21 Fevereiro 2014
A tarefa dos cristãos é redescobrir, viver e anunciar a todos essa preciosa e original unidade entre lucro e solidariedade.
Publicamos aqui o prefácio escrito pelo Papa Francisco ao novo livro do cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, intitulado Povera per i poveri. La missione della Chiesa [Pobre para os pobres. A missão da Igreja] (Livraria Editora Vaticana).
O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 19-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Quem de nós não se sente desconfortável em até mesmo enfrentar a palavra "pobreza"? Há muitas formas de pobreza: físicas, econômicas, espirituais, sociais, morais. O mundo ocidental identifica a pobreza acima de tudo com a ausência de poder econômico e enfatiza negativamente esse status. O seu governo, de fato, se fundamenta essencialmente no enorme poder que o dinheiro adquiriu hoje, um poder aparentemente superior a qualquer outro.
Por isso, uma ausência de poder econômico significa irrelevância em nível político, social e até mesmo humano. Quem não possui dinheiro é considerado apenas na medida em que pode servir a outros escopos. Há muitas pobrezas, mas a pobreza econômica é a que é vista com maior horror. Nisso há uma grande verdade.
O dinheiro é um instrumento que, de algum modo – como a propriedade – prolonga e aumenta a capacidade da liberdade humana, permitindo-lhe operar no mundo, agir, dar frutos. Em si mesmo, é um instrumento bom, como quase todas as coisas de que o homem dispõe: é um meio que alarga as nossas possibilidades.
No entanto, esse meio pode se voltar contra o homem. O dinheiro e o poder econômico, de fato, podem ser um meio que afasta o homem do homem, confinando-o em um horizonte egocêntrico e egoísta.
A própria palavra aramaica que Jesus utiliza no Evangelho – mamom, isto é, o tesouro escondido (cf. Mt 6, 24; Lc 16, 13) – nos faz entender: quando o poder econômico é um instrumento que produz tesouros que se mantêm apenas para si mesmo, escondendo-os dos outros, ele produz iniquidade, perde o seu valor positivo original. Também o termo grego usado por São Paulo, na Carta aos Filipenses (cf. Fl 2, 6) – arpagmos – remete a um bem guardado zelosamente para si só, ou até mesmo ao fruto do que foi roubado dos outros.
Isso acontece quando bens são utilizados por homens que conhecem a solidariedade somente para o círculo – pequeno ou grande – dos seus conhecidos quando se trata de recebê-la, mas não quando se trata de oferecê-la. Isso acontece quando o homem, tendo perdido a esperança em um horizonte transcendente, perdeu também o gosto da gratuidade, o gosto de fazer o bem pela simples beleza de fazê-lo (cf. Lc 6, 33 ss.).
Ao contrário, quando o homem é educado para reconhecer a fundamental solidariedade que o liga a todos os outros homens – isso nos lembra a Doutrina Social da Igreja –, então sabe bem que não pode guardar para si os bens de que dispõe. Quando ele vive habitualmente na solidariedade, o homem sabe que o que ele nega aos outros e guarda para si mesmo, mais cedo ou mais tarde, vai se voltar contra ele. No fundo, é a isso que Jesus alude no Evangelho, quando menciona a ferrugem ou a traça que corroem egoisticamente as riquezas possuídas egoisticamente (cf. Mt 6, 19-20; Lc 12, 33).
Ao contrário, quando os bens de que se dispõe são utilizadas não só para as próprias necessidades, eles, difundindo-se, se multiplicam e muitas vezes trazem um fruto inesperado. De fato, há um vínculo original entre lucro e solidariedade, uma circularidade fecunda entre ganho e dom, que o pecado tende a despedaçar e ofuscar. A tarefa dos cristãos é redescobrir, viver e anunciar a todos essa preciosa e original unidade entre lucro e solidariedade. Quanto o mundo contemporâneo precisa redescobrir essa bela verdade! Quanto mais aceitar fazer as contas com isso, mais diminuirão também as pobrezas econômicas que tanto nos afligem.
Porém, não podemos esquecer que não existem somente as pobrezas ligadas à economia. É o próprio Jesus que nos lembra disso, advertindo-nos que a nossa vida não depende somente "dos nossos bens" (Lc 12, 15). Originalmente, o homem é pobre, é necessitado e indigente. Quando nascemos, para viver, precisamos dos cuidados dos nossos pais, e assim, em cada época e etapa da vida, cada um de nós nunca conseguirá se libertar totalmente das necessidades e da ajuda alheia, nunca conseguirá arrancar de si o limite da impotência diante de alguém ou de algo.
Essa também é uma condição que caracteriza o nosso ser "criaturas": não nos fizemos por nós mesmos, e sozinhos não podemos nos dar tudo o que precisamos. O leal reconhecimento dessa verdade nos convida a permanecer humildes e a praticar com coragem a solidariedade como uma virtude indispensável ao próprio viver.
Em todo o caso, dependemos de alguém ou de algo. Podemos viver isso como uma debilitação do viver ou como uma possibilidade, como um recurso para fazer as contas com um mundo em que ninguém pode abrir mão do outro, em que todos somos úteis e preciosos para todos, cada um ao seu modo. Não há como descobrir isso senão tendo uma práxis responsável e responsabilizante, em vista de um bem que é, então, realmente, inseparavelmente pessoal e comum. É evidente que essa práxis só pode nascer de uma nova mentalidade, da conversão a um novo modo de nos olharmos uns aos outros! Só quando o homem se concebe não como um mundo em si mesmo, mas como alguém que, por sua natureza, está ligado a todos os outros, originalmente sentidos como "irmãos", é possível uma práxis social em que o bem comum não permanece como palavra vazia e abstrata!
Quando o homem se concebe assim e se educa para viver assim, a original pobreza criatural não é mais sentida como uma deficiência, mas sim como um recurso, no qual o que enriquece cada um, e é livremente doado, é um bem e um dom que, depois, é de benefício de todos. Essa é a luz positiva com que o Evangelho também nos convida a olhar para a pobreza. Justamente essa luz nos ajuda, portanto, a compreender por que Jesus transforma essa condição em uma autêntica "bem-aventurança": "Bem-aventurados vós, os pobres!"(Lc 6, 20).
Então, mesmo fazendo tudo o que está ao nosso poder e evitando toda forma de irresponsável costume com as próprias deficiências, não temamos nos reconhecer necessitados e incapazes de nos dar tudo o que precisamos, porque, sozinhos e com as nossas forças apenas, não conseguimos vencer todos os limites. Não temamos esse reconhecimento, porque Deus mesmo, em Jesus, se curvou (cf. Fil 2, 8) e se curva sobre nós e sobre as nossas pobrezas para nos ajudar e para nos dar aqueles bens que, sozinhos, nunca poderemos ter.
Por isso, Jesus elogia os "pobres em espírito" (Mt 5, 3), isto é, aqueles que olham assim para as próprias necessidades e, necessitados como são, se confiam a Deus, não temendo depender d'Ele (cf. Mt 6, 26). De Deus, de fato, podemos ter aquele Bem que nenhum limite pode parar, porque Ele é mais poderoso do que qualquer limite e nos demonstrou isso quando venceu a morte!
Deus, sendo rico, se fez pobre (2Cor 8, 9) para nos enriquecer com os seus dons! Ele nos ama, cada fibra do nosso ser lhe é cara, aos seus olhos cada um de nós é único e tem um valor imenso: "Até os cabelos da sua cabeça estão todos contados... vocês valem mais do que muitos pássaros" (Lc 12, 7).
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''A riqueza é um bem se ajuda os outros''. O prefácio do Papa Francisco ao livro do cardeal Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU