribunal internacional privado, alheio ao controle democrático de um país, ditar a política ambiental ou energética do mesmo, ou inclusive a de um continente inteiro? A Europa, com a negociação destes tratados, aproxima-se deste pesadelo.
Estes tratados preveem a incorporação de um mecanismo que permite às corporações reclamar uma indenização por danos e prejuízos nos tribunais de arbitragem dependentes de organismos como o Banco Mundial, caso considerarem que seus benefícios econômicos ou inclusive suas expectativas de lucros futuros, se virem afetados pelas leis ou políticas estabelecidas por um país.
Não é ficção política. Este mecanismo tem um protagonismo crescente nos acordos comerciais e o componente ambiental é importantíssimo. Dos 169 casos pendentes de resolução no ICSID (Centro Internacional do Banco Mundial de Resolução de Diferenças Relativas a Investimentos), 37,5% estão relacionados ao petróleo, gás ou mineração.
O caso Vattenfall é um dos mais relevantes. Esta empresa sueca exigiu por esta via 3,7 bilhões de euros alegando enormes perdas devido ao fechamento nuclear anunciado pela Alemanha após o acidente de Fukushima. Já em 2009, a empresa havia conseguido que a Alemanha reduzisse as salvaguardas ambientais que afetavam uma das suas plantas de carvão após exigir uma indenização milionária.
Abrindo as portas ao fracking na Europa...
O fracking está no ponto de mira. Vamos dar um exemplo da Cantábria. Seu governo, eleito democraticamente, decidiu proibir esta técnica em seu território para proteger a população e o meio ambiente. Uma empresa norte-americana que entendesse que esta decisão afeta os seus interesses de exploração de gás de xisto, poderia exigir uma indenização nestes painéis de arbitragem. Uma multa gigantesca exerce um efeito coercitivo indubitável para eliminar esta proibição e um efeito dissuasório inegável para qualquer governo que tivesse pensado seguir seus passos. O resultado final é um juiz de arbitragem condicionando a política ambiental de um território, pisoteando, de passagem, o direito de decidir das comunidades.
A Lone Pine Resources pretendia explorar gás em Quebec. A moratória imposta por esta província ao fracking, em 2011, ia contra esses planos. Em 2012, a empresa apresentou uma demanda milionária contra o Canadá com base no Nafta.
...e potencializando ainda mais seu desenvolvimento nos Estados Unidos
A perfuração de dezenas de milhares de novos poços a cada ano deixou nos Estados Unidos um rastro de degradação ambiental, afecções sobre a saúde e a destruição da paz social.
O fracking faz os Estados Unidos sonharem em se converterem em exportador de gás natural, e a Europa, ávida de uma energia que não produz, olha para o continente norte-americano para diversificar suas fontes de importação. O acordo com os Estados Unidos facilitaria enormemente estas importações de gás que, de outro modo, encontrariam enormes barreiras burocráticas. Isto significaria também mais fracking no país americano, para poder satisfazer a demanda europeia.
Ditadura das corporações
A leitura de tudo isto é clara: um acordo deste tipo pode, sem dúvida, limitar a capacidade dos governos de regular o desenvolvimento e a expansão do fracking e, a partir de uma perspectiva mais ampla, pode socavar e condicionar as medidas dos governos para lutar contra a mudança climática e proteger a população e o meio ambiente. Além disso, estes acordos saltam e ignoram a vontade popular, que na Europa se manifestou claramente contra esta técnica, apesar da dura repressão dos governos, como vimos estes dias no Reino Unido ou na Romênia.
Estaremos, em suma, submetendo-nos, sem que a população tenha plena consciência disso, a uma ditadura das corporações onde os governos agem de lacaios. É a perversão da democracia em estado puro.
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O acordo comercial da União Europeia com os Estados Unidos ameaça expandir o fracking - Instituto Humanitas Unisinos - IHU