08 Dezembro 2013
Pouco distingue o Papa Francisco das declarações proféticas dos seus antecessores. O que ele oferece não é "marxismo", como diz o radialista norte-americano Rush Limbaugh (foto), mas sim a sólida doutrina social católica que remonta a mais de um século.
A opinião é de Robert Ellsberg, editor da Orbis Books, do movimento missionário católico Maryknoll. O artigo foi publicado no sítio da CNN, 03-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A personalidade do rádio Rush Limbaugh se declarou perplexo com as recentes declarações papais "sobre os males absolutos do capitalismo". Em seu comentário, intitulado It's Sad How Wrong Pope Francisco Is (Unless It's a Deliberate Mistranslation by Leftists) [É muito triste como o Papa Francisco está errado (a menos que seja um erro de tradução deliberado por esquerdistas)], Limbaugh disse que as observações remontam a "um puro marxismo apenas saindo da boca do papa". De fato, isso seria realmente notável, se fosse verdade. E é?
Limbaugh se refere à nova exortação apostólica Evangelii Gaudium, ou "A alegria do Evangelho", na qual o Papa Francisco expõe a sua visão sobre a proclamação do evangelho por parte da Igreja.
Para os católicos, entusiasmados com o estilo descuidado do papa, o documento oferece uma refrescante partida do tom tradicional: "Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa", lamenta o papa. "Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura". Ele denuncia uma espécie de "mundanismo espiritual", que "se esconde por detrás de aparências de religiosidade", adverte contra os "caras de vinagre" que substituiriam o amor de Jesus Cristo por um amor da Igreja, e rejeita uma derrotista "psicologia do túmulo", que transformaria os cristãos em "múmias de museu".
E, no entanto, a imprensa certamente se focou naquelas várias páginas – em um documento de 50 mil palavras – que oferecem uma crítica vívida do sistema econômico global, que o Papa Francisco define como uma "economia da exclusão e da desigualdade". Aqui, critica Limbaugh, "o papa já foi muito além do catolicismo, e isso é pura política". Mais "entristecido" do que indignado, Limbaugh afirma que "é muito claro que o papa não sabe do que está falando quando se trata de capitalismo e socialismo, e assim por diante".
Na verdade, as palavras "capitalismo" e "socialismo" não aparecem no documento. Mas não é difícil discernir o sentido do papa: "Assim como o mandamento 'não matar' põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer 'não a uma economia da exclusão e da desigualdade social'. Esta economia mata".
Como primeiro papa do hemisfério Sul, como alguém que experimentou o colapso financeiro da economia argentina, como um bispo que encorajou seus padres a trabalharem nas favelas, o Papa Francisco conhece a economia mundial a partir da perspectiva dos que estão embaixo. Condenando a idolatria do dinheiro, ele se posiciona firmemente contra um "mercado divinizado", em que as massas de seres humanos tornam-se espectadores impotentes, se não "sobras" descartáveis.
Limbaugh, que admite não ser católico, embora diga que foi "tentado várias vezes a buscar isso", no entanto, afirma: "Conheço o suficiente para saber que seria impensável para um papa acreditar ou dizer isso há apenas alguns anos".
Mas pouco distingue o Papa Francisco das declarações proféticas dos seus antecessores. O que ele oferece não é "marxismo", como diz Limbaugh, mas sim a sólida doutrina social católica que remonta a mais de um século. Tanto o Papa João Paulo II quanto Bento XVI foram explícitos nas suas advertências contra o capitalismo liberal e a ditadura do mercado, produzindo encíclicas que, pela sua ênfase na justiça social e na "opção pelos pobres", certamente se qualificariam para Rush Limbaugh como o próprio elixir do "marxismo".
No entanto, o Papa Francisco pode ter tocado uma ferida específica. No parágrafo mais citado do seu documento, ele observa:
"Neste contexto, alguns ainda defendem as teorias da 'recaída favorável' [trickle down] que pressupõem que todo crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Essa opinião, que nunca foi confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e os mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante. Entretanto, os excluídos continuam esperando".
Aqui, você pode dizer que ele está indo para o lado pessoal, dando um passo para além dos apelos familiares pelos pobres para confrontar um artigo central da fé entre os beneficiários de elite da nossa economia: a noção de que tudo o que beneficia os mais ricos – cortes de impostos ou desregulamentação financeira – inevitavelmente irá beneficiar os de baixo.
Independentemente se isso é confirmado pelos fatos, o Papa Francisco ataca os efeitos corrosivos de tal ideologia sobre a nossa capacidade de compaixão e de preocupação pelos outros.
"A cultura do bem-estar nos anestesia, a ponto de perdermos a calma se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas essas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma". Limbaugh acha essa declaração em particular tão desconcertante que ele a repete três vezes.
Os comentaristas de negócios pode se levantar em defesa do mercado. Mas o Papa Francisco não está interessado principalmente em um debate sobre a "criação de riqueza". Ele se posiciona em uma tradição que remonta aos profetas de Israel, cujo decisivo teste moral era o bem-estar dos últimos e mais vulneráveis membros da sociedade.
O Papa Francisco assumiu para si a tarefa de falar por aqueles que não têm voz, de despertar a consciência dos cristãos e de contribuir por uma cultura da solidariedade. Ele anseia por uma "Igreja pobre para os pobres". Talvez o que o distingue dos seus antecessores é simplesmente que ele identificou isso como um foco central e evidentemente tem a intenção de manter a Igreja responsável por essa missão.
Claro que ninguém se preocupa com um papa que abraça os doentes e ama os pobres. Mas quando ele se atreve a refletir sobre as causas morais e estruturais da pobreza, essa é outra questão.
Como Dom Hélder Câmara, outro arcebispo profético da América Latina, observou notoriamente, "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista". Certas coisas nunca mudam.
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O Papa Francisco é comunista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU