02 Fevereiro 2014
Chico Pinheiro, jornalista, fez parte do grupo de jovens Tropa (1) acompanhado por João Batista Libânio, teólogo, ontem falecido. Ao saber da morte do padre jesuíta ele escreve para os companheiros do grupo a mensagem que publicamos a seguir.
Eis a mensagem.
Amados irmãos tropeiros. Como dói saber que ele não está mais entre nós anunciando o Reino, ele, mensageiro da Boa Nova - “Eis que envio à tua frente o meu mensageiro, e ele preparará teu caminho. Voz de quem clama no deserto: Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as veredas para Ele.” (Mc 1,1-3), Eu, que ando fisicamente distante, sinto uma enorme saudade. Do profeta João Batista, o Libânio, que nos revelou o sentido do viver em plenitude, a opção fundamental pelo Amor, e que caminhou conosco durante mais de 40 anos com doçura, bondade e sabedoria. Imagino nosso altar vazio e me lembro de Sérgio Bittencourt chorando em chorinho a perda do pai, Jacob do Bandolim: “Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele ‘tá doendo em mim..." E dói. Dói e saudade dele e de vocês, de todos vocês. Os sinos dobram por nós...
Ontem, no “denso dia 30”, como disse o Dudu, trabalhei desde a madrugada no Rio e logo depois do Bom Dia Brasil tomei o avião para São Paulo, onde fui gravar uma matéria especial para o carnaval na Escola de Samba da Vila Maria. Tomei o taxi em Congonhas e religuei o celular. Lá estavam as mensagens tristes da nossa Beth e da Maria Helena... E preso no trânsito por mais de uma hora, vi passar o filme de nossas vidas com ele: a primeira palestra, ainda no CJC, a descoberta reveladora da Opção Fundamental, para mim primeira experiência de Libertação religiosa, rompendo as correntes impostas por um catecismo caduco, que nos ameaçava ainda crianças com a Ira de Deus e o fogo do inferno. Depois, os encontros às pressas nos fins de tarde das terças-feiras, na Avenida Álvares Cabral, nas “missinhas” nas 6 da tarde... Era um tempo de trevas, anos de chumbo, e nós cheios de sonhos, de força revolucionária nos corações ... Mas, ao mesmo tempo tão frágeis diante da brutalidade das botas e das fardas que parecia não ter fim. Alguns passavam ali a caminho de casa, outros da faculdade... Ali, na celebração, sentados no chão, ouvíamos de sua boca palavras de fé e de coragem: “O que era desde o princípio, é o que nós escutamos, o que nossos olhos viram, o que nós contemplamos e o que nossas mãos tocaram... O que nós vimos e escutamos, nós vo-lo anunciamos também, para que estejais em comunhão conosco... Nós vos escrevemos isto, para que a vossa alegria seja perfeita”(1Jn 1,1-4).
”O Lib (nosso “Liebe”), apertava seus pequenos olhos, quase os fechava. E repetia com a voz baixa e doce: “nós escutamos, nossos olhos viram, nossas mãos tocaram...” E sorria devagar, frisando: “os discípulos viram, tocaram com as mãos...!” A seguir, tomava o pão e o cálice e nos permitia ver, tocar, comer o “corrrpo”, “beber o sangue do Cordeiro” ... E nos conduzia ao Coração de Deus, à Comunhão dos Santos, ao centro da História, Coração da Matéria, “Messe sur le Monde”...
Já não era o nosso amigo padre, era “Liebe”, era Teilhard, era João Batista, era Profeta, era ele mesmo Sacramento, corpo que se tornava unidade, homem-pão-vinho, permitindo, a cada um de nós, pouco mais que meninos e meninas, tocar com nossas mãos a Sagrada Majestade do Real.
E assim o vimos depois, quantas vezes, na Floresta de Juiz de Fora, ora rindo de minhas e nossas bobagens e brincadeiras, ora atento às nossas cantorias noturnas (“minha gente pra dentro de faz, à procura de um mundo que tem...), ou nos ensinando, ouvindo nossos encontros e desencontros pessoais (respeitando sempre !)...E levando tudo para o Altar da celebração. Oferecia ao Pai nossas vidas, nossas angústias e dores, nossas esperanças, nossa saúde e nossas doenças. E pedia ao Pai que nos guardasse dos males (“perigos de estradas, de viagens...”) e que, sobretudo, nos guardasse do Mal!
Assim chegamos aqui, décadas depois, ainda Tropa. BH, Rio, Juiz de Fora, Volta Redonda, Canadá...
Somos enviados. Tivemos o privilégio de conviver com um Santo, com um Profeta que preparou para nós os caminhos do Senhor e nos mostrou suas veredas. Pudemos vê-lo com os nossos olhos, tocá-lo com nossas mãos, abraçá-lo e beijá-lo em nossas celebrações. Por isso damos testemunho do Amor e agradecemos a Deus.
Cheguei de volta ao Rio e já era noite. Lembrei-me de um poema do também mineiro Drummond, a Prece de um mineiro no Rio.
Espírito de Minas, me visita,
e sobre a confusão desta cidade
onde voz e buzina se confundem,
lança teu claro raio ordenador.
Conserva em mim ao menos a metade
do que fui na nascença e a vida esgarça...
Cansado me deitei. Teria poucas horas de descanso até a madrugada me chamar para dar Bom Dia ao Brasil. Antes de adormecer, com o travesseiro já molhado, chamei por ele. E pedi a ele que não se esqueça de nós ao contemplar a Sagrada Face. Para que sejamos dignos do tanto que recebemos.
Ad Majorem Dei Gloriam!
PS: Em sua encíclica “Lumen Fidei”, o Papa Francisco, no número 56, diz o seguinte: “Contemplando a união de Cristo com o Pai, mesmo no momento de maior sofrimento na cruz (cf. Mc 15,34), o cristão aprende a participar do olhar próprio de Jesus; até a morte fica iluminada, podendo ser vivida como a última chamada da fé, o último “Sai da tua terra” (cf. Gn12,1), o último “Vem!” pronunciado pelo Pai…”
PS 2: Não estarei aí em BH nas cerimônias fúnebres. Papai, Antônio Pinheiro, grande amigo dele, de Dom Luciano e do Padre Vaz, estará presente na FAJE, com os seus quase 91 anos. De minha parte, espero estar com vocês no encontro em JF. Ontem Ledinha, minha companheira, também sentida, me disse ao saber da triste notícia: “que coisa, não é ? Ele era tão cheio de vida !” E eu respondi : “que nada, agora é que ele está cheio de vida -. Vida Plena e Eterna !”
PS 3: Irmã Terezinha, do Carmelo de Bananeiras-PB (ex-Juiz de Fora), recupera-se de uma cirurgia no Recife. Ficou sabendo da partida do Libânio por mim. E me pediu que lhes mandasse a seguinte mensagem : “ Perdemos um Profeta, um Místico e um Pai ! Somos chamados a profetizar no lugar dele”. Mandou dizer que guarda a Tropa em seu “coração de Carmelita” e que reza por nós.
Amo vocês! Rezem por mim e rezemos por nós, para que Deus nos console e nos anime. Abreijos de Fraternura.
Chico, ou melhor, SHYKO.
Nota da IHU On-Line:
Para saber mais sobre a Tropa, veja a entrevista com Faustino Teixeira publicada aqui.
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"Não se esqueça de nós ao contemplar a Sagrada Face". Jornalista homenageia J. B. Libânio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU