08 Abril 2014
Um papa fala todos os dias, e pode acontecer que um acontecimento imprevisível dê a cor do fogo às suas palavras: aconteceu nesse sábado com o sequestro de três missionários no Camarões, que incendiou uma frase sobre as Cruzadas dita por Francisco na segunda-feira, mas que foi divulgada nesse sábado, pouco depois da chegada da dramática notícia vinda da África.
A reportagem é de Luigi Accattoli, publicada no jornal Corriere della Sera, 06-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O apóstolo de Cristo não faz Cruzadas, dissera Bergoglio a um grupo de jovens que vieram da Bélgica: ele não vai "com a fé como uma bandeira, como as Cruzadas". Ele vai "com humildade, sem triunfalismo".
Ainda mais diretamente iluminadas pela reverberação do sequestro dos missionários foram as palavras sobre a perseguição ditas na sexta-feira durante a homilia da manhã em Santa Marta, quando falou expressamente sobre a perseguição sofrida pelos cristãos hoje em países muçulmanos.
Na segunda-feira, o contexto em que Francisco nomeou as Cruzadas – em uma conversa com cinco jovens belgas – não continha uma referência direta ao mundo muçulmano, nem às "peregrinações armadas" da Idade Média, como os historiadores chamam as primeiras expedições "Cruzadas".
Os jovens belgas perguntaram "o que fazer" para vencer o medo de "testemunhar a fé" em ambientes em que ela é combatida, e o papa respondeu: "Testemunhar com simplicidade. Porque, se você vai com a sua fé como uma bandeira, como as cruzadas, e vai fazer proselitismo, isso não vai bem. O melhor caminho é o testemunho, mas humilde: 'Eu sou assim', com humildade, sem triunfalismo. Esse é outro pecado nosso, outra atitude ruim, o triunfalismo. Jesus não foi um triunfalista, e a história também nos ensina a não sermos triunfalistas, porque os grandes triunfalistas foram derrotados. O testemunho: ele é uma chave, ele interpela. Eu o dou com humildade, sem fazer proselitismo. Oferto-o. É assim. E isso não dá medo. Você não vai para as cruzadas".
A atitude desarmada e humilde que o papa argentino vem propondo provoca objeções por parte de cristãos "militantes", que ressaltam a inevitável necessidade do conflito com ambientes adversos. É provável que essas objeções irão encontrar um impulso na involuntária concomitância entre a referência indireta de Francisco às Cruzadas e a emoção diante de um evento como a captura dos missionários, que ainda não foi reivindicada, mas que parece pôr em causa a atitude belicosa de uma parte do mundo islâmico.
Melhor aplicável ao caso dos três missionários foi o que o papa disse na sexta-feira sobre as perseguições: "Talvez haja mais mártires agora do que nos primeiros tempos". E logo viera a referência ao Islã, ou seja, aos países que aplicam a lei islâmica da forma mais radical: "Ainda hoje, em algumas partes, há a pena de morte, há a prisão por ter o Evangelho em casa, por ensinar o catecismo. Um católico desses países me dizia que eles não podem rezar juntos: é proibido! Pode-se rezar apenas sozinho e escondido. Se querem celebrar a Eucaristia, eles organizam uma festa de aniversário, fingem celebrar o aniversário, e ali fazem a Eucaristia antes da festa".
É a primeira vez que Bergoglio nomeia as Cruzadas desde que é papa, e certamente os seus críticos tradicionalistas também irão acrescentar às suas acusações o uso depreciativo daquela palavra que teve uma grande história, que durou até meados do século passado, quando ainda estava em vigor no campo católico uma unânime reivindicação da correção histórica de eventos chamados como "Cruzadas" e se fazia um uso metafórico positivo desse termo, por exemplo com a expressão "Cruzada do Rosário".
Só um papa antes de Francisco falou com atitude crítica sobre as Cruzadas: João Paulo II, que fizera isso em um dos momentos-chave do seu "mea culpa", com um Ângelus dominical, no dia 12 de fevereiro de 1995. Ele recordara o empenho com que Catarina de Sena se consumiu pela ideia da Cruzada, tinha observado que nisso ela havia sido "filha do seu tempo", e, assim, continuou: "Hoje, devemos ser gratos ao Espírito de Deus, que nos levou a entender cada vez mais claramente que o modo apropriado e, ao mesmo tempo, mais de acordo ao Evangelho para enfrentar os problemas que possam surgir nas relações entre os povos, religiões e culturas é o de um diálogo paciente, firme e igualmente respeitoso".
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O papa e as Cruzadas: ''A fé é humildade, sem triunfalismo'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU