02 Abril 2014
Os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica acataram pedido da Comissão Nacional da Verdade pela abertura de investigação sobre a utilização de sete instalações militares como centros de tortura. A decisão foi recebida no Palácio do Planalto e no Ministério da Defesa como "sinal positivo" para a abertura de um processo que deve levar, ao final, a um pedido formal de desculpas das Forças Armadas sobre sua parcela de responsabilidade no golpe de 1964.
A reportagem é de Raymundo Costa e Guilherme Serodio, publicada pelo jornal Valor, 02-04-2014.
O Ministério da Defesa trata do assunto com cautela, mas o Valor apurou ser esse o fio da meada das negociações em curso entre governo e militares desde antes o aniversário do golpe de 31 de março de 1964. A articulação foi um sucesso: ao contrário do que aconteceu em outras ocasiões, os militares da ativa evitaram comemorações, atendendo a uma determinação da presidente Dilma Rousseff, e a reserva também realizou atos comedidos - houve a celebração de uma missa em Brasília convocada pelo grupo militar da reserva mais identificado com a violação dos direitos humanos.
O anúncio da investigação se deu na sequência do discurso que a presidente fez anteontem, no qual sinalizou apoio à Lei da Anistia, promulgada em 1979, ainda sob o regime militar, mas referendada pela Constituição de 1988. "Eu respeito e reverencio os que lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e essas lutadoras", disse Dilma. "Também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram a redemocratização".
Foram várias as manifestações nesse sentido, nos últimos dias. Em entrevista ao Valor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também defendeu que as Forças Armadas peçam desculpas à sociedade pelo golpe militar de 1964, até como alternativa às demandas pela derrubada da Lei da Anistia. Semana passada, em depoimento do ministro Celso Amorim (Defesa) no Senado, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) disse aos três comandantes militares que as Forças Armadas poderiam fazer um mea-culpa como o das Organizações Globo pelo apoio ao golpe. Os três permaneceram impassíveis, mas quem assistiu à cena não a descreve como constrangedora.
Segundo apurou o Valor, se tudo ocorrer sem incidentes, o roteiro traçado deve levar as Forças Armadas a reconhecer que as sete instalações foram usadas para tortura, pedir desculpas, mas ressaltar de que nada dispõe sobre o paradeiro de corpos de desaparecidos políticos. No pedido de desculpas, as Forças Armadas devem reconhecer apenas a sua "parcela de responsabilidade" no golpe de 64, pois a historiografia atual deixa claro que na realidade o golpe se tratou de um movimento civil-militar.
O otimismo contido do Ministério da Defesa deve-se ao tempo recorde que os comandos militares levaram para atender ao pedido de abertura das investigações. Amorim encaminhou requerimento da Comissão Nacional da Verdade em 18 de fevereiro. Menos de 45 dias depois, a Defesa já enviava ontem ofício ao coordenador da CNV, Pedro Dallari, registrando que Exército, Marinha e Aeronáutica instalaram sindicâncias para investigar o uso de prédios militares para violações aos direitos humanos.
No ofício enviado ao ministro Amorim em 18 de fevereiro, a CNV citou sete instalações militares que foram utilizadas para a perpetração de graves violações de direitos humanos: Destacamento de Operações de Informações do I Exército (DOI/I Ex); a 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar; Base Naval da Ilha das Flores; e Base Aérea do Galeão, todos no Rio. Além do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI/II Ex), em São Paulo; destacamento de Operações de Informações do IV Exército, em Recife (DOI/IV Ex); e o Quartel do 12º Regimento de Infantaria do Exército, em Belo Horizonte.
No ofício enviado a Amorim, a CNV pede às Forças Armadas que revelem as "condutas administrativas que, por ação ou omissão, ensejaram o desvio das finalidades" das instalações.
As sindicâncias foram determinadas pelo comandante do Exército, Enzo Martins Peri; pelo comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Juniti Saito; e pelo chefe de gabinete do comando da Marinha, vice-almirante Celso Nazareth.
Integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a advogada Rosa Cardoso elogiou a decisão, afirmando que espera que isso seja o início de um diálogo com os militares. "A gente quer saber como esses prédios públicos funcionaram como centros de tortura, como isso foi montado, qual foi a cadeia de comando que viabilizou ceder esses espaços para isso", disse Rosa. A investigação será tocada integralmente pelos militares e o resultado dos inquéritos será encaminhado à CNV.
O diretor da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque, faz uma avaliação positiva da postura de colaboração ainda que tardia dos militares. A ONG inicia hoje, no Rio, o início de uma campanha de coleta de assinaturas de uma petição que pede a revisão da Lei de Anistia e a inclusão do conceito de crimes contra a humanidade na legislação brasileira.
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Investigação é 1º passo para perdão militar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU