Por: Caroline | 13 Janeiro 2014
“Não peça a um simples cura que julgue ao Papa. Sei apenas que gostava muito dos legionários”. Assim falou Félix Alarcón (foto), quando o questionaram acerca da passividade culposa de João Paulo II e do cardeal Joseph Ratzinger frente às denúncias contra o pederasta Marcial Maciel. Alarcón foi uma de suas vítimas. Quando disse basta aos abusos sexuais de seu superior, foi exilado para os Estados Unidos onde, finalmente, exercitou o sacerdócio, sob as ordens de um bondoso bispo. Antes, havia encerrado seus estudos na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma, com notas extraordinárias. E, mas tarde foi um dos oito que denunciaram o fundador pederasta. Foi caluniado, marginalizado, perseguido. De maneira cruel e incessante.
A reportagem é de Juan G. Bedoya, publicado por El País, 08-01-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/Ghb750 |
“Acabo de ler um livro sobre a investigação que demonstra que o Vaticano tem 240 documentos que evidenciam que a situação já era de amplo conhecimento antes de a reconhecerem publicamente. Nossa carta (de denúncia) é do ano de 88 e, enquanto Ratzinger esteve como cardeal, essa batata quente foi passada de mão em mão, sem que fosse tomada nenhuma medida”, recorda Alarcón, que agora mora em sua casa em Madrid.
Próximo de completar seus 80 anos, cuida de uma irmã doente que, em maio, completará 94 anos. “Sou seu enfermeiro, cozinheiro, companheiro, não me separo dela”, contou em conversa com o jornal espanhol El País, às vésperas da Natal. Foi sua maneira de se desculpar por não conceder uma entrevista neste dia. Mas permitiu, em troca, que a conversa fosse retomada “quando passe os Reis”. Entre as duas conversas, ocorreu um fato que o emocionou. No dia 28 de dezembro, o secretário geral dos Legionários, Jaime Rodríguez, foi à casa de Alarcón para falar do sofrimento passado e também sobre o futuro. E uma surpresa ainda mais agradável: trazia, de Roma, um convite para que ele fosse falar frente ao Capítulo geral, que teve início ontem.
“Pareceu-me um gesto de esperança”. Todavia não o aceitou. “Não me sinto com forças”. Então, recebeu outra oferta, igualmente honrosa: que gravasse uma mensagem ao Capítulo. E o fez através do telefone móvel de Rodríguez. Em dois minutos, o padre Alarcón pediu aos 61 padres capitulares que “abracem a verdade para que possam ter um futuro”.
Denunciou, foi caluniado, marginalizado e perseguido.
Félix Alarcón lembrou, frente ao enviado de Roma, o quanto sofreu. “Estes jovens legionários são pessoas valiosas que não sofreram o que nós vivemos. Ainda que não possam pagar um preço exorbitante, é uma questão de justiça que retomem a memória histórica, que peçam perdão, que purifiquem o passado, por mais doloroso que seja. Mas, a partir das minhas experiências, acredito que a Legião – tal como a conhecemos – deveria ser eliminada. As congregações religiosas se sustentam no carisma do fundador. Se olhares ao fundador dos legionários, verá que se trata de um mistério aterrorizante”.
Finalmente, não houve uma entrevista longa, mas duas conversas por telefone de alguns poucos minutos cada. Sugeriu que buscássemos as suas palavras na entrevista que concedeu ao sítio Religión Digital, no último 16 de dezembro. “Ali disse tudo o que acredito que devo dizer agora”. A entrevista publicada no Religión Digital teve uma enorme repercussão no universo eclesiástico, visto que são as palavras de um dos primeiros legionários, um de seus cofundadores, que abriu casas da Legião em muitos países.
Os abusos foram permanentes, em todos os lugares. Como pôde suportá-los? “Éramos muito jovenzinhos e o padre Maciel tinha um carisma impressionante. Vivíamos em conflito com o mistério de combinar os abusos com sua condição de fundador. Quando tudo isso foi posto da boca para fora, cada um de nós teve uma reação diferente. Mas você também passou por isso? Pensava que era apenas comigo. E então surgia a vergonha, a vontade de se esconder. Descobrimos que a coisa foi muito mais perversa do que acreditávamos. Eu enfrentei o padre, mas isso me custou muito, porque o abuso psicológico era muito pior do que o sexual. Eu cantava muito bem e me levavam para cantar as abadias, me faziam cantar para os cardeais quando vinham visitar, me usavam para isto. Minha família já havia passado por tanta tragédia... Meu pai e meu irmão estavam enterrados em Paracuellos, na Espanha, fuzilados na Guerra Civil. Não tinha ninguém que pudesse chamar de pai. E o padre Maciel o era. Todavia rapidamente deixou de sê-lo”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A Legião – como a conhecemos - deveria ser eliminada”, diz vítima de Maciel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU