07 Novembro 2013
Trinta e oito perguntas sobre a família, as uniões de fato, a contracepção, as relações homossexuais… dirigida aos de baixo, às famílias, à comunidade dos crentes.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no sítio Il Fatto Quotidiano, 6-11-2013. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.
A revolução de Francisco completa mais um passo à frente. Simples como o ovo de Colombo, ousado como a transição da monarquia absolutista para um governo em que o “chefe” escuta o seu povo. Durante cinquenta anos, desde que Paulo VI levou ao Concílio o poder de cuidar do tema da contracepção, e desejava resolvê-lo com a encíclica Humanae Vitae (mesmo contra o parecer da maioria das comissões criadas por ele, que acreditava possível o uso dos contraceptivos em certos casos), a Igreja, hierarquia de celibatários, sempre explicou do alto qual é a “verdade”, quais são os ditames da “natureza”, qual é a maneira “correta” de relacionar-se no plano sexual, sem jamais aproveitar a experiência das centenas de milhões de homens e mulheres que vivem essas relações. Durante séculos, a comunidade dos crentes foi tratada como um rebanho especialmente nesse campo; agora Francisco lhe restitui a palavra. Fá-lo sem colocar em discussão a doutrina, mas colocando-se como um padre que deseja confrontar-se com a existência de seus fiéis, com seus problemas, com suas dúvidas e com seus desejos.
O teor das perguntas – que o Vaticano publicou ontem – é de uma concretude desarmante, e torna visível a aproximação estratégica, assim tão bem descrita por Francisco em sua entrevista-manifesto à revista dos jesuítas “Civilização Católica”: “Quem hoje procura sempre por soluções disciplinares, quem tende de maneira exagerada à ‘segurança’ doutrinária, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido tem uma visão estática e involuída. E, desse modo, a fé torna-se uma ideologia entre tantas outras”. E assim, as perguntas são um pedido sincero aos bispos e à comunidade de crentes para expressarem a realidade tal qual ela o é, porque não há sentido em decidir com base em padrões e ditames abstratos. Por exemplo, como se posicionam as Igrejas locais “no confronto das pessoas envolvidas em uniões do mesmo sexo?” “Qual é a atenção pastoral voltada para essas pessoas?”. E – ainda mais importante – no caso de um casal gay que “tenha adotado filhos, o que é possível fazer pastoralmente à luz da transmissão da fé?” E ainda “… os pais (dos casais homossexuais) como se relacionam com a Igreja?” De repente, todas as categorias tratadas no passado como leprosas, e, em tempos recentes, como os samaritanos no tempo de Jesus (os condenados por uma maneira errada de viver, não como os fariseus justos!) tornam-se pessoas a quem se dirige, com a atenção humana inseparável desse ministério.
A Igreja de Wojtyla e de Ratzinger, que já sabia dizer aos divorciados recasados um seco “não” à solicitação de poder tomar a comunhão – Francisco contrapõe a simplicidade do questionário: “Que perguntas têm os divorciados recasados à Igreja em respeito aos sacramentos da eucaristia e da reconciliação? Entre aquelas pessoas que se acham nessa situação, quantos pedem esses sacramentos? Uma simplificação dos procedimentos canônicos no reconhecer a declaração de nulidade do vínculo matrimonial poderia favorecer uma contribuição positiva para a solução dos problemas das pessoas envolvidas?”.
A primeira lição que se tira desse evento é que, pela primeira vez, um papa quer escutar aqueles que as Igrejas locais dizem estar embaixo, em todas as partes do mundo. Mas há um segundo aspecto significativo que diz respeito à dificuldade que a revolução de Bergoglio encontra e encontrará. O questionário foi enviado há muito tempo às conferências episcopais. Portanto, os bispos da Inglaterra e do País de Gales colheram o espírito do ponto de viragem de Francisco, e, imediatamente, colocaram o questionário na Internet, pedindo explicitamente aos fieis que o respondesse, com uma transparência total, estimulando os interlocutores na sua precisa experiência de vida. Um a um: leigos, pais, catequistas, membros de associações, padres, capelães etc.
A maioria dos bispos, da Itália aos Estados Unidos, ao contrário, reteve para si o questionário: na óptica tradicional de elaborar do alto – e com prudentes consultas bem orientadas – as respostas a serem enviadas ao papa (formalmente à secretaria do Sínodo dos Bispos), que as pediu em um prazo de três meses. É por isso que Francisco deu a ordem de tornar público para o mundo inteiro o conteúdo do questionário. E, nessa linha, o secretário do Sínodo, monsenhor Lorenzo Baldisseri, comunicou à imprensa que cada fiel pode enviar suas respostas diretamente para o Vaticano. Francisco também pode bem reunir-se regularmente com o pontífice emérito Bento XVI, e entreter com ele relações cordiais de estima e de afeto sincero. Mas nada como a iniciativa do questionário caracteriza melhor a inversão de perspectiva e de ação do governo de Bergoglio em relação aos métodos dos pontificado de Wojtiyla e de Ratzinger. A Igreja está vivendo uma revolução. “Infelizmente”, pensam muitos prelados.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Revolução está nas perguntas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU