11 Fevereiro 2014
"Agora, o Papa Francisco pode apelar à resposta da maioria dos fiéis sobre questões tão importantes no debate com os reacionários da Cúria. O Papa Emérito Bento XVI escreveu há pouco para mim, eterno rebelde, uma carta afetuosa em que se compromete a apoiar Francisco, esperando em cada sucesso seu." Em suma, substancialmente, é quase como dizer que Francisco é como Gorbachev, o homem novo contra os ortodoxos, mas com as pessoas ao seu lado. Eis a voz de Hans Küng, máximo teólogo católico crítico vivo, sobre a pesquisa chocante publicada nesse domingo no jornal La Repubblica e sobre o seu efeito na Igreja.
A reportagem é de Andrea Tarquini, publicada no jornal La Repubblica, 10-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Küng, como você avalia a sondagem sobre os cristãos no mundo?
Tomados conjuntamente e analisados, esses dados revelam a extraordinária discrepância entre os ensinamentos da Igreja sobre questões fundamentais, como a família, e, ao contrário, a visão real dos católicos no mundo.
Para você, entre os muitos resultados da sondagem, quais são os mais importantes?
Para mim, o mais importante é a imensa maioria de consensos para o Papa Francisco: 87% dos católicos entrevistados em todo o mundo e 99% dos italianos estão de acordo com ele. É uma enorme manifestação de confiança para o Sumo Pontífice. Para mim, é um pequeno milagre, depois dos anos da crise de confiança que tinha investido contra a Igreja nos anos do Papa Bento XVI. Agora, em menos de um ano, o Papa Francisco conseguiu inverter a tendência dos sentimentos dos fiéis de todo o mundo.
E o Papa Emérito Bento XVI, a seu ver, ficará feliz ou triste com a resposta da sondagem?
Naturalmente, ver esses resultados irá lhe entristecer, especialmente repensando hoje nos últimos meses vividos por ele como pontífice, no seu mandato. Mas, seguramente, ele irá se alegrar com o fato de que agora se segue em frente, e ele, a meu ver, pensa mais no destino da Igreja do que naquilo que diz respeito a ele mesmo.
É só uma suposição sua ou você pode provar sobre o que você diz sobre os sentimentos de Joseph Ratzinger neste momento?
Eu acredito que explicarei melhor o pensamento de Bento XVI citando frases da sua recentíssima carta para mim.
Bento XVI lhe escreveu depois de anos de conflitos? E o que lhe escreveu?
Bem, espere só um momento, deixe-me pegar aqui na minha escrivaninha lotada esse manuscrito com a carta da Santa Sé endereçada por ele, pessoalmente, da sua residência de papa emérito. Data: 24 de janeiro de 2014. Remetente: "Pontifex emeritus Benedictus XVI". "Sou grato por poder estar ligado por uma grande identidade de pontos de vista e por uma amizade de coração ao Papa Francisco. Hoje, vejo como minha única e última tarefa é apoiar o seu Pontificado na oração." Acredito que são palavras muito belas. Certamente, escritas antes da publicação da sondagem. Essa escolha de inclinação do Papa Emérito Bento XVI me convence ainda mais.
E o que significa a sondagem para os bispos e, em geral, para a hierarquia eclesiástica?
Eu gostaria de distinguir três categorias de prelados. Para os bispos prontos para as reformas, e eles existem em todo o mundo, os resultados da sondagem significam um grande encorajamento: eles deverão se comprometer abertamente com as suas convicções e não ficar tímidos demais. Segundo, para os conservadores que têm as suas reservas: eles deveriam refletir sobre as suas reservas e deveriam ouvir os argumentos dos reformadores. Terceiro, para os bispos reacionários, presentes não só no Vaticano, mas em todo o mundo, eles deveriam abandonar a sua resistência obstinada e escolher a razoabilidade.
E o que significa a sondagem para a base, para os cristãos? Encorajamento à reforma a partir de dentro, como Gorbachev sonhou em vão para o socialismo real e o Império Soviético?
É importante o sinal de que o movimento para a reforma dentro da Igreja tem do seu lado a grande maioria dos fiéis. O movimento de reforma é apoiado pela base – movimentos de reforma, como o Nós Somos Igreja – mais do que apareceu até agora, mais do que dentro da Igreja oficial. É um fato em nível internacional.
Professor, há décadas, você pede mudanças e aberturas na Igreja. Foi o primeiro e pagou as consequências por isso. Para você, essa sondagem é uma vitória, uma vitória amarga, ou outra coisa?
Eu não me considero um vencedor, não liderei uma batalha por mim, mas sim pela Igreja. Evidentemente, eu tive muitas experiências amargas, mas é bom ver uma mudança na direção do Concílio Vaticano II. Eu tive a grande alegria de poder ver, ainda vivo, o sucesso das ideias de reforma da Igreja para a qual eu combati por tanto tempo, de poder ver o início da virada. Para mim, é um novo impulso vital, como diz Bento XVI, para este último trecho do percurso da vida que nós agora temos pela frente.
Que consequências o Papa Francisco deveria tirar dos resultados dessa sondagem?
Se eu pudesse lhe dar um humilde conselho, ele deveria seguir em frente com coragem no caminho em que está encaminhado e não ter medo das consequências.
Concretamente, o que isso significa?
Espero que ele use a arte da Distinção que ambos aprendemos na Pontifícia Universidade Gregoriana: onde há, segundo a sondagem, consenso na Comunidade eclesial, ele deveria propor uma solução positiva para o Sínodo. Onde há desacordo, ele deveria permitir e suscitar um livre debate na Igreja. Onde ele mesmo é de outra opinião com relação à maioria dos católicos, como sobre o sacerdócio para as mulheres, ele deveria nomear uma força-tarefa de teólogos e de outros cientistas, de homens e mulheres, para abordar o tema.
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''A Igreja está distante demais dos fiéis, mas os inovadores são maioria''. Entrevista com Hans Küng - Instituto Humanitas Unisinos - IHU