Por: André | 03 Fevereiro 2014
No momento em que escrevo este texto, terminavam, em Havana, Cuba, as reuniões presidenciais no marco da 2ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos. Após proposta do país anfitrião, declarou-se a América Latina e o Caribe como “território de paz”. Além disso, avançou-se num plano contra a fome e a desigualdade, e assinou-se uma série de documentos com o eixo centrado na soberania. Que níveis de acordo foram obtidos? Como continuará a integração regional? Que significado teve a presença de Ban Ki Moon (ONU) e de José María Insulza (OEA) em Havana?
A análise é de Juan Manuel Karg e publicada no sítio Rebelión, 31-01-2014. A tradução é de André Langer.
Finalizada a 2ª Reunião da CELAC, podemos afirmar que um dos grandes derrotados deste conclave foi nada menos que o governo dos Estados Unidos. Não apenas por sua ausência na reunião, algo que já estava previsto desde a própria formação da CELAC – excluídos, junto com o Canadá, do seu funcionamento. Mas porque a 2ª Reunião foi em Cuba, o que significou um revés instantâneo para Washington na sua tentativa de isolar a ilha em seu outrora “fundo de quintal” e do mundo. A visita do próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, legitimando a reunião, suas reuniões com Fidel e Raúl Castro e sua visita à Escola Latino-americana de Medicina (ELAM) foram parte de uma vitória política, diplomática (e também simbólica) da ilha. “Cuba tem uma longa história de cooperação. Os médicos cubanos são os primeiros a chegar e os últimos a sair. Cuba pode ensinar ao mundo sobre o seu sistema de saúde, baseado nos cuidados primários, com importantes conquistas, como uma baixa mortalidade, uma maior esperança de vida e uma cobertura universal”, foi a contundente frase de Ban Ki Moon durante sua visita à ELAM, algo que, em geral, os grandes meios de comunicação do continente não divulgaram.
Os discursos e a ação
Na plenária geral de presidentes, Rafael Correa despertou a todos com sua crítica frontal à OEA. No auditório estava menos que seu secretário-geral, José María Insulza – que foi a Havana desprestigiado, assumindo uma derrota (ainda relativa) do organismo que dirige perpetrada pela própria CELAC. “Para que serve a OEA se não é capaz de rechaçar o colonialismo britânico nas Ilhas Malvinas; se tem sua sede no país do criminoso bloqueio a Cuba?”, perguntou-se o presidente equatoriano, que também afirmou que “a única forma de se libertar do império do capital é a integração real dos países da região”.
Por sua vez, a luta pela soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas foi um eixo transversal na quase totalidade das intervenções, inclusive na de Cristina Fernández de Kirchner, que denunciou a violação do Tratado do Tlatelolco – relativo à desnuclearização da América Latina – pela Grã-Bretanha, através de submarinos nucleares no Atlântico Sul. Também houve consenso, em linhas gerais, em que “sem Porto Rico a CELAC está incompleta”, uma frase que se repetiu constantemente para fazer alusão à ausência da ilha e à sua situação neocolonial, por causa da proposta venezuelana de integrar a ilha a esta ferramenta de integração.
O combate à pobreza e à desigualdade foi outro tópico trabalhado pela maioria dos Chefes de Estado, em uma América Latina e Caribe com cerca de 50 milhões de pobres. Aqui, no entanto, encontramos um contraponto entre aqueles países que colocaram a necessidade de uma maior intervenção estatal na geração de novos postos de trabalho, e outros que defenderam (e defendem) uma abertura maior aos capitais privados – inclusive transnacionais – para o “desenvolvimento” dos países da região. O melhor exemplo para ilustrar esta última posição foi a intervenção do presidente do México, Enrique Peña Nieto, que vinha do Fórum Econômico Mundial de Davos, Suíça. Peña Nieto defendeu a recente “reforma energética” – que não foi outra coisa senão a perda do monopólio estatal sobre os hidrocarbonetos – como forma de estimular o crescimento do país. Além disso, foi o único presidente que, durante sua intervenção, não saudou Cuba por sua presidência pro tempore durante o ano que passou, algo que se repetiu em todos os demais oradores.
Como a CELAC vai continuar em 2014?
A presidência pro tempore passou agora às mãos da Costa Rica, país que no próximo dia 02 de fevereiro terá uma eleição crucial entre, precisamente, dois modelos de país: o atual, representado por Johny Araya (PLN), e o de um horizonte de transformação política e econômica, representado pelo jovem candidato da Frente Ampla de José María Villalta. O resultado da eleição – e de um possível segundo turno – também terá a ver com o desenvolvimento da CELAC no ano. A vontade de Cuba ao longo de 2013 foi vital para o desenvolvimento do organismo – que ainda depende, para sua pronta gestação, de certo “voluntarismo” de alguns atores. Se Villalta vencer, assumirá um papel de protagonismo em seu caráter de presidência pro tempore deste importante organismo regional? Sem dúvida dará maior impulso à CELAC do que o PLN.
Pois bem, outra conclusão foi a necessidade de avançar rumo a uma maior “cotidianidade” da CELAC. O contexto da América Latina e do Caribe necessita de um esforço diário para que a integração em todos os níveis – social, econômico, político e cultural – possa se efetivar. Aqui, provavelmente, se possa mencionar como interessante a proposta de um “gabinete permanente” levada à plenária presidencial pelo uruguaio José Mujica, proposta depois retomada pelo presidente venezuelano Nicolás Maduro. Significaria o envolvimento de mais atores na tomada diária de decisões de índole de integração, com contato direto com os presidentes. As funções deste “gabinete permanente” seriam aumentar o fluxo de tarefas entre uma reunião e outra, algo necessário para não repetir alguns erros do passado.
Em suma, após a 2ª Cúpula de Havana, a CELAC consolidou-se como ferramenta de integração de primeira linha para os 33 países membros e em referência em nível internacional, como comprovou a própria presença de Ban Ki Moon. É tarefa dos países membros não apenas preservar, mas aprofundar, as conquistas alcançadas até agora. Outra integração – autônoma, aberta aos interesses das grandes maiorias e não das elites de nossos países – é não apenas necessária, mas também possível.
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