14 Março 2014
Há exatamente 25 anos nesta quarta-feira (12), Tim Berners-Lee inventou a World Wide Web (www). Em uma entrevista, ele olha para trás para sua criação - suas virtudes, as ameaças que representa e como as revelações de Edward Snowden aumentaram a conscientização sobre a integridade da Internet.
Entrevista é de Marcel Rosenbach, publicada pela revista Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 13-03-2014.
Em março de 1989, Tim Berners-Lee, 58 anos, estabeleceu para si mesmo um lugar nos livros de história ao criar a World Wide Web. Naquele mês, o britânico, que na época trabalhava para a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), escreveu um artigo intitulado "Information Management - A Proposal" (Gestão de Informação: Uma Proposta). Sua pesquisa levou ao desenvolvimento do primeiro browser de Internet e, finalmente, da World Wide Web. Hoje, Berners-Lee é um professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Southampton, na Inglaterra.
Berners-Lee respondeu perguntas em uma conversa pelo Skype na véspera do aniversário da Web.
Eis a entrevista.
O senhor é considerado o pai da World Wide Web. Quando o senhor olha para como sua ideia se desenvolveu ao longo do tempo, o senhor vê a Web mais com orgulho, descrença ou preocupação?
Todas as opções acima. Certamente, todas as pessoas que fizeram parte da World Wide Web podem se orgulhar do que realizaram, especialmente do espírito de colaboração por trás desse desenvolvimento incrível. Dito isso, toda essa colaboração e trabalho está, até certo ponto, sob ameaça, porque a Web se tornou poderosa demais, porque se transformou em uma tecnologia importante demais para a vida cotidiana e quase tudo o que fazemos. Portanto, há uma forte tendência dos governos, grandes organizações e empresas de tentar controlá-la.
Não são apenas a China e o Irã que estão tentando controlar a Internet e espionar seus usuários. Agências de inteligência no seu país de origem, o Reino Unido, e nos Estados Unidos estão agindo como hackers, minando a segurança e até mesmo os padrões de encriptação. Quão grande é a perda de confiança, no seu entender, e o que pode ser feito a respeito?
O que isso mostrou é a falta de supervisão sobre os sistemas de espionagem tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. Isso precisa mudar. Nós precisamos de uma reforma séria desses sistemas sociais em torno da espionagem. Qualquer país que tenha uma parte do governo ou da polícia espionando pela Internet para combater o crime precisa demonstrar que possui um nível muito sólido de prestação de contas e que não há abuso da informação obtida. A privacidade do indivíduo deve ser respeitada e os dados capturados não podem ser violados para fins comerciais. O que é ótimo sobre as revelações de Edward Snowden é que aumentaram a conscientização a respeito desses problemas, a respeito da Internet e sua integridade.
Alguns países e empresas querem construir refúgios regionais para dados. Por exemplo, o Brasil quer forçar as empresas estrangeiras a armazenarem os dados de clientes brasileiros em servidores localizados dentro do país. A Deutsche Telekom da Alemanha está pensando em uma Schengen Net, que manteria os dados dentro da UE. O que o senhor pensa a respeito?
Qualquer divisão ou balcanização da Web em segmentos é uma ideia muito ruim. O motivo para ter ocorrido esse crescimento da criatividade na Web, que nos levou até onde estamos agora, a esta incrível riqueza, se deve à Web ser uma coisa não nacional, aberta e universal. Ela cresceu inicialmente sem nenhuma referência a fronteiras nacionais. É apenas quando se tenta policiar a Internet que há a necessidade de usar leis, e a maioria das leis que dispomos tem base nacional. Logo, temos que ter muito cuidado em assegurar que a Internet permaneça aberta.
O senhor e outros estão lançando uma campanha global para assegurar a proteção legal dos direitos dos usuários da Web internacionalmente. O que o senhor incluiria em sua Magna Carta pessoal para a Web?
Primeiro, eu gostaria que conversássemos juntos. Esse é o motivo para termos criado a webwewant.org. Eu quero que todos nós usemos este ano para definir os valores em que nós, como usuários da Web, insistiremos. Eu gostaria que todos os países debatessem o que isso significa em termos de suas leis existentes. Em que áreas devemos aumentar nossas regulações para garantir direitos fundamentais na Internet? O direito à privacidade deve estar lá, o direito de não ser espionado e o direito de não ser bloqueado. O mercado comercial deve ser completamente aberto. Você deve poder visitar qualquer site político fora as coisas que todos nós concordemos que sejam ilegais, sórdidas e horríveis. O acesso à Web é um direito fundamental, é claro. Ao celebrarmos o 25º aniversário da Web, nós precisamos pensar no fato de que menos da metade da população mundial usa a Web.
Como o senhor gostaria de mudar isso?
O avanço da Internet móvel facilitou para que o problema seja tratado. Na melhor das hipóteses, uma pessoa pobre terá um celular de US$ 10 que ainda não conta com browser. A questão seguinte é como podemos criar planos de dados a preço acessível e que forneçam largura de banda suficiente para permitir que o usuário participe da Sociedade da Informação. Então precisamos que eles escrevam, compartilhem sua criatividade, não apenas leiam.
O senhor sugeriu que a Web se desenvolveu muito bem sem regulações nacionais. O senhor vê um papel aqui para os governos?
Nós iniciamos a Aliança para Internet Acessível (A4AI), que prevê governos, ONGs e empresas trabalhando juntos para superação dos grandes entraves.
O que o senhor quer dizer com "entraves"?
Bem, com frequência há "acordos" nas quais grandes empresas estrangeiras de telecomunicações oferecem conectar todas as escolas gratuitamente em certo país, com a condição de que se torne a provedora monopolista. Isso mantém os preços altos e atrapalha a inovação. A A4AI quer assegurar que a paisagem regulatória seja boa e tentar fazer com que as empresas ofereçam preços baixos iniciais para pessoas que queiram se conectar pela primeira vez.
Olhando 25 anos para trás, qual foram os marcos mais importantes no desenvolvimento da Web?
Quando desenvolvi inicialmente a tecnologia da Web na CERN em Genebra, havia outro sistema chamado Gopher. Eu não acho que era tão bom quanto a Web, mas ele começou antes e tinha mais usuários. A certa altura a Universidade de Minnesota, que criou o sistema Gopher, disse que no futuro ela poderia cobrar royalties para seu uso comercial. O tráfego do Gopher caiu imediatamente e as pessoas passaram para a World Wide Web. A administração da CERN então se comprometeu - e ainda me lembro da data, 30 de abril de 1993– que nunca seriam cobrados royalties pelo uso da Web. Esse foi um momento muito importante, porque estabeleceu uma tendência.
Até o momento a Web é guiada, administrada e "governada" por muitas organizações. Os Estados Unidos exercem um papel dominante por meio da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN), que administra a alocação de endereços IP e os nomes '.com' e '.net' dos sites associados a eles. Essa abordagem multissetorial é o modelo certo para os próximos 25 anos?
Nada é perfeito e cada solução multissetorial significa trabalho árduo e envolve muita comunicação. Nós precisamos revisar como ela funciona, mas de modo incremental. Também é importante para os Estados Unidos abrirem mão formalmente da ICANN. Mas sim, eu acho que a solução para o futuro é uma versão revisada do modelo multissetorial existente.
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"Nada é perfeito", diz criador da world wide web, que completa 25 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU