21 Janeiro 2014
A quem pergunta: “Como se podem evitar outras mortes no Mediterrâneo?”, respondo: “Vinde ver como vivemos, onde habitamos, olhai as nossas escolas, informai-vos dos nossos jornais, caminhai pelas nossas estradas, escutai os nossos políticos. Antes da enésima lei, da enésima medida extraordinária, empenhai-vos em conhecer-nos, em encontrar as respostas no lugar do qual se escapa e não naquele ao qual se procura chegar", escreve Awas Ahmed, um somaliano refugiado da Itália, em depoimento publicado pela revista Popoli, 17-01-2014. A tradução é de Benno Dischinger.
O depoimento foi registrado pela Fundação Astalli.
Eis o artigo.
A quem pergunta: “Não era melhor permanecer em casa antes do que morrer no mar?”, respondo: “Não somos estúpidos, nem loucos. Somos desesperados e perseguidos. Permanecer significa morte certa, partir quer dizer morte provável. O que tu escolherias? Ou melhor, o que escolherias para os teus filhos?” Dois jovens foram mortos ontem em Mogadíscio porque estavam se beijando sob uma árvore. Tinham vinte anos. Não festejarão outros aniversários e não se beijarão mais.
A quem pergunta: “O que vocês esperavam encontrar na Europa? Não há trabalho para nós nos preocuparmos com os outros”, respondo: “Procuramos salvação, futuro, procuramos sobreviver. Não temos culpa se nascemos do lado errado e, sobretudo, vocês não têm nenhum mérito de ter nascido do lado certo”.
Meu cunhado fugia comigo. Antes do mar existe o deserto que ameaça tantos quantos ameaça o mar. Mas, aqueles cadáveres não comovem porque não são vistos na TV. Porque não existe um jornalista que pergunta repetidamente quantas mulheres e quantas crianças morreram, e quantas estavam grávidas. Porque aqui, no Ocidente, às vezes parece que o horror não basta, há necessidade de pathos [de paixão].
Meu cunhado morreu no deserto. De fome. Após 24 dias nos quais ninguém lhe deu de comer. Em casa está uma mulher que não se resigna e espera um telefonema que eu sei que jamais chegará. Em casa está aquilo que resta de um sonho, de um projeto, de uma vida. Uma passagem para dois é complicado pois os traficantes fazem pagar muito caro e eles não tinham o dinheiro para isso. Se ele tivesse permanecido, teriam assassinado ambos. O seu último presente para ela foi a vida. Ele fugiu e ela não era mais útil, e por isso a deixaram viver.
A quem pergunta: “Como se podem evitar outras mortes no Mediterrâneo?”, respondo: “Vinde ver como vivemos, onde habitamos, olhai as nossas escolas, informai-vos dos nossos jornais, caminhai pelas nossas estradas, escutai os nossos políticos. Antes da enésima lei, da enésima medida extraordinária, empenhai-vos em conhecer-nos, em encontrar as respostas no lugar do qual se escapa e não naquele ao qual se procura chegar. Modificai a perspectiva, colocai-vos nos nossos panos e procurai viver um dos nossos dias. Entendereis que os criminosos que nos faze subir no barco inflável, enfrentar o deserto, o mar, o ódio e a indiferença que muitos de nós encontramos aqui não são o pior dos males”.
Na mesa a primeira acolhida
Hoje após o meio-dia umas 400 pessoas se põem em fila ao longo da calçada da via degli Astalli, junto à Piazza Venezia, em Roma, e esperam que chegue o seu turno para poder comer na mesa do Centro. Desde sempre, mulheres e crianças têm a precedência em relação aos homens no ato de entrar e tomar lugar em torno de uma mesa.
O almoço é servido em torno das 15h, para garantir a quem vive ao relento a possibilidade de consumir uma refeição quente e passar pelo menos as horas centrais do dia num lugar protegido tanto do inverno como do verão. A comida é preparada sem usar carne de porco e álcool, em respeito ao alto percentual de pertencentes à religião muçulmana.
Preciosa é a colaboração com o Banco de Alimentos, que garante comida, leite e alimentos de longa conservação. Muitos entre os voluntários do Centro Astalli começaram o seu serviço à mesa. Oferecer um prato e trocar algumas palavras com os refugiados são gestos simples que encerram o sentido de um serviço fundamental para quem, após ter vivenciado violências e perseguições, necessita de relações humanas positivas. No longo corredor da mesa, além disso, graças à presença de operadores legais, médicos e mediadores, os refugiados podem receber a orientação necessária para iniciar os primeiros passos na Itália.
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