Por: Caroline | 24 Janeiro 2014
“Assegurar a neutralidade da rede surge como uma necessidade básica para permitir a liberdade de informação e expressão, e também para garantir a visibilidade dos produtores culturais regionais que não são massivos”, afirma a socióloga Natalia Calcagno, da Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Página/12, 23-01-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Qual o valor da criatividade na era digital? A internet é apenas um suporte? Há sentido em um sistema jurídico que protege os direitos de reprodução em um entorno tecnológico baseado justamente na possibilidade de copiar facilmente? Qual é o papel do Estado frente à transformação tecnológica?
Estas e outras perguntas foram os eixos do Fórum para uma Agenda da Cultura Digital, na Argentina, realizado no último mês de setembro na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires. Organizado pelo Sistema de Informação Nacional da Cultura Argentina (SInCA), ligado a Secretaria de Cultura da Nação, as jornadas de trabalho analisaram os aspectos econômico, social, tecnológico e regulatório. E chegou-se a uma primeira grande conclusão: há problemas e desafios que surgem na era digital e que ainda não estão claros e nem foram suficientemente debatidos, deste modo é necessário definir uma agenda para a cultura digital, de maneira coletiva e plural, antes que ela seja definida por um pequeno aglomerado de grandes grupos econômicos interessados na questão.
Primeiramente, é fundamental, prioritário e até mesmo óbvio, que com o atual desenvolvimento tecnológico se faz necessário reduzir ao mínimo a exclusão digital, isto é, é necessário incluir a todos nos usos das novas tecnologias, visto que, se isso não ocorrer, aprofundam-se os abismos sociais, políticos, econômicos e culturais de maneira que os direitos são enfraquecidos.
Rodolfo Hamawi, diretor nacional das Indústrias Culturais, apontou outro nó a ser resolvido: “No mundo digital, a concentração econômica não desaparece e, em alguns casos, chega a se acentuar. Quando há uma lógica comercial na circulação dos conteúdos culturais, o Estado deve regulá-los para garantir o acesso e evitar a exclusão”. Na internet há cerca de 700 milhões de sítios ativos; 500 milhões de compartilhamentos de fotos por dia e o download de aproximadamente 100 horas de gravação no YouTube. Contudo, os grandes canais para acesso a uma produção semelhante são muito poucos – Google, Yahoo, Facebook ou YouTube – e estes determinam a forma através da qual as pessoas acessam a Internet e, por estes canais, veem o mundo.
A digitalização abre também uma nova dimensão sobre o direito à informação. E isso fica claro, por exemplo, nas novas Constituições dos países latino-americanos como Equador, Bolívia ou México, que disponibilizam o acesso as TIC e a Internet como direito constitucional.
A “nuvem”, isto é, este acúmulo inacabável de conteúdos que parece ao mesmo tempo estar em nenhuma e em todas as partes, hierarquiza o consumos de maneira globalizada, através dos sítios de busca. São estes que definem os conteúdos que os usuários veem (o os que não veem) indexando buscas e priorizando alguns sítios em relação a outros. Neste sentido, assegurar a neutralidade da rede surge como uma necessidade básica para permitir a liberdade de informação e expressão, e também para garantir a visibilidade dos produtores culturais regionais que não são massivos. “A nuvem não é outra coisa a não ser um monte de servidores em um sótão escuro de Idaho, regidos pelas leis de onde estão os tais servidores”, indicou Beatriz Busaniche, secretária da Fundação Via Livre, para destacar a necessidade de implementar uma neutralidade à rede, para que evite manipulações dos grandes globais.
E o que acontece com o direito autoral, quando as tecnologias digitais não fazem outra coisa a não ser copiar informação de um dispositivo para outro? “A criatividade deveria encontrar no digital uma oportunidade de novamente se valorizar. É um bom momento para repensar o justo valor que a criatividade deve ter, transformando os paradigmas da era industrial”, afirmou Roberto Igarza, especialista em comunicação e tecnologias. Outro tema que deve ser resolvido: como compatibilizar a liberdade de acesso com a propriedade intelectual; como garantir aos autores que vivam de suas criações, com a justa retribuição de seu trabalho.
No Fórum, do qual participaram, entre outros, Pedro Less Andrade (diretor do Google Argentina), Osvaldo Nemirovsky (TDA), Silvina Reyes (Câmara Argentina de Comércio Eletrônico), Washington Uranga (jornalista do jornal Página/12), Hernán Botbol (fundador do Taringa!) e Víctor Yunes (Sadaic), a temática que atravessou todos os painéis foi a do papel do Estado. Sem dúvida, a intervenção do público no mundo digital se traduz a partir de iniciativas como o Conectar Igualdade que, a partir de cada computador, distribuiu milhares de conteúdos e ferramentas que permitem gerá-los. Ou a Televisão Digital Aberta, uma inovação gratuita e massiva com forte sentido de inclusão. Ou ainda a Argentina Conectada, que direciona o investimento público para onde não chega o privado, fazendo a instalação de cabos para o acesso a Internet em áreas vulneráveis ou de baixa densidade populacional.
Esses diversos tipos de intervenção estatal na esfera da cultura digital – regulando relações, provendo infraestrutura, equipamento, conectividade e conteúdos – são necessários para que o mundo conectado seja um espaço em que todos possam exercer seu direito a se expressar e a se informar com liberdade e igualdade. E, nesse sentido, são os não conectados que mais necessitam do Estado para não ficarem excluídos de uma nova etapa civilizatória, na qual os bens culturais se desmaterializaram, transformando-se em bytes que modificam as pautas de consumo e de produção cultural.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Uma agenda para a cultura digital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU