Por: Cesar Sanson | 14 Março 2014
O risco de haver um racionamento de energia neste ano subiu, embora continue baixo, avalia o governo. Em nota divulgada na quarta-feira, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) disse que a probabilidade de desabastecimento passou de "baixíssima", no mês passado, para "baixa".
A reportagem é de Mariana Schreiber e publicada por BBC Brasil, 13-03-2014.
Apesar de ter voltado a chover nas últimas semanas, o volume foi insuficiente para recompor adequadamente os reservatórios, que estão com cerca de 35% da sua capacidade, em média, nível similar ao do mesmo período de 2001, ano do apagão.
Segundo especialistas, um sistema elétrico mais estável no Brasil terá de ser, necessariamente, mais "sujo" do que o atual, onde predomina o uso de usinas hidrelétricas. Eles dizem que, para reduzir os riscos de desabastecimento, inevitavelmente o país terá de continuar expandindo o uso de usinas térmicas, que geram energia mais cara e poluente.
A construção e o acionamento das térmicas se acelerou nos últimos anos, numa estratégia para evitar a repetição do racionamento de 2001, que se refletiu em baixo crescimento econômico e queda da popularidade do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal, mostram que a capacidade de geração de energia por termoelétricas cresceu 68% entre 2008 e 2013, passando de 22.999 megawatt para 38.529 megawatt. No mesmo período, a capacidade instalada das hidrelétricas teve expansão de 11%, para 86.019 megawatt.
Com isso, a participação das termoelétricas na matriz elétrica brasileira subiu de 22,3% para 30,4% no período, enquanto o peso das hidrelétricas caiu de 75,3% para 68% - ainda alto quando comparado internacionalmente.
Complemento
As térmicas servem como uma fonte complementar às hidrelétricas. Elas são acionadas para garantir o abastecimento quando os reservatórios de água estão baixos.
O problema é que dois fatores estão elevando a demanda por essa energia mais suja e cara: 1) as hidrelétricas construídas nos últimos anos têm reservatórios pequenos ou são a fio d’água (sem reservatório); 2) a estiagem prolongada e o calor recorde diminuem a disponibilidade de água nas hidrelétricas ao mesmo tempo que elevam a demanda por energia, por exemplo, com uso de ar-condicionado.
Um estudo da Firjan, federação que representa a indústria do Rio de Janeiro, mostra que houve uma redução gradual da capacidade das hidrelétricas em manter o abastecimento mesmo em período de chuvas.
Em 2001, as hidrelétricas, caso estivessem com os reservatórios completamente cheios, seriam capazes de atender a demanda por energia no Brasil por 6,27 meses, mesmo sem chuvas e sem o uso de outras fontes. Já em 2012, a capacidade de regularização do sistema havia caído para 4,91 meses. Considerando o crescimento esperado para o consumo de energia e que a ampliação do parque hidrelétrico será quase todo com usinas a fio d’agua, a Firjan projeta que, em 2021, essa capacidade recuará ainda mais, para 3,35 meses.
Vale ressaltar, porém, que os reservatórios nunca estão completamente cheios. Dessa forma, a capacidade de regularização de fato existente passou de 3,99 meses, em 2001, para 3,13 meses, em 2012, e deve chegar a 2,14 meses em 2021, caso se mantenha a média dos últimos anos do nível dos reservatórios (63,8%).
Dilema ambiental
A tendência, observa a Firjan, é que as térmicas passem a ser usadas constantemente, e não apenas como fonte complementar nos períodos de seca. Devido ao custo mais alto dessa fonte de energia, a federação e representantes do setor elétrico defendem a construção de reservatórios maiores. A questão é que há grande resistência de ambientalistas e movimentos sociais contra esses empreendimentos, por causa do impacto sobre a população ribeirinha, índios e o meio ambiente.
"O governo tem desistido das hidrelétricas com reservatórios por causa das questões ambientais. É um erro, pois ficamos mais dependentes das térmicas", afirma Alexei Macorin Vivan, diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE). Usinas antigas, como Sobradinho (BA), Tucuruí (PA) e Itaipu (PR), têm reservatórios gigantescos. As grandes hidrelétricas em construção, porém, são a fio d’água – Belo Monte, ainda em obras no Pará, e Jirau e Santo Antônio, em operação ainda parcial, em Rondônia.
A Região Norte do país é a que apresenta maior potencial de construção de novas hidrelétricas. Além dos impactos ambiental e social de se construir na floresta, porém, há a limitação topográfica, pois boa parte da área é planície, observa o diretor da Coppe (UFRJ) e ex-presidente da Eletrobras, Luiz Pinguelli Rosa.
"Acima de Belo Monte, tem onde fazer reservatório. Mas o laguinho pequeno já deu essa confusão toda", afirma. Se o governo quiser construir reservatórios gigantes na floresta, "teremos invasão dos fuzileiros navais (americanos), ataque à flechada", ironiza Pinguelli Rosa.
Apesar do tom jocoso, Rosa reconhece a importância do "compromisso ambiental" na construção das hidrelétricas. Para o diretor da Coppe, a saída é investir em térmicas mais eficientes (a gás e com ciclo combinado), que poluem menos que as a carvão e a diesel.
Segundo o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, construir grandes reservatórios na Amazônia é difícil e tem impacto ambiental alto. "Temos que ter térmicas", diz. Se não fossem elas, diz, o país estaria vivendo um novo "2001". Segundo ele, a capacidade instalada de geração de energia do país cresceu a uma taxa 43% maior que o consumo entre 2000 e 2013. Ou seja, o cenário atual não deriva de falta de estrutura geradora, mas de insumo: água. Janeiro deste ano teve a pior hidrologia (chuvas) desde 1954, observa ele.
Questionado em fevereiro sobre a conveniência de se fazer uma campanha para promover a economia de energia, tentando reduzir o consumo que tem sido recorde, Tolmasquim ponderou que "estamos no meio do período de chuvas, isso (a seca atípica) pode mudar".
Dilemas do governo
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, acusa o governo de deixar de tomar medidas para estimular a economia de energia por causa do medo de que isso seja confundido com um racionamento.
"O governo deveria ter prorrogado o horário de verão até o Carnaval e precisa promover campanhas que estimulem a economia de energia. Em vez disso, continua apostando na chuva", afirma.
Outro dilema que vive o governo é como acomodar os custos bilionários do uso das térmicas. Nesta quinta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que esse aumento de custos será dividido entre Tesouro, consumidores e o próprio setor.
O governo fará um aporte extra de R$ 4 bilhões no setor, que também poderá captar mais R$ 8 bilhões em financiamento. Ao mesmo tempo, o governo indicou que haverá aumento nas tarifas - mas a medida provavelmente ficará para o ano que vem.
Se aumentar a conta de energia é uma medida impopular, ainda mais depois que o governo interveio no setor para reduzi-la no ano passado, por outro lado o governo sofre pressão para diminuir seus gastos e elevar a economia destinada ao pagamento da dívida pública.
O despacho das térmicas cresceu fortemente desde o final de 2012, quando as chuvas começaram a rarear no país. A média mensal de gigawatt/hora gerado pelas térmicas pulou de 2.165 em 2011 para 4.450 em 2012 e 7.758 no ano passado. Em 2013, o governo gastou mais de R$ 9 bilhões para cobrir o custo com as térmicas e evitar seu repasse total para a tarifa. Neste ano, os gastos devem ser ainda maiores.
Pinguelli Rosa e Pires dizem que, ainda assim, o governo poderia ter acionado mais térmicas ano passado, para preservar mais os reservatórios. De fato, as térmicas a óleo e diesel, mais caras, não ficaram ligadas durante todo 2013. Após acioná-las em outubro de 2012, o governo anunciou o desligamento da maioria delas (34 térmicas) no início de setembro de 2013, o que geraria uma economia mensal de R$ 1,4 bilhão. No fim do ano, porém, com a demora do início das chuvas, foi preciso religá-las.
Fontes menos poluentes
Os especialistas ouvidos pela BBC Brasil também destacaram a importância que a geração eólica tende a ganhar no país. Apesar de ainda ter um peso muito pequeno na matriz elétrica brasileira, de apenas 1,6%, o parque eólico do país cresceu 408% desde 2008 e hoje já tem capacidade de geração igual ao das usinas nucleares.
Essa fonte de energia tem a desvantagem de depender também de fatores climáticos, já que não é possível armazenar vento, observa Pinguelli. Por outro lado, destaca Tolmansquim, ela pode funcionar muito bem como complemento às hidrelétricas, pois o período de maior intensidade de ventos no país é exatamente entre maio e novembro, quando chove menos.
O país também tem grande potencial de geração de energia solar. O problema, por enquanto, é que essa fonte ainda é muito cara.
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Com matriz elétrica ‘mais suja’, Brasil vive dilema para conter apagões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU