Por: Cesar Sanson | 09 Abril 2014
Quatro anos depois de deixar o Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez nesta terça-feira 8 uma autocrítica do PT e das “marcas profundas” deixadas no partido após episódios marcantes do seu governo e da história recente do País. Em mais de três horas de entrevista, concedida a blogueiros em São Paulo, Lula analisou o julgamento do “mensalão”, a prisão de integrantes do partido, as manifestações de junho, as indicações para o Supremo Tribunal Federal e até as eleições.
A reportagem é da CartaCapital, 08-04-2014.
Na conversa, realizada na sede do Instituto Lula, em São Paulo, o ex-presidente comparou o caso do “mensalão” à nova crise enfrentada por sua sucessora, a presidenta Dilma Rousseff, em função da compra de uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, por parte da Petrobras. Para ele, o PT tem de “aprender a lição” com o escândalo de 2005 e “partir para cima” da oposição.
“Espero que o PT tenha aprendido a lição que significou a CPI do 'mensalão', que deixou marcas profundas no PT. Se o PT tivesse feito o debate político e não esperasse as soluções jurídicas, o resultado seria outro. A imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento. O tempo vai julgar. Às vezes, leva anos para que as coisa sejam bem apuradas”, afirmou Lula antes de lembrar o início do escândalo.
“Fico pensando como é possível que uma CPI que começou investigando 3 mil reais em uma empresa pública [Correios] comandada pelo PMDB e que investigou o PDT terminou no PT. Não houve sabedoria certamente pelas disputas internas. O PT já pagou o preço por isso e sabe que vamos pagar por muito tempo o preço. A razão pela qual nascemos era combater esses equívocos que o próprio PT comete”, admitiu.
Joaquim Barbosa e o STF
A análise do caso do "mensalão" fez o próprio ex-presidente se perguntar se voltaria atrás na indicação do ministro Joaquim Barbosa para o Supremo Tribunal Federal, já que foi Lula que escolheu o juiz para o posto, anos antes de Barbosa comandar o julgamento do escândalo. “Indiquei o Barbosa porque queria um negro no Supremo Tribunal Federal. E, de todos os currículos, o dele era o melhor. Não indiquei por causa do processo [do “mensalão”]. O comportamento dele é de inteira responsabilidade dele. (...) Se eu tivesse hoje as informações do Joaquim na época, ele seria indicado do mesmo jeito”, concluiu.
Apesar disso, criticou a conduta de ministros do Supremo sem dizer, no entanto, se estava se referindo a Barbosa ou a outros membros da Corte. “Acho que, se tem uma coisa grave, é que tem muita gente falando demais no STF. A Suprema Corte tem de se pronunciar só nos autos do processo. Alguns mentiram desconjuradamente. Felizmente caíram os crime de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro do João Paulo (Cunha, ex-deputado do PT que está preso)”, disse.
Sem citar nominalmente o ex-presidente do PT José Genoino, condenado no processo por ter assinado os contratos de empréstimos da época, Lula comparou o argumento da acusação com a situação de um pai que é culpado porque seu filho usa drogas. “A teoria do domínio do fato foi um achado extraordinário. Você é pai daquela criança que fumou maconha? Você tinha que saber. Quantos pais acham que o filho está na escola, mas está queimando um baseadinho”, disse ao sugerir que Genoino não saberia das fraudes.
Por fim, Lula defendeu o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, também condenado, e preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília. "O caso de Minas Gerias [o "mensalão" do PSDB] ninguém falou nada. Está lá. Ou seja, dois pesos, duas medidas. Os mesmos que defendiam a forca para o Zé Dirceu estão defendendo julgamento civilizado e tranquilo para os outros, que é o que deveria ser pra todos. Todas as pessoas, mesmo durante o julgamento, são inocentes até que se prove o contrário. O que está acontecendo com Zé Dirceu é um abuso muito grande. Ele deveria estar em prisão domiciliar", afirmou.
Manifestações e lei antiterrorista
Na conversa, o petista também não teve problemas em contrariar integrantes do partido que estão à frente da polêmica lei antiterrorista, que pretende inibir as manifestações por conta da Copa do Mundo. “Não tem que ficar reclamando que a sociedade se manifestou. Nós (PT) aprendemos a fazer política fazendo manifestação. O que nós precisamos é aprender a lidar com isso. Não vi nas manifestações nenhuma reivindicação absurda. Quantas vezes a Dilma deve ter carregada faixa por melhor saúde e transporte. Agora ter uma ideia de que isso é terrorismo já é impensável. Não precisamos de uma lei antiterrorismo, porque não temos terrorismo no Brasil”, defendeu.
Lula ainda admitiu que “possivelmente” o PT tem culpa no surgimento de uma parcela despolitizada e conservadora na sociedade brasileira ao analisar a existência de grupos mais à direita em manifestações de rua. “Eu fiquei pensando (sobre as passeatas de junho). Que informação política tinha na cabeça daqueles jovens? Que informação que eles têm? Não tem mais debate nas universidades. Isso é uma coisa despolitizante. Possivelmente a culpa também seja nossa. Nós não trabalhamos a politização. Não fazemos mais os debates que fazíamos. Que você tem uma parcela da sociedade mais despolitizada e conservadora? Você tem. Não está fácil. Não é no Brasil, é no mundo.”
Eleições presidenciais
Mais uma vez, o ex-presidente pediu pelo fim da “boataria” de que ele poderia ser candidato à Presidência no lugar de Dilma. “Acho que a Dilma tem todas as competências. Competência política e técnica para fazer o melhor pelo País. É a melhor pessoa para ganhar essa eleição. Eu já fiz o que tinha que fazer, já me dou por satisfeito”.
O petista, no entanto, admitiu que não entendeu “a postura” do ex-aliado Eduardo Campos (PSB-PE), que deixou a base aliada para disputar as eleições contra Dilma. Isso porque Lula admitiu que o “natural” seria o PT apoiar a candidatura de Campos em 2018. O ex-presidente disse que continua tendo uma “belíssima” relação com o ex-governador de Pernambuco, mas chamou a estratégia de “guinada à direita”.
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Lula pede para PT “ir para cima” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU