24 Outubro 2013
Eu já escuto preocupações de que a Igreja reformista do Papa Francisco com seus 76 anos de idade pode não sobreviver ao seu pontificado. Eu ouço falar que os antirreformistas que retrocederam o Concílio Vaticano II provavelmente irão fazê-lo mais uma vez quando Francisco desaparecer de cena.
A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada no sítio National Catholic Reporter, 22-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nós perguntamos: será que uma Igreja dotada de compaixão e misericórdia, como Francisco quer, será a Igreja do nosso futuro? Será a nossa Igreja orientada, como que com uma bússola, pela vida e necessidades das pessoas marginalizadas? Pode um catolicismo pastoral, encarnado nas bem-aventuranças, ser o catolicismo que ofereceremos ao mundo?
Encarado somente como um momento na história da Igreja, o momento Francisco pode não durar. A história pós-Vaticano II nos ensina que as forças entrincheiradas têm maneiras de resistir. A partir desse ponto de vista, Francisco poderia ser uma moda passageira. No entanto, a partir da visão de longo prazo da história, o pontificado de Francisco poderia muito bem ser o ponto de exclamação no Vaticano II - mudança e reforma é o modo padrão de operação, e não uma atividade única.
Como o Papa João XXIII, que nos trouxe o concílio, Francisco acredita que o Espírito está vivo no mundo. Como João XXIII, ele acredita que o Espírito não é posse exclusiva do episcopado católico. Nessa crença, Francisco afirma a teologia do Concílio e se une a ele de uma forma inseparável, efetivamente dando a seu pontificado um maior alcance, tanto para trás quanto para a frente.
Francisco tem uma estreita ligação espiritual com João XXIII, seu antecessor. Ambos avaliaram a Igreja e a encontraram debilitada, deixando de atender às necessidades dos tempos. João XXIII convocou um concílio; ainda temos que ver a resposta completa de Francisco. Mas ele nos disse que haverá surpresas. Quando Francisco fala sobre "surpresas", estas não são segredos que ele está nos escondendo. São surpresas intensas, mais profundas do Espírito que ainda precisam ser discernidas.
A Igreja pastoral que Francisco está nos oferecendo vem de um compromisso com a tradição, uma base que realmente o liberta para ser ainda mais aventureiro. Afinal de contas, a Igreja é muito mais do que dogma revelado; ela é a plenitude da vida e de como reagimos ao mundo em que vivemos. Este é o lugar onde as surpresas podem ser encontradas, embora seja difícil para alguns entenderem isso.
Enquanto o pontificado de Francisco se desdobra e nos deparamos com suas surpresas, ele será cada vez mais visto como a encarnação do Concílio Vaticano II, a carne dos ossos do Concílio. Enquanto essa conexão se desenrola, ela vai obrigar, ainda mais, a visão do Concílio e de Francisco a seguirem em frente.
Talvez a questão teológica central enfrentada pelo Concílio foi "como o Espírito opera no mundo?". A vida do Espírito é revelada, fundamentalmente, sem dúvida e exclusivamente, por meio da hierarquia da Igreja Católica? Ou o Espírito é encontrado em toda a criação, discernido por pessoas de boa vontade em toda parte?
Os Padres conciliares afirmaram esta última visão. E assim o faz Francisco claramente. Isso é o que ele disse a seu entrevistador jesuíta em agosto: "As queixas de hoje de como o mundo anda ‘bárbaro’ acabam por fazer nascer dentro da Igreja desejos de ordem entendidos como pura conservação, defesa. Não. Deus deve ser encontrado no hoje. Deus se manifesta em uma revelação histórica, no tempo. [...] Não é preciso privilegiar os espaços de poder relativamente aos tempos, mesmo longos, dos processos".
Para Francisco, a mudança não é apenas possível, é necessária se a Igreja quer ser relevante. No entanto, ele adverte paciência. Em sua entrevista, ele diz: "Muitos pensam que as mudanças e as reformas podem acontecer em pouco tempo. Eu creio que será sempre necessário tempo para lançar as bases de uma mudança verdadeira e eficaz”.
No fim, o documento Lumen Gentium do Vaticano II afirma "o povo de Deus" como a principal definição de Igreja; a hierarquia vem em segundo lugar. Francisco afirma o mesmo, dizendo: "E o conjunto dos fiéis é infalível no crer [...]. Quando o diálogo entre as pessoas e o bispo e o Papa segue este caminho e é leal, então é assistido pelo Espírito Santo. Não é, portanto, um sentir ligado aos teólogos. [...] Não é preciso sequer pensar que a compreensão do sentir com a Igreja esteja ligada somente ao sentir com a sua parte hierárquica".
Então, novamente, a nossa Igreja está em um caminho irreversível, sempre em reforma? Ou será que Francisco desaparecerá como o Concílio, como um meteorito no céu à noite? Francisco é o primeiro pontífice formado durante o Concílio. Ele é um produto do Concílio. Neste sentido, ele é o primeiro pontífice pós-conciliar. Além disso, ele abraça a teologia e o espírito do Concílio com um carinho aparentemente desenfreado. A era Francisco é realmente uma nova fase no desdobramento da história de uma reforma da igreja, uma, como nos lembra Francisco, que será cheia de surpresas.
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Francisco é o ''ponto de exclamação'' no Vaticano II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU