Por: André | 07 Abril 2014
“O direito à liberdade religiosa não caiu do céu, mas tem uma longa história. Como acontece e se verifica com todos os direitos humanos, dos quais o direito à vida e o direito à liberdade religiosa são os primeiros e fundamentais, não é tanto o resultado de uma dedução filosófica ou teológica, mas uma resposta concreta a uma história de incontáveis sofrimentos e, muitas vezes, também de vítimas”.
A afirmação é do cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, na entrevista que concedeu ao Vatican Insider, por ocasião da apresentação, em Turim, do livro do padre Fabrizio Casazza “A liberdade religiosa e o laicismo; entre crônica, leis e Magistério”.
A entrevista é de Domenico Agasso Jr e publicada no sítio Vatican Insider, 04-04-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Como descreve a relação entre a religião cristã e os direitos humanos?
Cada religião, pois pretende ser verdadeira em um nível universal, considera com muito ceticismo a conversão às demais religiões. O cristianismo teve que percorrer um caminho bastante longo, tortuoso, antes de chegar a formular as declarações Dignitatis Humanae e Nostra Aetate. Com elas, a Igreja católica encontrou um modelo próprio para fundar os direitos humanos e apropriar-se deles não intrinsecamente ou como uma ratificação (como fizeram os Estados seculares), mas baseando-se na natureza humana, no direito natural e aprofundando o “intelectus fidei” à luz da sua história: “a verdade só se obtém pela própria verdade” (DH 7).
O livro de Casazza fala de liberdade religiosa e laicismo... Como definiria o laicismo?
Uso algumas palavras do livro: é, sobretudo, “dar a César o que é de César”, sem descuidar o que “é de Deus”; é distinguir o que é objeto de fé e o que é objeto de razão; é uma visão positiva da razão e da religião, fundada em uma adequada autonomia entre a ordem temporal e a ordem espiritual, que favoreça uma saudável colaboração e um senso de responsabilidade compartilhada.
E a liberdade religiosa?
Viveu um desenvolvimento histórico até chegar à consciência da plena igualdade dos cidadãos diante da lei, e do fato de que as religiões lícitas são todas “igualmente” livres diante do Estado, e isto não implica que sejam todas “iguais” entre si.
Como se protege a liberdade religiosa?
Com um saudável realismo, sem fechar os olhos diante dos fatos desagradáveis; tampouco se deve vincular a própria tolerância com a que pratica o outro, buscando sempre “uma justiça superior”, não hipócrita, mediante a pedagogia da caridade para não deixar o outro sozinho em seu erro ou em sua intolerância. O convite a um diálogo franco e sereno entre as religiões, a ampliação da razão, a compreensão histórica para chegar ao hoje, a adequada relação entre o público e o privado, são os instrumentos para proteger e arraigar o fundamento do direito à liberdade religiosa exigido por um “saudável laicismo” impulsionado pela Igreja e muitos Estados, a favor do desenvolvimento integral da pessoa humana.
Que lhe parecem as polêmicas que, muitas vezes, são provocadas pelas aulas de religião nas escolas, pela representação do presépio e pela presença do crucifixo nas escolas públicas? Como o Estado deveria se comportar?
Em relação ao ensino religioso, sempre houve um equívoco, porque na realidade não deve ser entendido como catequese, mas como cultura religiosa. Na escola fala-se de muitas coisas que devem ser conhecidas, porque fazem parte de uma cultura geral, e isto também vale para a religião. Mas deve ser dado por quem conhece a matéria. Por essa razão, às vezes é dado por sacerdotes que a estudaram, além de leigos. Sobre o crucifixo e o presépio pensa-se: a Igreja e os estudantes têm o direito de expor este sinal? E então, o Estado deve abster-se de impedi-lo? Na minha opinião, o Estado deveria reconhecer este direito das pessoas a quem o próprio Estado deveria garantir este direito. Caso for demonstrado que ver o crucifixo provoca, por exemplo, danos à saúde ou a lesão de algum outro direito objetivo (o que deve ser demonstrado), o Estado deve intervir proibindo a exposição do crucifixo. Caso contrário, não se compreende porque o Estado deveria proibir o direito à manifestação da própria religiosidade. Do contrário, prejudicaria a liberdade religiosa, se cairia do direito à liberdade religiosa ao direito de ser livre de qualquer forma de religiosidade, mas este direito não tem fundamento. Seja como for, com estas polêmicas em alguns casos se chega ao absurdo. Então, como provocação, digo o seguinte: não se pode ostentar símbolos religiosos, mas há Igrejas. Na França, deveriam cobrir a catedral de Paris de Notre Dame para impedir que as pessoas possam vê-la: se se proíbe a ostentação de um símbolo religioso, também deveria ser proibido ver as estruturas religiosas. Ou o Estado teria que impedir a entrada no Museu do Louvre, porque se encontram obras religiosas.
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“Com o Papa a Igreja não cai nos erros do passado”. Entrevista com Coccopalmerio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU