21 Janeiro 2014
Não foi um passeio a audiência sobre os abusos de crianças na Igreja católica, à qual o Vaticano precisou submeter-se em Genebra ante o Comitê para os direitos humanos das Nações Unidas, enquanto subscritor da Convenção para a proteção da criança.
A reportagem é de Marco Politi e publicada pelo jornal Il Fatto Quotidiano, 20-01-2014.
A inquirente Sara Oviedo – refere a Associated Press – “pôs sobre a grelha” a Santa Sé com as suas questões sobre os emperramentos dos casos de pedofilia. A questão é a mesma há anos. De um lado, o Vaticano sustenta não ser o chefe direto das centenas de milhares de padres espalhados pelo mundo, e do outro é fora de dúvida que somente no momento em que Bento XVI decidiu virar a página – com novas normas – com respeito à tradicional lei do silêncio, algo começou a mover-se em nível internacional.
Mas, muito ainda falta fazer. Porque, enquanto há bispos que se moveram com seriedade já antes da virada de Bento XVI – USA e Alemanha, para citar alguns – organizando estruturas nacionais de apoio às vítimas e de monitoramento do fenômeno, a conferência episcopal italiana continua uma linha de gritante inércia. Os documentos que citamos referem-se a dois casos. Um caso de abuso acontecido em Acireale a história do padre Conti, pároco romano condenado a catorze anos por abusos pela Corte de Apelação de Roma e perante o qual as autoridades eclesiásticas não tomaram até agora nenhuma medida.
Em Acireale vive uma mãe que ficou sabendo transtornada que seu filho – hoje com 38 anos e pesquisador em oncologia em Nova York – foi abusado aos catorze anos num período de quase dois anos por um padre amigo, C. C.. Na cidade é considerado uma pessoa culta e carismática, mas durante o processo canônico emergiram – refere o advogado Giampiero Torrisi – “outros dois casos de assédios”.
Após anos de sofrimentos mantidos em segredo, em 2012 a vítima Teo Pulvirenti conduz ante o tribunal eclesiástico o padre que havia abusado dele. É um caso de boa justiça eclesiástica em nível diocesano.
O bispo, dom Antonino Raspanti, realiza rapidamente a indagação preliminar, apura que os fatos merecem um processo, abre-se o procedimento e o tribunal eclesiástico de primeira instância reconhece a culpabilidade do padre C..
Escreve o bispo a Pulvirenti: “Neste grau o sacerdote foi considerado responsável dos abusos denunciados. Ele deverá, portanto, submeter-se a algumas restrições, em observância das quais deverá morar por alguns anos fora da Diocese, não assumindo encargos eclesiais e não desenvolvendo o ministério em público”. É o dia 7 de agosto de 2013.
Padre C. recorre à Congregação junto à Doutrina da Fé, mas, ainda antes do recurso, e desafia publicamente a sentença circulando pela cidade. “Pôs-se a passear no centro diante da Catedral”, conta o advogado Torrisi, defensor de Pulvirenti. Uma provocação que visava demonstrar que absolutamente não tomava em conta as medidas de interdição.
O bispo não sabe como obrigar o padre abusador, a conferência episcopal é notoriamente ausente, a mãe de Pulvirenti escreve desesperada uma carta ao Papa Francisco, pedindo um “sinal concreto de proximidade a quem sofre“ e denunciando que a sentença deveria tê-lo colocado “em condições de não mais fazer mal a nenhum garotinho. E espero de todo o coração que seja assim. Espero, mas não tenho certeza disso...”.
Dirigir-se ao Papa não é uma moda, é a esperança extrema para quem vê que o aparelho eclesiástico é obstruído e a justiça não aplicada. É claro que o bispo local teria necessidade de toda a ajuda concreta da CEI para “aplicar a lei” ante o padre responsável pelos abusos. Mas, não é assim. A contraprova desta intolerável passividade da CEI se tem na troca de cartas entre o presidente da associação “Caramella Buon onlus”, o católico Roberto Mirabile, e o presidente da CEI, cardeal Bagnasco.
A associação defende há anos as vítimas no difícil caminho de elaboração da violência sofrida e na obtenção de justiça. Mirabile defendeu Teo Pulvirenti e interveio no caso Conti. Pároco de Selvacandida, Ruggero Conti foi condenado em maio passado, em apelação, a catorze anos e dois meses por violência contínua e agravada em detrimento de uma série de menores. As vítimas esperam com ânsia a sentença de Cassação, mas sabem que Conti está esperando que o passar dos meses o leve à prescrição. (Um dos efeitos da lei Cirielli, graças a Berlusconi).
A coisa surpreendente é que, diversamente de Acireale, as autoridades eclesiásticas romanas não moveram um dedo. Mirabile escreve a Bagnasco aos 3 de junho de 2013, perguntando “que medida o Vaticano pretende atualmente tomar ante o Bispo Dom Gino Reali, claramente chamado em causa no decurso do procedimento judiciário... (que) embora tendo sido mais vezes informado dos episódios equívocos de Conti, havia mantido durante anos um comportamento a bem dizer pouco favorável e, em todo o caso, de não-intervenção”.
Mirabile também levanta a questão do ressarcimento das vítimas que, por exemplo em Acireale, foi implantado corretamente, reconhecendo-o à vítima. A resposta, firmada pelo subsecretário da CEI, é uma obra-prima de evasivas. Citam-se belas intervenções de Bento XVI e Francisco, explica-se que a CEI estabeleceu linhas-guia, nas quais foi “claramente afirmado que assume importância fundamental acima de tudo a proteção dos menores e a atenção com as vítimas dos abusos” e se conclui elegantemente que “ neste quadro não cabe à Conferência episcopal italiana avaliar “que medida o Vaticano pretende atualmente tomar ante o mesmo padre Conti’, como também exime das competências desta Conferencia episcopal... a apresentação de escusas às vítimas e a avaliação referente a eventuais ressarcimentos”. Distintas saudações e quem foi visto, foi visto.
Ajudem-nos, o culpado está entre nós.
Santo Padre, quem lhe escreve é uma mãe de Acireale, cidade que há tempo vive o peso de uma vergonha até hoje não solucionada. Meu filho Teo, o segundo filho, é hoje um homem de 38 anos. É um conhecido pesquisador no campo do tumor de cérebro e vive em Nova York.
Um dia, meu filho me chama e me pede de partir para Nova York. Vou encontrá-lo e me conta que sofreu abusos sexuais durante a adolescência. A escuridão se torna ainda mais profunda quando meu filho me diz que a pessoa que abusou dele foi um caríssimo amigo nosso, nosso ponto de referência, pároco da nossa comunidade.
O sangue se me congelou nas veias. E se me congela a cada segundo, a cada instante quando penso naquilo que sofreram meu filho e outros, outros como ele.
A sentença do processo canônico em primeira instância já está concluído com a condenação desta pessoa; mas, não respeitando a sentença, o padre continua a circular pela cidade (precisamente, parece ter entrado há algum tempo nos locais da basílica de São Sebastião, onde era precisamente decano)...
O objetivo (da sentença) era que fosse colocado na condição de não mais fazer mal a nenhum garotinho. E espero com todo o coração que seja assim. Espero, mas não tenho certeza.
Santo Padre: dê-me o Senhor esta certeza, faça de modo que a Igreja dê um sinal CONCRETO de proximidade a quem sofre. Ajude meu filho, ajude minha cidade. Escrevo-Lhe como filha, escrevo-Lhe como amiga, escrevo-Lhe como mãe. Mariolina, Uma mãe.
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Cúria condena mas padre a desafia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU