03 Dezembro 2013
Jon Lee Anderson, jornalista da revista New Yorker, biógrafo de Che Guevara e autor dos mais completos perfis de líderes latino-americanos como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e o ditador chileno Augusto Pinochet, acredita que, se estivesse vivo, Che Guevara veria os governos de esquerda na América Latina como "um bando de superficiais".
"Dilma (Rousseff), Brasil... Isso não é governo de esquerda, isso é outra coisa, é desenvolvimentismo! Velar, finalmente, pelos 40 milhões de cidadãos mais miseráveis que vivem na merda em seus casebres e entregar a eles R$ 100 mensais não faz de você um governo de esquerda. Isso é pragmatismo puro!", diz.
Lee Anderson também não poupa o Brasil de sua crítica afiada sobre a censura a biografias. Para escrever Che Guevara - Uma biografia, lançada em 1997, ele se mudou com a mulher e os três filhos para Cuba por três anos, parte dos quais escreveu à frente da mesma escrivaninha usada pelo revolucionário marxista, cercado por seus livros e anotações no escritório da casa onde Che viveu com sua segunda mulher, a cubana Aleida March.
O jornalista americano esteve no Rio para ministrar uma oficina de reportagem promovida pela Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-americano, em parceria com as revistas Piauí e Serrote e o Instituto Moreira Salles.
A entrevista é de Adriana Carranca, publicada no jornal O Estado de S.Paulo, 01-12-2013.
Eis a entrevista.
Se Che Guevara acordasse hoje, o que ele acharia da esquerda na América Latina?
O Che diria que são um bando de superficiais. Como figura pública, ele os defenderia, porque os veria como a única possibilidade de manter viva a esquerda na América Latina, mas em particular, estou seguro de que seria um crítico severo desses regimes, que não são verdadeiramente de esquerda. São matutos, corruptos que ostentam ser de esquerda. Argentina, Brasil, Nicarágua, Equador... Parecem-me bem pragmáticos. Correa (Rafael, presidente do Equador), entregou o Yasuní aos chineses (o governo autorizou a exploração de três blocos de petróleo sobre o Parque Nacional de Yasuní, decisão ligada à dívida de US$ 10 bilhões que tem com a China). Talvez a Bolívia seja uma exceção porque lá a esquerda não era só uma questão de economia, mas de reivindicação histórica. Então, Che veria que finalmente o país mais indígena da América Latina tem um presidente indígena e isso seria de grande orgulho para ele. Ele seria um amigo da Bolívia, ainda que em particular pudesse ter reservas sobre aspectos desse período mais pragmático.
Como veria as mudanças que o regime de Raul Castro está fazendo em Cuba?
Che tinha a cidadania cubana e estava relacionado com a revolução, então, se manteria firme ao lado de Cuba, embora olhasse com horror a abertura inevitável que estão dando agora e a volta ao capitalismo. Ele veria isso como um fracasso. Em 1964, ele prognosticou que a União Soviética colapsaria porque não tinha assumido um socialismo verdadeiro como ocorreu em Cuba. Então, internamente, seria um crítico das mudanças de Castro, mas publicamente manteria o apoio ao país porque ainda tem um simbolismo frente ao capitalismo. E estaria orgulhoso por Cuba continuar firme ainda que de maneira simbólica como vestígio de algo que poderia se relançar.
E o que diria sobre a esquerda no Brasil?
Dilma (Rousseff), Brasil... Isso não é governo de esquerda, isso é outra coisa, é desenvolvimentismo! Velar, finalmente, pelos 40 milhões de cidadãos mais miseráveis que vivem na merda em seus casebres e entregar a eles R$ 100 mensais não faz de você um governo de esquerda. Isso é pragmatismo puro! Um país que deu terras indígenas para criação ilegal de gado em favor dos pecuaristas... Isso é esquerda? Não.
O sr. fez um dos mais completos perfis de Hugo Chávez. Como vê o seu legado?
Chávez tinha boas intenções. Tentou governar para os pobres. Encarnava a revolução bolivariana. Mas teve 14 anos para construir seus ideais e não conseguiu fazer as reformas sociais e econômicas que queria. Seu carisma era fascinante. Quando vivo, havia sinais de que não ia bem, mas as pessoas gostavam dele. No rastro de sua morte, porém, não há mais nada. Ele deixou para trás uma base militante e um país de um só partido altamente corrupto. Maduro é claramente inapto e incompetente. Está basicamente tentando evitar que o barco afunde. Não fosse um país com petróleo, haveria sangue nas ruas agora. É um desastre.
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'Che acharia a esquerda de hoje superficial' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU