28 Outubro 2013
Embora Georg Gänswein seja arcebispo e prefeito da Casa Pontifícia, para a maioria das pessoas do Vaticano ele ainda é "Don Giorgo", o clérigo que ganhou fama como secretário e braço direito do cardeal Joseph Ratzinger e depois Papa Bento XVI.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 25-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tal como o seu mentor, Gänswein vem mantendo um perfil bastante discreto, embora na última terça-feira ele tenha concedido uma entrevista à veterana vaticanista Franca Giansoldati do jornal italiano Il Messaggero, que continha algumas coisas interessantes.
Entre os destaques:
• Gänswein admite que o seu papel sem precedentes de servir a dois papas primeiro criou "algumas dificuldades, algumas experiências desagradáveis com relação a incompreensões e invejas", mas que, "as ondas se acalmaram".
• Ele confirma que Bento XVI não tem nenhuma intenção de publicar obras teológicas enquanto ainda estiver vivo: "O teólogo Ratzinger sabe que cada palavra pública sua poderia atrair a atenção, e qualquer coisa que ele dissesse seria lida ou a favor ou contra o seu sucessor".
• Gänswein também nega que ter dois papas vivos cria confusão sobre quem está no comando: "Quem conhece Bento XVI sabe que esse perigo não existe. Ele nunca se intrometeu e não se intromete no governo da Igreja, não faz parte do seu estilo". Ele também diz que há uma relação "de sincera estima e de afeto fraterno" entre Francisco e Bento XVI.
• De forma típica e ordenadamente alemã, Gänswein diz que os dias de Bento XVI em seu mosteiro em solo vaticano são "bem programados". O papa emérito, diz ele, reza, lê, ouve música, responde à correspondência (que, segundo Gänswein, é muita) e também recebe visitas. Todas as tardes, diz ele, os dois rezam o rosário juntos enquanto caminham pelo jardim atrás do mosteiro.
Do ponto de vista jornalístico, provavelmente o elemento mais interessante da entrevista surgiu na última pergunta, sobre o dia 24 de maio de 2012, data da demissão do economista e banqueiro italiano Ettore Gotti Tedeschi como presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), mais conhecido como banco vaticano.
Gänswein diz que se lembra bem desse dia, em parte porque foi o mesmo dia em que o mordomo de Bento XVI, Paolo Gabriele, foi preso como a "toupeira" do centro do escândalo de vazamentos no Vaticano. Gänswein insiste que não havia conexão entre os dois eventos, "apenas uma infeliz coincidência, até mesmo diabólica".
Eis o que ele diz sobre Gotti Tedeschi: "Bento XVI tinha chamado Gotti para o IOR para levar adiante a política da transparência e ficou surpreso, muito surpreso pelo ato de desconfiança para com o professor".
(Gotti Tedeschi foi demitido depois de um voto de não confiança por parte do conselho de superintendência do banco, um grupo de cinco membros leigos que inclui Carl Anderson, chefe dos Cavaleiros de Colombo. O conselho divulgou uma nota incomumente dura delineando nove supostas falhas por parte parte de Gotti Tedeschi.)
"O papa o estimava e o queria bem e gostava dele [de Gotti Tedeschi]", disse Gänswein, "mas, por respeito às competências de quem tinha responsabilidade, ele optou por não intervir naquele momento". Gänswein também acrescenta que, depois da demissão, Bento XVI permaneceu em contato com Gotti Tedeschi "de modo discreto".
O drama em torno da derrubada de Gotti Tedeschi continua sendo um dos mistérios não resolvidos da vida recente do Vaticano.
Amigos do economista de 68 anos continuam insistindo que ele foi maltratado. Alguns acreditam que ele foi vítima de uma disputa de poder, enquanto outros estão convencidos de que ele estava fazendo muito barulho sobre as modificações de uma lei contra a lavagem de dinheiro no Vaticano que alguns viam como um passo para trás. (Debates internos sobre esse ponto foram revelados como parte do escândalo de vazamentos.) Outros ainda dizem que ele entrou em conflito com a velha guarda vaticana quando ele concordou voluntariamente em ser deposto pelos investigadores civis italianos que analisavam operações supostamente suspeitas no IOR.
Nesse cenário, Gotti Tedeschi seria basicamente um mártir pela causa da transparência e da reforma.
Os críticos insistem que a sua demissão não teve nada a ver com visões concorrentes do futuro do banco, mas sim com dificuldades interpessoais e lapsos na gestão. Anderson afirmou na época que Gotti Tedeschi "fracassou ao executar as suas responsabilidades básicas, ao se informar sobre o que o conselho estava fazendo e ao participar das reuniões".
Embora a entrevista de Gänswein não resolva esse debate, ela equivale a uma espécie de "reabilitação" por parte de Bento XVI, já que Gänswein sugere claramente que Gotti Tedeschi ainda goza da confiança de Bento XVI.
Gotti Tedeschi talvez possa ter alguma satisfação não apenas nisso, mas também no fato de que muitas das medidas de reforma que ele defendia foram adotadas desde então. Uma nova lei antilavagem de dinheiro promulgada por Francisco no dia 8 de outubro restaura o marco básico da lei original, até mesmo expandindo os poderes da unidade de fiscalização financeira do Vaticano, enquanto uma revisão detalhada das contas do IOR está sob andamento com o novo presidente, Ernst von Freyberg, e o banco também emitiu recentemente um balanço auditado de forma independente.
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Quando o braço direito do Papa Bento XVI se pronuncia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU