11 Março 2014
A última rodada de um processo por contaminação ambiental, que já dura 21 anos, foi marcada por um juiz federal dos Estados Unidos ao determinar que as vítimas do vazamento generalizado de petróleo e seus advogados norte-americanos não poderão cobrar os US$ 9,5 bilhões que o máximo tribunal do Equador ordenou que fossem pagos pela corporação Chevron.
A reportagem é de Jim Lobe, publicada por Envolverde, 06-03-2014.
O juiz considerou, no dia 4, que o advogado Steven Donziger e seus sócios utilizaram de subornos e provas falsificadas para derrotar a Chevron em tribunais equatorianos, por isso não deve ser permitido que cobrem essa indenização por danos no que é considerado o julgamento ambiental mais importante da história.
“É lamentável que se perverta o rumo da justiça”, afirmou o juiz distrital Lewis Kaplan em uma decisão de quase 500 páginas. “Diante de uma conduta ilegal e ilícita, não há defesa ao estilo Robin Hood”, afirmou. “E a desculpa dos acusados de que essa é a forma como são feitas as coisas no Equador – na verdade, um notável insulto ao povo equatoriano – não os ajuda”.
A companhia petroleira Chevron festejou a sentença como uma “vitória estrondosa”, enquanto Donziger e seus advogados disseram que apelarão perante o mesmo tribunal que rejeitara uma decisão semelhante emitida por Kaplan em 2011. Na ocasião, a Chevron apelou à Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos para que mantivesse a decisão de Kaplan, mas esta rejeitou a apelação sem comentários.
Donziger qualificou a última sentença de Kaplan, emitida após um processo de seis semanas que se desenvolveu em 2013, como “uma decisão desastrosa, resultado de um procedimento profundamente errado que reverte a sentença unânime da Suprema Corte do Equador. Acreditamos que seremos totalmente ouvidos nos Estados Unidos, como fomos no Equador”, acrescentou.
A primeira demanda em nome de aproximadamente 30 mil habitantes, a maioria indígenas da província equatoriana de Sucumbíos, foi apresentada em 1993 perante um tribunal federal dos Estados Unidos contra a empresa petroleira Texaco, pelo terrível legado de contaminação deixado por suas operações nesse rincão da Amazônia, entre 1964 e 1990.
Durante uma parte desses anos, a Texaco, adquirida em 2001 pela Chevron, atuou em sociedade com a estatal Petroecuador, que, finalmente, assumiu as operações da petroleira norte-americana na região quando esta foi embora do país. Os demandantes asseguram que a Texaco deixou vazar mais de 70 bilhões de litros de líquidos tóxicos, abandonou mais de 900 piscinas repletas de um lodo venenoso e queimou milhões de metros cúbicos de gases tóxicos.
Em consequência, arruinou o meio ambiente de um dos locais de maior biodiversidade da América do Sul, e seus habitantes passaram a sofrer graves problemas de saúde, como uma elevada incidência de câncer, alegam os queixosos. A IPS testemunhou a persistência dessa contaminação em uma reportagem na área, em 2011.
A Texaco, que parecia acreditar que os tribunais de seu país seriam mais receptivos à demanda, convenceu o juiz Jed Rakoff a trasladar o caso para o Equador em 2002, quando nesse país um governo conservador estava desejoso por atrair investimentos estrangeiros.
A condição era que a empresa renunciasse a certas defesas, como alegar que os supostos crimes estavam prescritos, e que fosse qual fosse a sentença seria de aplicação nos Estados Unidos. No ano seguinte começou o julgamento no Equador.
A Chevron sempre alegou que os danos apresentados pelos litigantes eram exagerados e que, em todo caso, as obrigações da Texaco se extinguiram quando realizou um plano de remediação de US$ 40 milhões, acordado com Quito em 1995, que compreendia 37,5% dos poços e piscinas de resíduos líquidos da área onde operou. O restante deveria ser limpo pela Petroecuador, segundo a Chevron.
Porém, os demandantes argumentaram, com apoio de várias organizações ambientalistas nacionais e internacionais, que, como a empresa perfurou em todos os locais originais, também é responsável pela parte destinada à Petroecuador e pelos contínuos danos à saúde e por outros impactos, que não estavam contemplados no acordo de 1995.
O tribunal que conduziu o processo no Equador deu sentença contra a Chevron em 2011 e concedeu aos queixosos, representados por Donziger e seus associados, o direito de receber indenizações e reparações de cerca de US$ 18 bilhões. Posteriormente, a Suprema Corte desse país confirmou a sentença, mas reduziu o valor para US$ 9,5 bilhões.
No entanto, a Chevron vinha tentando impedir que os demandantes recebessem o dinheiro. Para isso deu vários passos: retirou todos os seus ativos do Equador e iniciou uma demanda obstrutiva contra Donziger e sua equipe, acusando-o de ter empregado subornos e outros métodos corruptos para ganhar o processo e tirar milhares de milhões de dólares da companhia.
Para sustentar estas acusações, a Chevron requisitou dezenas de milhares de documentos, mensagens de correio eletrônico e outros materiais de Donziger, de outros advogados e de grupos ativistas. Chegou, inclusive, a citar fragmentos do filme documentário Crude, produzido em 2009 por Joe Berlinger.
Quando compareceu diante do juiz Kaplan, em novembro, Donziger admitiu ter cometido erros, como ocultar suas relações e pagamentos a uma testemunha especialista, nomeada pelo tribunal equatoriano para realizar um relatório que serviu de base para a corte avaliar os danos.
Um ex-juiz equatoriano testemunhou a favor da Chevron e afirmou que os queixosos lhe pagaram para que escrevesse a argumentação do magistrado encarregado do caso, a quem Donziger, supostamente, havia prometido US$ 500 mil em troca de uma sentença favorável. Tanto Donziger como o juiz que condenou a Chevron, Nicolás Zambrano, rechaçaram com veemência essa acusação.
Kaplan, que nunca questionou o alcance do desastre ambiental provocado pelas operações de empresas petroleiras na região, decidiu a favor da Chevron. “Um acusado inocente não tem mais direito do que um culpado ao apresentar provas falsas, comprar um especialista nomeado pela corte e coagir e subornar um juiz ou um jurado”, afirmou Kaplan em sua sentença. E destacou que o próprio Donziger pretendia obter US$ 600 milhões em honorários por imprevistos.
Se essa sentença for ratificada, impedirá aos equatorianos atingidos de reclamarem a cobrança da indenização por danos em tribunais norte-americanos. E também terão que devolver o que obtiveram perante tribunais de outros países. Os demandantes apresentaram queixas em três países onde a Chevron tem grandes operações e ativos (Canadá, Argentina e Brasil) para fazer cumprir a sentença do tribunal equatoriano. No dia 4, o presidente e diretor-executivo da Chevron, John Watson, declarou a jornalistas que a decisão de Kaplan garantirá a defesa da empresa nesses países.
Para o jurista Deepak Gupta, que representa Donziger, a decisão de Kaplan equivale a “uma ação global para impedir a cobrança da indenização que suspenderia a aplicação de uma sentença de um país em todas as demais jurisdições”. Essa é uma das principais razões pelas quais o tribunal de apelações havia revogado uma decisão similar de Kaplan em 2011, acrescentou.
Marco Simons, diretor legal da organização EarthRights International, ressaltou à IPS que a sentença de Kaplan também é vulnerável por outros motivos. A norma legal segundo a qual o tipo de sentença emitida por Kaplan pode ter amparo na lei federal contra a chantagem e o crime organizado não está fechada, pontuou. Além disso, o fato de Kaplan ter afirmado que o sistema judicial equatoriano não cumpriu o devido processo “oferece uma base sólida para apresentar novamente à justiça dos Estados Unidos o processo de fundo contra a Chevron”, argumentou.
“Mesmo se fosse verdade o que disse Kaplan sobre a conduta fraudulenta dos advogados, a resposta não seria necessariamente que a Chevron saia sem nenhuma responsabilidade pelo que provocou na Amazônia equatoriana”, ressaltou. “A má conduta de um par de advogados, que é o que sugere Kaplan, não é um cheque em branco para livrar da prisão uma corporação que cometeu uma gravíssima contaminação”, concluiu Simons.
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Chevron ganha outra batalha para não pagar pelo que fez no Equador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU