30 Outubro 2013
"o leilão de Libra não deveria ocorrer neste ano, nem no mandato de Dilma. Da mesma forma que a presidente, seguindo Lula da Silva, negou-se a escolher o fornecedor dos novos aviões-caça da Força Aérea Brasileira (isso sim questão de soberania nacional) não faria o leilão das jazidas. Deveria fazer a política do general romano Fábio, deixando o horizonte mostrar o caminho a tomar, com calma, perspicácia em perspectiva da sucessão presidencial. Afinal, o Planalto e aliados não vão trabalhar a reeleição do governo Dilma em 2014?", escreve José Alexandre Hage, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, em artigo publicado no jornal Valor, 29-10-2013.
Confira!
O holandês Henry Deterding (1866-1939) deve estar muito contente onde é que esteja por causa de sua Royal Dutch Shell. Da mesma forma o general Charles De Gaulle (1890-1970) também deve estar em paz com a petroleira francesa Total S/A. Já os chineses comemoram as boas novas por ter avançado mais uma casa no tabuleiro geopolítico por meio de duas empresas estatais: China National Offshore Oil Company (CNOOC) e China National Petroleum Corporation (CNPC).
A razão para isso é que a partir dos anos 1950, dos 70% do lucro de exploração para países exportadores e 30% para as petroleiras internacionais, cálculo estabelecido por Enrico Mattei, executivo da antiga estatal italiana AGIP, as grandes empresas estavam longe de ver algo como o ocorrido nas jazidas de Libra. Mesmo no período de "dessovietização" da Rússia e Ásia Central não havia fatias tão gordas.
A parcela de 41 a 42% de petróleo para a União é algo que deixou aquelas empresas satisfeitas, pois havia muito tempo que a Shell, por exemplo, não abocanhava 50 a 60% de nada. A Total era relativamente desconhecida no Brasil. Claro que para os operadores ela era marcante. Afinal, a francesa é incorporadora da célebre ELF. Mas para o grande público pouca gente a conhecia.
Petrobras já tinha ido ao mercado de capitais em 2010, quando conseguiu US$ 120 bilhões via
Jogada para fora de Angola pelos chineses, em 2005, a Total ascende na escala de internacional. Já as duas estatais chinesas avançam mais uma casa no jogo mundial do petróleo. Acompanhando a rota do sol, a China começou seu interesse por petróleo além-mar nas imediações da Ásia do Sul, Indonésia, passando pela África, Angola, e agora chega ao Brasil. A China procurou estreitar laços com os EUA, via petroleira Unocal da Califórnia, mas o Congresso (governo George W. Bush em 2004) não aprovou - alegou questão de segurança nacional.
Com a agressividade de Deterding e de Rockfeller as duas estatais chinesas vão explorar tudo que podem. Para elas pouca importa tirar 50%, 40% ou 20% de petróleo. Por que Pequim entrou na empreitada? Porque tem dinheiro e porque necessita de óleo; qualquer quantidade e qualidade. E a Total? Entrou no jogo porque ela é empresa secundária na América do Sul e entrar no Brasil se torna um alento.
A Shell entrou na disputa porque suas reservas no Mar do Norte estão minguando, as condições na Ásia e América do Norte, Golfo do México, não parece ser tão confortável para um gigante do setor.
E a Petrobras? Por minha conta e risco sua presidência se saiu bem na carreira, já que desejava o leilão de Libra e sabia que a estatal teria dificuldades de tocar sozinha o projeto. Descapitalizada em virtude de falta de planejamento estratégico, não dela em si, porque essa obrigação ela não tem a princípio, mas do Palácio do Planalto, a Petrobras encontra-se com o caixa baixo. É bom recordar que a Petrobras já tinha ido ao mercado de capitais em 2010, quando conseguiu algo em torno de US$ 120 bilhões via Bolsa de Nova York. Em parte, o dinheiro pulverizado para manter as contas em dia.
Caso a Petrobras ficasse sozinha com Libra, conforme a vontade de sua Associação de Engenheiros, sindicato e simpatizantes, poderia voltar novamente a buscar dinheiro no exterior? Acredita-se que sim. Mas ela teria de dar em troca seu próprio óleo - antes mesmo dele sair do poço. Foi isso mesmo que a estatal fez em 2010: deu um tanto de suas reservas como garantia. Em todo caso, qual seria a vantagem para a Petrobras já que, normalmente, quem dá dinheiro estabelece as regras?
Qual a é situação do governo federal? A presidência da República vai poder botar um pouco a cabeça fora d'água para respirar. Ideologicamente a presidente Dilma se saiu mal com boa parte da esquerda que agora a acusa de ser entreguista. Dilma é o Bob Fields do partido dos Trabalhadores. Por causa disso a mandatária passa a ser comparada a Fernando Henrique Cardoso. A comparação pode não ser feliz, uma vez que o governo Fernando Henrique, ao menos, gozava de prestígio nos setores empresariais afim com a internacionalização da economia brasileira. Já a administração Dilma está em zona nebulosa tanto com seus antigos apoiadores à esquerda (divergentes, mas apoiadores) e com os setores empresariais brasileiros e internacionais, cuja perspectiva era uma economia menos regulada.
Para concluir, o leilão de Libra não deveria ocorrer neste ano, nem no mandato de Dilma. Da mesma forma que a presidente, seguindo Lula da Silva, negou-se a escolher o fornecedor dos novos aviões-caça da Força Aérea Brasileira (isso sim questão de soberania nacional) não faria o leilão das jazidas. Deveria fazer a política do general romano Fábio, deixando o horizonte mostrar o caminho a tomar, com calma, perspicácia em perspectiva da sucessão presidencial. Afinal, o Planalto e aliados não vão trabalhar a reeleição do governo Dilma em 2014?
Outra questão. As petroleiras internacionais vão cumprir regras pré-estabelecidas, como a obrigatoriedade de comprar 30% a 70% de produtos industrializados no mercado nacional? Eis uma questão duvidosa. Duvidosa porque suas diretorias poderão alegar que produtos de alta complexidade não podem ser encontrados na indústria brasileira em virtude da "desindustrialização" ou da falta de elementos técnicos sofisticados, por isso comprá-los na Ásia. O que pode resultar daí? Pode resultar a premissa de que o Estado brasileiro não tem condições infraestruturais para imprimir autoridade sobre grandes empresas internacionais. Esta premissa pode ser leviana? Vamos esperar.
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O agitado mundo do petróleo e o leilão de Libra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU