15 Outubro 2013
Ocorreu entre os dias 27 e 29 de setembro de 2013 o XII Colóquio Internacional de Estudo, promovido pelo Instituto Papa Paulo VI de Concesio, da Bréscia, sobre o tema "O Concílio e Paulo VI. Cinquenta anos depois do Vaticano II". Entre os palestrantes estavam: Michael Paul Gallagher, Gilles Routhier, Jan-Heiner Tück. As atas serão publicadas pelo Instituto.
Antecipamos um pequeno trecho da densa conferência do bispo de Novara, na Itália, Franco Giulio Brambilla, decano emérito da Faculdade de Teologia de Milão, que falou sobre o tema "A interpretação teológica do Vaticano II: Categorias, orientações, questões".
O artigo foi publicado no blog da Editora Queriniana, 09-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O tema da recepção (dos concílios) – como se sabe – é bastante complexo e se revela cada vez mais difícil quando o espaço histórico decorrido é relativamente breve. Quem tentou uma periodização teve que levar em conta não só diversas fases históricas desses 50 anos, mas também o "espaço humano e cultural da recepção". Talvez podemos cruzar substancialmente dois critérios: um histórico e outro cultural, que nos permitem determinar ao menos três etapas da recepção do Concílio.
A primeira etapa poderia ser definida como a implementação do Concílio, ou seja, a realização da "reforma" proposta pelo Concílio (1965-1985). Ela é caracterizada pelo elemento institucional e se estende ao longo do arco que vai desde a gradual introdução da reforma litúrgica à revisão dos estudos teológicos, ao início fatigante do Sínodo dos Bispos com a sua crise na assembleia sinodal de 1974, até a reforma do Novo Código de Direito Canônico de 1983.
Os sujeitos dessa primeira fase da recepção são principalmente os papas e os bispos protagonistas da geração conciliar, que, através da sua ação pastoral, deram um forte impulso à difusão da visão do Concílio. A eles se aproximam, até algumas vezes com gestos extremos, aqueles que Routhier chama de "mediadores culturais" (teólogos e operadores da comunicação).
Fica em segundo plano a avaliação da recepção no conjunto do povo de Deus (basta pensar no clero), devido à sua capacidade de acolher o estilo e os ensinamentos conciliares e a sua tradução nas práticas efetivas, na doutrina e na espiritualidade. Poderíamos definir essa primeira fase de uma recepção que tenta introduzir a "mentalidade conciliar" através da renovação das formas práticas que a devem mediar.
Três indicadores poderiam testar o nível da recepção: 1) os diversos ensinamentos/práxis (nem todos são acolhidos no mesmo título e da mesma forma); 2) o método sinodal que se implementou no Concílio e que, ao invés, custa para encontrar formas persuasivas para tratar in capite et in membris as novas questões que se assomam à Igreja Católica (basta pensar nos diversos Sínodos dos Bispos e nos Conselhos presbiterais e pastorais de uma diocese); e 3) o estilo do discurso, como forma particular que o Concílio adotou para o anúncio cristão hoje e que produz uma espécie de proliferação indiscriminada dos documentos nem todos de igual valor, com uma espécie de koiné linguística nem sempre de alto nível.
A apreciação dos resultados dessa primeira fase da recepção é discutido: as mediações institucionais (livros rituais, corpus jurídico, "instruções", "orientações e normas" e "diretores") tentaram dar corpo ao corpus conciliar, mas também introduziram momentos de opacidade, de freio, de canalização do espontaneísmo pós-conciliar.
A segunda etapa da recepção é de caráter teológico (1985-2000): e é representada pelo Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, dedicado ao 20º aniversário do Concílio. Ele introduz uma reviravolta na recepção conciliar e na hermenêutica teológica dele. A eclesiologia passa da categoria de "povo de Deus" à noção de "communio". A compreensão predominantemente sociológica da categoria de povo de Deus na recepção dos primeiros 20 anos (basta pensar na teologia política e da libertação) encontrou na releitura de W. Kasper, secretário especial do Sínodo, a acentuação da parábola do Vaticano II em torno da noção de "communio".
Ela era funcional a duas recuperações que o Papa Wojtyla estava promovendo: a projeção missionária com o tema da nova evangelização; a valorização do laicato associado com os "novos" movimentos laicais emergentes. Acredito que se possa aproximar dessa junção decisiva na recepção do Vaticano II uma temporada fecunda dos "mediadores culturais" (particularmente dos teólogos em confronto cerrado com a modernidade) que, partindo do Concílio, realmente realizaram um reenquadramento profundo da teologia conciliar dentro do arco dos dois milênios da tradição cristã, em particular chamando a atenção para o caráter histórico, salvífico e pessoal da Revelação, à sua afirmação na Sagrada Escritura e à sua centralização cristológico-trinitária.
Isso recuperou o significado estratégico da Dei Verbum no ensinamento conciliar. Enquanto isso, ocorreu uma descentralização epocal do cristianismo ocidental com o aparecimento dos fenômenos clamorosos introduzidos pelo pluralismo religioso. Sem registrar essa tensão, não se entenderia a etapa atual na recepção do Concílio.
A terceira etapa é dominada pelo conflito das interpretações (do anos 2000 até os nossos dias). Ela supõe o desaparecimento da geração que fez o Concílio. Os atores do Vaticano II desaparecem: a nova geração de bispos e de teólogos não se empenhou no debate conciliar e não é marcada da mesma maneira por aquele evento. Ela o recebe através dos seus documentos, das realizações institucionais e das práticas efetivas.
Para essa geração, o Vaticano II só é acessível através de um gesto de "memória crítica": ela é possível como uma operação que recupera a intenção pastoral e prática do evento conciliar mediante a avaliação das suas recepções e implementações; não se dá mais uma relação direta com o evento conciliar e com os seus documentos, mas ela é mediada por uma situação inédita, marcada pela secularização, pelo multiculturalismo e pelo pluralismo religioso.
Tal situação propõe prepotentemente os problemas da identidade (cristã) e, portanto, do laço com a tradição. Nessa fase, coloca-se a generosa tentativa de Bento XVI, que operou sobre duas alavancas: o legado do Vaticano II, identificado em uma hermenêutica da reforma; e a relação crítica com a modernidade, com o manifesto do seu pontificado proposto na encíclica Deus caritas est e no discurso de Regensburg.
A sua proposta poderia ser formulada em síntese assim: a identidade cristã traz consigo as razões da sua relevância e exige, portanto, uma relação com a razão moderna, liberada da sua angústia racionalista e antitradicional. A intervenção papal de 2005 produziu indiretamente uma concentração benéfica de estudos sobre o Vaticano II, que nos permite realizar a passagem para uma nova fase da recepção e da hermenêutica teológica que, talvez, precise de uma nova denominação.
A nova fase, portanto, pode definir um tempo novo que se abre diante de nós. O tempo em que o Concílio deve ser transmitido para a segunda geração pós-conciliar: aquela que não é vivida no cone de luz do Vaticano II, mas nasceu em um mundo secularizado, sem sinais identitários e que, por isso, custa a senti-lo como ponto de partida promissor.
Antes de compreendê-lo e de acolhê-lo como uma "herança" preciosa, ela deve recompreendê-lo como uma escola de anúncio do Evangelho e um desafio para a reforma da qual a Igreja precisa em todos os tempos. No entanto, antes de acolher o Vaticano II como uma tarefa, ela deverá redescobri-lo como um tesouro ou como uma "bússola" para a Igreja do terceiro milênio.
G. Routhier destacou o relevo hermenêutico dessa fase ulterior no livro introdutório à sua última coleção, propondo o Vaticano II come eredità [Vaticano II como herança]. Parece-me uma perspectiva interessante tanto para a hermenêutica teológica do Concílio, quanto para a pragmática eclesial que parece se anunciar nos primeiros gestos do pontificado do Papa Francisco.
Segundo Routhier, três movimentos criativos qualificam a recepção do legado de uma herança. Com perspicácia e com uma certa astúcia intelectual, o teólogo canadense propõe uma analogia com o problema da herança do tomismo. Três opções principais permitem herdar um pensamento vital:
1) voltar à posição dos problemas para além das soluções e das conclusões que esse pensamento soube produzir;
2) fazer surgir, através de uma escavação histórica sobre o pensamento de um autor (no caso, o Aquinate), o corpo de intuições basilares do seu pensar teológico, focando as suas ideias realmente criadoras; e
3) reencontrar o estado de invenção criativa que caracterizou a contribuição de Tomás para o renascimento medieval.
A nova geração depois da conciliar (de bispos, teólogos e Igrejas locais) deve se propor a "pensar com e da forma do Vaticano II". Essa indicação registra a "nova situação hermenêutica" em que se põe o nosso tema da interpretação teológica do Concílio: a hermenêutica do Vaticano II como tal se propõe como a tarefa do Vaticano II como hermenêutica do anúncio evangélico para a Igreja do terceiro milênio.
De fato, essa é a contribuição das intervenções mais significativas dessa última década, antes, durante e depois da intervenção do Papa Bento XVI em 2005. Podemos delinear o tema da herança em três movimentos:
a) retomar o modo original dos Padres conciliares de pôr os problemas, para prospectar uma resposta aos desafios do seu tempo na interação entre sujeitos, corpus textual e novos leitores (o Vaticano II como estilo);
b) fazer emergir a originalidade do Vaticano II, as suas ideias criativas e as suas intuições basilares, seja no vertente metodológico, quanto no conteudístico (o princípio de pastoralidade);
c) reencontrar o estado de invenção que caracterizou aquela reviravolta epocal e que precisa hoje de uma retomada criativa e de uma nova pragmática eclesial (o futuro do Concílio).
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O Concílio nas nossas mãos. Artigo de Franco Giulio Brambilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU