14 Março 2014
Foto: André Villas Boas (ISA) |
Embora temas como energia, abastecimento de água e mobilidade urbana devam fazer parte dos debates na próxima campanha eleitoral, a discussão possivelmente será superficial. Essa é a opinião de Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia e Administração e do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), e coordenador do Projeto Temático Fapesp sobre Impactos Socioeconômicos das Mudanças Climáticas no Brasil. Para o cientista político e sociólogo, temas com impactos de longo prazo, como o atraso na regulamentação do que foi aprovado no Código Florestal – por exemplo, a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – dificilmente aparecerão nas campanhas.
A entrevista é de Maura Campanili, publicada na revista Clima e Floresta e reproduzida por EcoDebate, 13-03-2014.
Eis a entrevista.
Quais as perspectivas da presença do tema sustentabilidade na campanha eleitoral que deve se intensificar nos próximos meses?
Esse tema provavelmente vai surgir em questões como energia e abastecimento de água, mas de forma imediatista. Infelizmente, o que acontece no debate eleitoral – e não apenas no Brasil-, é que eleições são o pior momento da vida democrática. A maior parte da energia é gasta em destruir reputação de adversário, o que consome muito da inteligência da campanha. Discussão de longo prazo não aparece, o que torna o debate menos esclarecedor. Por exemplo, o terrível atraso no que foi aprovado no Código Florestal, como a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que ainda não está regulamentado e, agora, o esforço da bancada ruralista em permitir o parcelamento das áreas. Essas questões dificilmente aparecerão na discussão eleitoral. Outro tema importante que provavelmente não será abordado é tecnologia. A economia brasileira continua focada na extração de recursos primários e promessas de que poderíamos avançar na área tecnológica continuam mais no papel.
Quais os temas que deverão ter mais atenção?
Um dos temas com tem chance de aparecer é a mobilidade urbana, ou melhor, a imobilidade urbana. Matéria recente do jornal Valor Econômico mostra que a dependência do conjunto da indústria brasileira da indústria automobilística, que era de 16%, em 2004, passou, em dez anos, para 46%. Pior é saber que, o que levou a essa dependência, foram incentivos governamentais, que consideram apenas a manutenção de nível de emprego como parâmetro, sem compromisso com inovação tecnológica e desempenho.
O discurso do governo na campanha, possivelmente, será dizer que a população teve mais acesso a bens de consumo. Mas acesso a bens de consumo não significa maior acesso a cidadania e bem-estar. Se tenho um carro, mas fico paralisado durante horas no congestionamento, continuo com um problema socioambiental. Além disso, tem a poluição, área em que tivermos avanços nas regiões metropolitanas, com medidas que tornaram o óleo diesel menos poluente, mas continuamos altamente dependentes de gasolina. Nossas cidades não usam mecanismos avançados para melhorar a vida das pessoas.
O senhor acredita que questões de sustentabilidade, como os atuais ciclos de seca e enchentes no país, poderiam mobilizar a população durante a campanha política?
Nunca participei ativamente de campanha política. Mas temas dominantes têm sido os mais superficiais. Obviamente, há candidatos que recusam esse procedimento, mas, no geral, nas eleições majoritárias há mentira e hipocrisia. Candidaturas costumam mobilizar a partir de temas religiosos e morais de forma pouco esclarecida, e eles acabam ganhando peso desproporcional nos debates. Além disso, não sei se conseguimos ter candidatos que se debatam e se mostrem sobre o financiamento de campanha. Dos dez maiores doadores da última campanha eleitoral majoritária, seis eram grandes construtoras e 60% dos recursos doados pelo setor privado vieram de 1% das empresas. É um universo limitado, um modelo extremamente prejudicial.
Se fôssemos pensar em Amazônia, qual seria uma boa agenda para debate?
A maneira como são usados os recursos naturais. Atualmente, grande parte do que é produzido pela agricultura brasileira está longe de ter impacto na qualidade de vida da população. Ainda hoje, todo argumento que direciona as discussões sobre agricultura é acabar com a fome. No entanto, a obesidade já atinge mais gente do que fome. Isso precisa ser discutido. O que vemos são questões de nutrição sendo discutidas dentro do debate de saúde pública e produção no de agricultura. Precisamos suprimir o abismo entre essas duas agendas.
Na Amazônia, especialmente, é preciso fortalecer o empreendedorismo voltado à produção sustentável com a floresta em pé. Um bom exemplo é a unidade da Natura na Amazônia, sinalizando que sustentabilidade é importante e pode ser obtida pela valorização do trabalho das pessoas da região. Não tenho certeza que essa agenda poderá surgir nas eleições, mas precisa começar a ser discutida.
Outro tema crucial seria o esclarecimento para a população da função e da importância das áreas protegidas na Amazônia, não apenas nas unidades de conservação, mas também nas terras indígenas. Episódios atuais divulgados sobre a região podem dar uma ideia à sociedade que as terras indígenas são pouco importantes para o Brasil, enquanto elas são a melhor maneira de conservar a floresta, com a população indígena mantendo a biodiversidade dessas áreas.
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Regulamentação do Código Florestal dificilmente entrará no debate eleitoral. Entrevista com Ricardo Abramovay - Instituto Humanitas Unisinos - IHU