18 Fevereiro 2014
“Em meus 60 anos de vida, conheci três épocas culturais diferentes, muito diferentes. E, ao dizer "épocas culturais diferentes", refiro-me à minha maneira de ser crente, de me sentir Igreja, de rezar o Credo.”
Publicamos aqui o Prólogo do livro Mi Iglesia y mi Credo. Reflexiones sobre un cristianismo creíble para hoy (Ed. Credo, 2013), do teólogo espanhol José Arregi Olaizola, professor da Universidade de Deusto, na Espanha, e fundador e diretor da revista religiosa Hemen.
O artigo foi publicado na revista Adista Documenti, n. 3, 25-01-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Sessenta anos não são muitos, mas é como se, neles, eu tivesse que mudar duas vezes de era cultural e viver na minha vida três culturas diferentes, três visões de mundo e três paradigmas teológicos. Antes, as eras culturais perduravam milênios; acreditávamos que o céu e a terra estavam imóveis, e que tudo devia ser regido por uma ordem imutável; a Terra era o centro do universo, e apenas o sol e a lua girava lentamente ao redor dela, para nos iluminar de dia e nos acompanhar de noite e para marcar os ritmos da semeadura e da colheita.
Mas hoje sabemos que a Terra gira a 30.000 km por segundo. Tudo no universo – as galáxias quase infinitas em número e dimensão, e os átomos quase infinitos em suas partículas e ondas e vazios –, tudo está ligado com tudo, e tudo se move e corre vertiginosamente. É admirável, mais do que vertiginoso (o que produz tontura e estragos é o ritmo do chamado "desenvolvimento econômico").
A cultura agrária se prolongou durante dez milênios – um pouco menos nestas terras, onde aprendemos mais tarde a cultivar a terra e a criar animais. Há apenas 200 anos, nasceu a era industrial, e a modernidade com ela. Mas já estamos em outra era: em apenas 200 anos, a era industrial se transformou em era pós-industrial, a era da informação; paralelamente, a cultura moderna, caracterizada pela fé secular na razão científica e no progresso, se transformou em cultura pós-moderna, marcada pela explosão da verdade, pela fragmentação do saber, pela evidência da incerteza e pelo reconhecimento do pluralismo em todos os campos. Em apenas 200 anos, passamos da pré-modernidade à modernidade e desta à pós-modernidade.
Assim, pois, em meus 60 anos de vida, conheci três épocas culturais diferentes, muito diferentes. E, ao dizer "épocas culturais diferentes", refiro-me à minha maneira de ser crente, de me sentir Igreja, de rezar o Credo. Durante quase 20 anos, a minha fé foi totalmente pré-moderna: a Terra era o centro do universo presidido por Deus, Deus era o Ser e o Senhor Supremo, a Bíblia e os dogmas haviam sido diretamente revelados por Deus, o sagrado era superior a todo o profano, ser sacerdote era o que havia de maior, o pecado mortal era o mais terrível, e o papa sempre tinha a última palavra.
O estudo da filosofia e da teologia trouxe consigo a dúvida, não isenta de angústias: era preciso reconciliar – não poucas vezes um pouco desesperadamente – a filosofia com a teologia, a fé com a razão, o teocentrismo com o antropocentrismo, o poder de Deus com a liberdade humana, a graça com a responsabilidade, o sagrado com o profano, a transformação política do mundo com a esperança do "mais além", a verdade com a tolerância, a religião com a laicidade, a encarnação única de Deus com o respeito às religiões não cristãs. Tive que modernizar o meu Credo.
Mas, quando eu acreditei tê-lo alcançado mais ou menos durante os meus quatro anos do Instituto Católico de Paris, outro mundo se abria para mim ou, melhor, se impunha a mim. Um dos desencadeadores decisivos foi o processo de elaboração da tese doutoral sobre a relação do cristianismo com outras religiões a partir do teólogo suíço Hans Urs von Balthasar. Três mundos se confrontaram eentre si dentro de mim: a teologia basicamente pré-moderna de Von Balthasar (o cristianismo é a única religião revelada ou ao menos a uma religião da encarnação histórica de Deus), a teologia moderna de Rahner (o cristianismo é a culminação histórica da revelação e da encarnação de Deus, que também se dá nas outras religiões) e a teologia claramente "pós-moderna" de Panikkar (Deus tem muitos nomes e se encarna também de muitas maneiras em todas as culturas e religiões).
Optei pelo terceiro modelo, principalmente porque os outros me encerravam em um beco sem saída e sem respiro. Mas o paradigma pluralista também era, por sua vez, como um salto no escuro, de modo que não havia paz em mim (eu também não a tive no tribunal perante o qual apresentei a tese, em janeiro de 1991).
Nos anos posteriores, fui buscando dar forma a um paradigma teológico radicalmente pluralista, um paradigma ecológico e liberacionista: Deus não é um Ente, é a alma e o coração do universo em expansão e em criação permanente sem centro algum; é o Espírito ou a Ruah da paz e do consolo, que geme na humanidade e em todas as criaturas; até a plena libertação, até a plena criação.
Nossa espécie humana Homo sapiens, que apareceu há nada mais do que 200 mil anos neste precioso planeta verde e azul, não é nem o centro, nem o ápice da criação, nem sequer o centro e o ápice deste planeta, mas é – nada mais, nada menos – uma manifestação maravilhosa e ainda inacabada da criação em marcha, com um cérebro triplo – de réptil, mamífero e humano – não muito bem coordenados entre si, que não lhe permite mais do que uma consciência ainda muito dormente e uma paz muito frágil. Um dia, ele desaparecerá, como todas as demais espécies, mas a vida seguirá se desenvolvendo na Terra (e em outros planetas provavelmente, embora ainda nada possamos saber).
E Jesus? Jesus – bendito seja! – é um indivíduo admirável dessa nossa pobre e maravilhosa espécie humana: foi e continua sendo – porque a Vida que se dá não morre – profeta, ou sacramento, ou símbolo, ou encarnação da Compaixão libertadora e criadora; viveu a indignação e a paz, a rebeldia e a esperança; não lhe importou a religião, mas sim a misericórdia; não lhe importou a culpa, mas sim a cura; ele não se opõe, nem exclui, nem inclui nenhum outro sacramento da Compaixão divina e será plenamente Cristo, ou Messias, ou libertador, em comunhão com todos os profetas e libertadores do passado e do futuro, quando todos os sonhos que ele chamava de "reino de Deus" se cumpram totalmente.
Enquanto isso, a vida na Terra seguirá; ela ainda tem pela frente bilhões de anos, e muito mais em outras galáxias e planetas; e eu quero pensar que, aqui ou em outro lugar, aparecerão espécies que possam e consigam viver melhor do que nós, em uma paz mais estável e em uma harmonia maior consigo mesmas e com todos os seres, para a glória da Vida ou de Deus.
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A minha Igreja e o meu credo há 60 anos. Artigo de José Arregi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU