Por: Cesar Sanson | 27 Janeiro 2014
"Neymar e Kaká serviram de escada para um discurso oficial cujo objetivo, ainda que não declarado, é suprimir o (de fato temeroso) clima de #nãovaitercopa que assusta o Planalto". O comentário é de José Antonio Lima, jornalista, em artigo no blog Esporte Fino, 24-01-2014.
Eis o artigo.
A convivência entre o esporte e a política é tão antiga quanto a existência dessas duas formas de relacionamento humano. Por meio dos esportistas, governos conseguem transmitir mensagens políticas para a população e criar sentimentos que aglutinem o povo em torno de uma causa. Muitos governos fazem esse tipo de conexão, mas ela costuma se dar de forma mais óbvia em regimes autoritários. Daí o choque que os mais atentos tiveram na quinta-feira 23 ao ver a troca de mensagens entre a presidente Dilma Rousseff, Ronaldo, Neymar e Kaká.
Fosse a conversa espontânea, seria possível dizer que os atletas foram usados. Abundam, entretanto, sinais de que o diálogo pelo Twitter foi combinado. Com Ronaldo, a combinação foi assumida por Dilma. Neste caso, não há problema algum, pois o maior artilheiro de todas as Copas é membro do Comitê Organizador e já mostrou não ter pudor em defender o mundial de todas as formas. Ronaldo é um dos que preconizam o clima de ame-o ou deixe-o com a chegada da Copa.
Com Neymar e Kaká, a coisa é mais grave. Os dois são atletas em atividade e podem vestir a camisa da seleção na Copa (o que é fato no caso de Neymar, o melhor jogador brasileiro da atualidade). Ambos romperam a aura de neutralidade que cerca o esporte e praticaram um governismo escancarado. Serviram de trampolim para Dilma Rousseff fazer seu discurso político: o de que os problemas na organização do mundial são pouco importantes e de que o Brasil vai realizar a #CopadasCopas.
Cabe lembrar que a realização da Copa é um assunto sensível para o governo federal, que está mobilizado para evitar, em 2014, a repetição das manifestações de junho. Será uma tarefa difícil pois, caso o diálogo com movimentos sociais em curso falhe atualmente, o governo terá apenas a Polícia Militar, e sua conhecida truculência, como ferramenta para garantir um mundial tranquilo.
Em inúmeros posts, o Esporte Fino defendeu o engajamento de atletas na política. Além de cidadãos, e portanto terem o direito de se expressar, são símbolos para muitas pessoas. Isso deve ser feito, no entanto, com vistas a mais diálogo e mais participação política por parte da sociedade. Neymar e Kaká serviram de escada para um discurso oficial cujo objetivo, ainda que não declarado, é suprimir o (de fato temeroso) clima de #nãovaitercopa que assusta o Planalto. Ocorre que este tipo de discurso tem como vítima incidental quem meramente deseja exercer o direito de criticar a realização da Copa e sua organização. Debater e participar são atos inerentes à democracia, mas suprimir o dissenso está longe de ser ato republicano.
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A seleção está a serviço do governo Dilma? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU