17 Outubro 2013
A participação de petroleiras asiáticas no leilão do campo de Libra, na Bacia de Santos, deve demandar atenção da parte do governo brasileiro. Na opinião de Alexandre Szklo, especialista em planejamento energético e doutor pela Coppe-UFRJ, centro de referência em estudos de energia, uma eventual parceria entre a Petrobras e empresas da Ásia é uma espécie de "jogo de xadrez", em que, de um lado, as petroleiras asiáticas têm a capacidade financeira necessária para investir, e, do outro, o Brasil tem o conhecimento tecnológico e o recurso energético. Segundo ele, o Brasil tem que "dormir com o inimigo, mas de olho aberto". Entre as "armadilhas" a serem evitadas estão apressar a produção e ficar à mercê da indústria chinesa, e perder o "know-how" tecnológico.
"A questão é como ter acesso a esse dinheiro, sem transferir conhecimento, sem a perda do domínio do recurso", afirmou o pesquisador, que colaborou com a Agência Internacional de Energia (AIE) em um recente estudo sobre investimentos e transferência de tecnologia entre o Brasil e a China.
A entrevista é de Cláudia Schüffner e Rodrigo Polito e publicada pelo jornal Valor, 17-10-2013.
Szklo apresentou cálculos feitos pela Coppe-UFRJ, que prevê que o pré-sal das bacias de Santos, Campos e Espírito Santo tenha reservas recuperáveis de 50 a 60 bilhões de barris de óleo e gás. Em 2012, as reservas provadas do país eram 15,3 bilhões, e o fato de o Brasil ter esse potencial, diz, não é uma "maldição". "Temos que lembrar que os EUA, no século passado, se desenvolveram economicamente como grande produtor de petróleo", diz.
A estimativa da Coppe é que Libra esteja produzindo em torno de 400 mil barris/dia em 2022, quando o Brasil alcançará cerca de 4,5 milhões de barris/dia de produção. Para isso, o país terá que contratar 34 novas plataformas de produção, quase dobrando a frota, a maior do mundo, em dez anos.
Eis a entrevista.
Qual o potencial de recursos do pré-sal das bacias de Santos, Campos e Espírito Santo?
Existem várias estimativas de potencial. Uma estimativa mediana, associada não apenas à existência do recurso, mas à possibilidade técnica e econômica de extrair esse recurso, seria na faixa de 50 a 60 bilhões de barris. O refinamento dessa informação vai vir do campo de Libra, porque é uma área com baixo risco geológico, e sobre o qual há uma boa estimativa. Já existe uma projeção de reserva com uma faixa relativamente ampla, entre 8 bilhões e 13 bilhões de barris.
Qual a previsão de barris de volume total de óleo na área?
Na faixa de 100 a 110 bilhões de barris de óleo in "place", mas são estimativas indiretas.
Em que momento, vamos exportar petróleo em volumes importantes?
O Brasil está com uma perspectiva de ampliação de seu parque de refino para algo na faixa de 3 milhões de barris/dia de capacidade operacional, não em capacidade nominal. A estimativa da Coppe para a produção de petróleo em 2020 está na faixa de 4,5 milhões a 5 milhões de barris/dia, dependendo do ritmo de incorporação de reservas. Qualquer que seja esse cenário, o mais provável é que a gente esteja falando em uma exportação de óleo na faixa de 2 milhões de barris/dia em 2022.
Isso imaginando que a Petrobras consiga financiar as novas refinarias Premium 1 e 2?
Conseguir achar recursos para financiar o refino não é trivial. Estamos falando de um país que tem um preço que não segue tanto a paridade de importação, que usa os derivados para controlar pressão inflacionária. Então, a margem de refino não é uma margem que atrai investimento privado. Por outro lado, a parte de exploração e produção é muito rentável. Temos feitos simulações de curva de produção no pré-sal e, por mais que os custos sejam mais altos que os do pós-sal, estamos falando em rentabilidade na faixa de 20% a 30% ao ano, dependendo da qualidade do óleo e da localização.
Como avalia o interesse das petroleiras na área?
O óleo do pré-sal é um recurso valioso para algumas empresas, que hoje têm capacidade de investimento e aceitam rentabilidades menores do que essa, que são as empresas asiáticas, que querem ter petróleo. A discussão pode sair um pouco do campo microeconômico, de se conseguir dinheiro e se alavancar para produzir, e ir para o campo macroeconômico e geopolítico. Pelo lado macroeconômico, existe a dificuldade da indústria brasileira de fazer esse ritmo de produção. Pelo lado geopolítico, saber se realmente interessa ter a entrada de grandes players asiáticos no mercado de petróleo brasileiro. A Sinopec tem muito recurso para entrar em parcerias em refino no Brasil, mas ela quer, em troca, também entrar no pré-sal e adquirir expertise na tecnologia offshore [marítima].
Caso os chineses entrem em Libra, terão acesso à tecnologia?
A Petrobras é a operadora e o desejo dela é não dar esse acesso. Da mesma forma, a Sinopec está tendo dificuldade em ter acesso às informações com a Repsol. Na aquisição, pela Sinopec, de parte de campos produtores da Repsol em águas ultraprofundas, a Repsol foi muito ciosa da sua tecnologia. A Petrobras é muito ciosa disso também, corretamente eu diria. As empresas chinesas estão muito agressivas nessa questão de aquisição de tecnologia. A primeira plataforma semisubmersível na China só foi lançada no fim de 2011. As chinesas ainda estão lutando por dois objetivos: ter petróleo e adquirir capacitação tecnológica.
O que acha da hipótese de a Petrobras ser financiada pela China para ir além dos 30% em Libra, pagando depois em petróleo?
A grande questão é que o petróleo tem que gerar valor. Não é verdade que o petróleo é fruto de armadilha, de falta de desenvolvimento, porque temos que lembrar sempre que os EUA, no século passado, se desenvolveram como grande produtor de petróleo. Ter um recurso não é uma maldição. Mas tem que saber usar. Fazer um acordo, receber fundos da China e entregar volumes de petróleo, mas desenvolver a indústria nacional, e manter sob o domínio de empresas brasileiras a capacidade tecnológica de extrair os recursos, não é necessariamente um problema.
Se prevê que, se os chineses entrarem em Libra, haverá pressão por encomendas de plataformas e equipamentos na China.
Sem dúvida. Essa é uma preocupação. Outra preocupação é estabelecer uma parceria e perder uma expertise em uma área onde a Petrobras é a grande detentora de know-how. É óbvio que existem essas armadilhas, mas, por outro lado, existe uma liquidez muito grande na China e uma capacidade de financiamento.
É uma questão mais geopolítica do que econômica, então?
Esse leilão corre grande risco de ser enviesado muito fortemente por questões de segurança energética de países asiáticos e, sobretudo, por uma política de investimento externo de petroleiras asiáticas, com apoio dos governos do Sudeste Asiático. É um jogo de xadrez. De um lado, eles têm o dinheiro. De outro, o Brasil tem o conhecimento e o recurso energético. A questão é como ter acesso a esse dinheiro, sem transferir conhecimento e sem ter a perda completa do domínio do recurso.
O que acha da possibilidade de se retirar a obrigação de a Petrobras ser operadora única do pré-sal na partilha?
Minha opinião, em particular, é que essa não seria uma boa estratégia.
O que a produção em Libra vai demandar em plataformas?
Nas nossas estimativas para 2022, para o Brasil inteiro atingir o nível de produção em torno de 4,5 milhões de barris/dia, precisaríamos de 32 a 34 FPSOs [sigla em inglês para plataforma flutuante de produção, armazenamento e transferência] novos. No mundo existem cerca de 160 FPSOs operando, sendo 34 no Brasil. Estamos falando em dobrar o que já temos no Brasil, em menos de dez anos. O que torna isso difícil é a questão do conteúdo local. Tenho participado muito de banca de pesquisa operacional na engenharia naval sobre montagem de navios. O que vemos nos trabalhos técnicos não é apenas o custo mais alto, mas também o tempo de construção. No Brasil, tende a ser o dobro do que no Sudeste Asiático. Mas existe capacidade ociosa em navios no mundo e há possibilidade de converter navios em FPSO.
Qual a sua previsão de produção de petróleo em Libra?
Para se ter uma ideia, boa parte da produção nova de petróleo em 2020 será da cessão onerosa, e uma produção de pré-sal que está sob concessão. A porção do modelo de partilha em 2022, de acordo com nossas estimativas, é em torno de 400 mil barris/dia.
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Parceria com chineses é 'jogo de xadrez', diz pesquisador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU