Por: André | 28 Fevereiro 2014
Em relação ao próximo Sínodo sobre a família está se produzindo o mesmo fenômeno que condicionou o Vaticano II. Mas desta vez, a duplicação parece ser desejada, com todos os riscos que isso comporta.
Fonte: http://bit.ly/1jEcsyH |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa, 26-02-2014. A tradução é de André Langer.
No primeiro Consistório do seu Pontificado, Jorge Mario Bergoglio não foi amável com a casta dos cardeais.
Na abertura desta assembleia recriminou neles as “rivalidades, invejas, panelinhas”. E na homilia da missa de encerramento as “intrigas, fofocas, favoritismos, preferências”.
E, no entanto, é a este pouco estimado Colégio Cardinalício que Francisco confiou a primeira discussão importante de alto nível sobre o tema do próximo Sínodo dos Bispos – a família – em um tempo como o atual, disse o Papa, em que ela “é desprezada e maltratada”.
O Sínodo sobre a Família foi o centro focal dos encontros realizados no Vaticano durante os últimos dias. Todo o Colégio Cardinalício dedicou-lhe dois dias, 20 e 21 de fevereiro. E durante outros dois dias, 24 e 25, trabalhou-o o conselho da Secretaria Geral do Sínodo, que é um pouco a aristocracia eletiva da hierarquia católica mundial.
Ambas as reuniões aconteceram a portas fechadas, coisa que em si não surpreende. Mas o quanto se entreviu desta preparação do Sínodo é suficiente para tornar ainda mais palpável as novidades e as incógnitas introduzidas pelo Papa Francisco.
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A discussão dos cardeais foi introduzida por uma exposição de duas horas efetuada pelo cardeal Walter Kasper. Enquanto que o Conselho do Sínodo examinou as respostas que chegaram ao Vaticano ao questionário remetido em outubro a todas as Conferências Episcopais.
A exposição de Kasper não foi publicada, mas foi resumida na imprensa em termos muito sucintos pelo padre Federico Lombardi.
A decisão do Papa Francisco de confiar a Kasper a exposição introdutória foi interpretada como sinal de uma possível mudança na prática da Igreja sobre um ponto nevrálgico: a proibição da comunhão aos divorciados recasados.
Já nos anos 1990, com efeito, Kasper se havia distinguido como partidário de uma mudança, junto com outros cardeais e bispos alemães. Quem deteve tudo foi Joseph Ratzinger, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Desta vez – de acordo com as indicações dadas pelo padre Lombardi – Kasper não voltou a propor explicitamente uma mudança, mas manteve alta a expectativa de que isso poderia ocorrer, particularmente quando propôs que “o caminho do sacramento da penitência pode ser um caminho válido para uma solução do problema”.
Acontece que dos 69 cardeais que intervieram depois da sua exposição, vários invocaram abertamente inovações sobre este ponto, como, além disso, já havia ocorrido durante os meses passados em várias entrevistas e declarações de cardeais e bispos.
O próprio Papa Francisco havia dado um sinal nesta direção, quando, em julho passado, no avião que o trazia de volta do Brasil, expressou-se com estas palavras crípticas: “Um parêntese: os ortodoxos têm uma prática diferente. Eles seguem a teologia da economia, como a chamam, e dão uma segunda possibilidade [de casamento], permitem-no. Mas creio que este problema – fecho parênteses – deve ser estudado dentro do marco da pastoral matrimonial”.
Posteriormente, o Papa quis também a publicação de uma nota do atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard L. Müller, muito firme ao confirmar a intangibilidade do matrimônio indissolúvel.
Mas agora de novo Francisco deu sinais de abertura à mudança, confiando a Kasper a tarefa de introduzir a discussão dos cardeais e cumprimentando-o calorosamente no final da mesma.
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Para a revogação da proibição da comunhão aos divorciados recasados manifestaram-se – de forma quase plebiscitária – também as respostas ao questionário pré-sinodal tornadas públicas até agora.
Quem publicou os resultados foram as Conferências Episcopais da Alemanha, Áustria e Suíça, contrariando com isso o compromisso de reserva pedido, o que lhes custou uma leve reprimenda do secretário-geral do Sínodo, o novo cardeal Lorenzo Baldisseri.
Tecnicamente, o questionário não se presta a ser traduzido em dados estatísticos confiáveis. Qualquer um podia responder e nas formas mais diversas. E é evidente que quem tomou a iniciativa de responder e tornar públicas as próprias respostas foram quase exclusivamente os partidários da mudança, tanto como indivíduos e como grupos.
Ao apresentar o questionário à imprensa, em 05 de novembro passado, o arcebispo Bruno Forte, secretário especial do Sínodo, disse que este “não deve decidir por maioria ou seguir a opinião pública”, mas acrescentou também que “seria errado ignorar que uma parte consistente da opinião pública tem uma certa expectativa”.
Mas os partidários de uma recepção favorável às demandas das “bases” apóiam-se em duas expressões que reaparecem com frequência na pregação do Papa Francisco.
A primeira é que os pastores da Igreja devem ter “cheiro de ovelhas”. A segunda e mais explícita é que os pastores devem saber caminhar não apenas na frente e no meio da grei, mas também atrás, “porque a própria grei tem o instinto para encontrar o caminho”.
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Tudo isto mostra um crescimento das expectativas na opinião pública, dentro e fora da Igreja. Expectativas de mudança da doutrina e da prática católica não apenas sobre a questão dos divorciados recasados, mas sobre outros aspectos que estão hoje na ordem do dia, como as uniões homossexuais, os modos de engendrar ou adotar filhos, etc.
Pode-se prever que estas expectativas da opinião pública se farão ainda mais fortes e prementes quando o Sínodo se reunir pela primeira vez em outubro próximo. Sua exclusiva tarefa será a de recolher propostas, proceder à formulação de escolhas operacionais a serem enviadas à segunda sessão de 2015 e depois apresentadas ao Papa para a decisão final.
Está acontecendo então com este Sínodo, por decisão voluntária do Papa e das altas hierarquias, o que aconteceu de maneira imprevista com o Concílio Vaticano II, ou seja, sua duplicação em um concílio “externo”, muito ativo nos meios de comunicação e em resposta a outros critérios, capazes de influir de forma determinante no verdadeiro Concílio.
Há um ano, em um dos seus últimos discursos como Papa, depois do anúncio da sua renúncia, Bento XVI evocou esses dois concílios paralelos, vividos dramaticamente por ele mesmo em primeira pessoa, com palavras de evidente clareza.
Disse, entre outras coisas: “Foi o Concílio dos Padres – o verdadeiro Concílio –, mas foi também o Concílio dos meios de comunicação. Foi quase um Concílio em si mesmo, e o mundo percebeu o Concílio através destes, através dos meios de comunicação.”
“Em consequência, o Concílio imediatamente eficiente que chegou ao povo foi o dos meios de Comunicação, não o dos Padres.”
“O Concílio dos jornalistas não se realizou, naturalmente, dentro da fé, mas ao nível das categorias dos meios de comunicação de hoje, isto é, fora da fé, com uma hermenêutica diferente.”
“Foi uma hermenêutica política. Para os meios de comunicação, o Concílio foi uma luta política, uma luta de poder entre diferentes correntes no interior da Igreja. Foi óbvio que os meios de comunicação tomassem posição por essa parte que lhes parecia a mais adequada com seu mundo.”
“Sabemos como este Concílio da mídia foi acessível a todos. Em consequência, este foi o dominante, o mais eficiente, e aquele que criou tantas calamidades, tantos problemas, realmente tantas misérias: seminários fechados, conventos fechados, uma liturgia banalizada... O verdadeiro Concílio teve dificuldades para se concretizar, para se realizar; o Concílio virtual foi mais forte que o Concílio real.”
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Como este paradigma “externo”, produzido pelo mundo e por efeito do mundo, converteu-se em um verdadeiro e próprio cânon reconstrutivo e interpretativo do Concílio Vaticano II, corre-se também o risco de que aconteça o mesmo com o Sínodo sobre a Família convocado pelo Papa Francisco.
É um paradigma que está mudando também a presença da Igreja no cenário público, onde precisamente a família está submetida aos desafios mais cruciais.
Um sintoma disto é um artigo publicado no último número da revista La Civiltà Cattolica, a revista dos jesuítas de Roma que com o Papa jesuíta viu crescer seu papel de porta-voz oficioso da cúpula da Igreja.
O autor do artigo, o padre Gianpaolo Salvini – ex-diretor da revista e muito amigo do falecido cardeal Carlo Maria Martini –, resgatou um documento de um ano atrás de uma comissão da Conferência Episcopal da França e voltou a apresentá-lo como se fosse o modelo da presença da Igreja no cenário público mais em harmonia com a nossa época.
Certamente, a visão cristã do matrimônio não é a mesma que hoje se está impondo em vários países. Mas para La Civiltà Cattolica isto não deve oferecer à Igreja um sinal de “feroz polêmica” ou de condenação:
“Não devemos temer que nossos modos de vida entrem em contradição com as normas em voga na sociedade atual. O importante é que nosso testemunho apareça não como um juízo sobre os outros, mas como coerência entre nossa fé e nossas ações. Deste modo, será possível dar uma contribuição construtiva também para toda a sociedade”.
Durante um breve período os bispos da França, quando André Vingt-Trois, o arcebispo de Paris, era seu presidente, comprometeram-se vigorosamente a enfrentar a revolução sexual desejada pelo presidente François Hollande. Bento XVI havia lhe dado apoio, com seu veemente e último discurso pré-natalino, pronunciado para a cúria romana, no dia 21 de dezembro de 2012.
Mas depois, uma vez que se converteu em lei o casamento homossexual, os bispos franceses retiraram-se no cenário público, apesar de que as praças continuassem cheias com católicos, judeus, muçulmanos e agnósticos contrários a esta e outras leis similares.
Os bispos da França substituíram o espírito de minoria criativa e combativa por um espírito de minoria puramente testemunhal, favorável aos “pontos de vista positivos contidos nas razões dos outros” e afastada de condenações: “Quem sou eu para julgar?”
É por isto que receberam o aplauso dos jesuítas de Roma, que os escolheram como modelos para a Igreja universal com o imprimatur das autoridades vaticanas e, em última instância, do Papa.
Com o risco de que, ao ater-se a este modelo, instaure-se entre a Igreja e os poderes mundanos uma relação não de diálogo, mas de submissão, como a que sofrem os “dhimmi” [isto é, judeus e cristãos] em uma sociedade muçulmana.
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O conselho da secretaria geral do Sínodo dos Bispos é composto atualmente pelos cardeais Christoph Schönborn, Wilfried F. Napier, Peter Appiah Turkson, George Pell, Peter Erdö, Oswald Gracias, Odilo P. Scherer, Laurent Monsengwo Pasinya, Donald W. Wuerl, Timothy M. Dolan e Luis Antonio G. Tagle, pelo arcebispo maior Sviatolsav Shevchuk, pelos bispos Bruno Forte, Salvatore Fisichella e Santiago J. Silva Retamales.
Destes, Pell, Gracias e Monsengwo Pasinya fazem parte do Conselho dos Oito Cardeais que assessoram o Papa Francisco no governo da Igreja e na reforma da cúria romana.
O secretário-geral do Sínodo é o cardeal Lorenzo Baldisseri.
O secretário especial da sessão extraordinária de 5-19 de outubro de 2014 é o arcebispo Bruno Forte.
O relator-geral da sessão é o cardeal Peter Erdö.
Presidentes delegados são os cardeais André Vingt-Trois, Raymundo Damasceno Assis e Luis Antonio G. Tagle.
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Os dois Sínodos, o verdadeiro e o dos meios de comunicação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU