Por: André | 10 Março 2014
O carnaval do Rio tem um clima quase perfeito. Sob o sol escaldante do verão austral, os suntuosos desfiles estão repletos de público e os “blocos”, esses desfiles de bairro, tomam as ruas. O decisivo ano de 2014 do Brasil parece, enfim, tomar corpo e encontrar seu ritmo. Depois de Ronaldo, em São Paulo, no fim de semana, a lenda viva do futebol Zico prepara-se para subir num carro alegórico construído em sua homenagem no sambódromo carioca, nas primeiras horas da quarta-feira, 04 de março, que marcará a contagem oficial dos últimos cem dias para o pontapé inicial da Copa do Mundo.
A reportagem é de Nicolas Bourcier e publicada no jornal francês Le Monde, 04-03-2014. A tradução é de André Langer.
Futebol, samba e malandro, a figura popular do ladino habilidoso, finalmente reunidos como quer o imaginário nacional. Com a maior das festas brasileiras em vista. E, além disso, às margens dos desfiles, o país envia a imagem de uma tensão surda, prestes a manifestar sua raiva.
“Sim ao carnaval, não ao Mundial”, pede um cartaz. No centro da cidade, cantos parodiam as “marchinhas” de carnaval para zombar dos prefeitos e recordar os episódios e as sucessões da revolta social de junho de 2013. Os textos são distribuídos à mão, tomados das redes sociais.
Gastos faraônicos
Esta tensão aumentou depois do show da Preta Gil, filha do célebre Gilberto Gil. Diante de uma briga de jovens, a cantora ameaçou deixar o local, dizendo: “Vocês sãos os mesmos que provocaram a morte de Santiago Andrade”, o cinegrafista atingido fatalmente por um explosivo lançado por um manifestante durante uma manifestação, no dia 06 de fevereiro, contra o aumento da passagem de ônibus. Uma reivindicação semelhante àquela que colocou fogo na pólvora no mês de junho, em plena Copa das Confederações, e que fez surgir uma infinidade de reações contra a corrupção, a carência dos serviços públicos e os gastos faraônicos consagrados à Copa do Mundo.
De fato, nunca o número de policiais militares nas ruas foi tão grande na história do carnaval, que começou na sexta-feira, 28 de fevereiro. No Rio, cerca de 17.000 homens foram mobilizados. Serão 50.000 durante a Copa do Mundo, mais de 100.000 em outras cidades do país. Unidades treinadas especificamente para agirem nestas circunstâncias também estão previstas. O Exército também estará lá, dando cobertura com 57.000 soldados.
Um arsenal repressivo que está sendo preparado com um Projeto de Lei “Anti-terrorismo” que proíbe a participação em manifestações com o rosto coberto, como fazem os militantes dos Black Blocs há meses. No decorrer das duas últimas manifestações contra a Copa do Mundo, a polícia prendeu 397 pessoas, mais que o total das prisões realizadas em todo o ano de 2013.
Apenas metade dos brasileiros é favorável à Copa do Mundo
São todas medidas com gosto amargo. De um lado, o apoio massivo da população às manifestações, observada durante os primeiros meses de sublevação popular, baixou de 81% para 52% nas últimas semanas. Do outro lado, nunca a taxa de apoio à Copa do Mundo foi tão baixa. Pela primeira vez, apenas 52% dos brasileiros se dizem favoráveis ao Mundial. Eles eram 79% em novembro. Segundo o Instituto Datafolha, mesmos os segmentos da população mais apaixonados pelas competições futebolísticas são afetados. Como se a Copa tivesse se tornado uma câmara de ecos de todos os males do país. Estranho paradoxo no país da bola.
“Imagina na Copa”, dizia uma frase estampada em uma camiseta. Esta frase tornou-se umas das preferidas dos brasileiros para expressar seu tédio diante das expectativas e dos atrasos que se acumulam mesmo antes do pontapé inicial.
A 100 dias, o custo total da Copa ultrapassou os 10 bilhões de euros, ou seja, quase o dobro do orçamento inicial. É muito para um país que mal consegue fornecer serviços públicos essenciais. Muito para alguns estádios considerados como futuros elefantes brancos em razão da ausência crônica de times locais capazes de enchê-los.
Cinco dos 12 estádios ainda não estão terminados
A lista de projetos com vistas a melhorar a mobilidade urbana foi reduzida ao longo dos meses. O orçamento para a infraestrutura de transportes ligados à Copa diminuiu em um terço. Não estranha se mais de 75% dos brasileiros desaprovam os investimentos públicos consagrados à Copa. E o que dizer dos cinco dos 12 estádios ainda não terminados? Eles deveriam ter sido terminados em fins de dezembro.
O que suscita pânico na Federação Internacional de Futebol (Fifa). Em janeiro, seu presidente, Sepp Blatter, disse que o Brasil era o país mais atrasado desde que chegou à Fifa, em 1975, ao passo que é o único que teve à disposição sete anos para se preparar. Ao longo das últimas semanas, três estádios – Porto Alegre, Curitiba e São Paulo – roçaram, por diversas razões, a suspensão.
A esse coquetel junta-se um recrudescimento das violências “comuns”. Apesar das operações das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) estarem em cerca de 30 favelas, apoiadas com grandes reforços de cobertura midiática, o Estado do Rio de Janeiro conheceu um aumento de 17% para 25% dos homicídios em 2013, segundo as fontes, após três anos de queda. A cidade carioca registrou um aumento de 33% no fim do ano. Em outras partes do país, as mortes violentas conheceram uma inflação de mais de 10%. Às vezes mais em alguns Estados do norte-nordeste.
É nesse contexto que as autoridades das cidades sedes da Copa do Mundo procuraram nos últimos tempos reduzir os custos dos festejos ligados à competição. Uma maneira de tomar alguma distância com eventuais manifestações que cairiam mal ou com novas acusações de má gestão financeira.
A cidade do Recife acaba de anunciar que não participará da Fifa Fan Fest, esses shows públicos com transmissão dos jogos em telões lançados na Alemanha, na Copa do Mundo de 2006. Brasília prefere deslocar a festa para longe do centro da capital. Porto Alegre tomou o mesmo caminho. No Rio, os organizadores declararam ainda não ter decidido com a Fifa se vai participar do Fifa Fan Fest e a que custo. Restam 100 dias e o carnaval está em seu auge.
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A cem dias da Copa do Mundo, um carnaval de críticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU